História de Aline Bronzati – Jornal Estadão
NOVA YORK- Presidente do Banco Central (BC) no Brasil durante os dois mandatos da presidente Dilma Rousseff, Alexandre Tombini diz que o “trabalho pesado” de voltar a inflação à meta não é só dos bancos centrais. Os governos precisam fazer a sua parte do lado dos gastos e reformas, defende.
Depois de liderarem o corte de juros no mundo, as autoridades monetárias da América Latina colocaram o pé no freio e passaram a sofrer mais pressão política para seguir cortando as taxas, a exemplo do que ocorre no Brasil, com críticas constantes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao do BC, Roberto Campos Neto.
“É justamente nos períodos de maior discussão, maior estresse que essa independência (dos bancos centrais) se faz necessária”, diz Tombini, em entrevista exclusiva ao Broadcast, do México, de onde representa o Banco de Compensações Internacionais (BIS) para as Américas, conhecido como o banco central dos bancos centrais.
O economista afirma que as autoridades precisam de tranquilidade para implementar as suas políticas, que, por vezes, geram custos no curto prazo, mas trazem benefícios no médio e longo prazos. Afirma, porém, que o BIS não entra em temas específicos de países, sejam os Estados Unidos ou o Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Em seu relatório anual, o BIS menciona um resultado melhor da economia global, com inflação em queda e a expectativa de um pouso suave à frente, porém cita um ‘mas’ e desafios à frente. Quais são os desafios para os bancos centrais da América Latina?
O processo de volta à estabilidade e à meta de inflação na América Latina ainda não está completo, mas está bem próximo. A mensagem do relatório para a região é não baixar a guarda. Existem três desafios: Primeiro, as pressões inflacionárias podem ser mais persistentes, especialmente no setor de serviços, e a recuperação dos salários reais também pode colocar pressão nos preços. A segunda questão é o crescimento econômico. Estamos vendo uma desaceleração, porém, a maioria dos países latino-americanos deve entregar expansão maior do que inicialmente esperado. Esse ponto é importante porque as políticas monetária e fiscal têm limites, são políticas de administração da demanda, não mudam a tendência de crescimento de longo prazo.
E o terceiro desafio?
O terceiro desafio está relacionado à política fiscal. Vimos a grande expansão dos gastos na pandemia e também da dívida pública na maioria dos países. A América Latina não é exceção. Em muitos casos, a política fiscal continua expansionista e isso pode retardar o processo de convergência da inflação à meta. A elevação da dívida pública gera pressões sobre os prêmios de risco da economia, podendo manter as taxas de juros em níveis mais elevados. Em países emergentes, isso pode gerar uma maior sensibilidade da taxa de câmbio a ruídos internos e externos, com potencial impacto no preço de importação, que é outra fonte que pressiona os preços domésticos.
Alexandre Tombini, ex-presidente do Banco Central do Brasil e hoje no BIS, defende corte de gastos e reformas Foto: Dida Sampaio/Estadão© Fornecido por Estadão
Qual a recomendação do BIS para o fiscal?
O BIS recomenda a coerência das políticas monetárias e fiscais nesse período de convergência da inflação para a meta. É fato que os gastos retornaram a níveis mais baixos em relação à pandemia, mas em muitos casos continuam no terreno expansionista, o que gera desafios para essa convergência final da inflação.
O relatório anual aborda as lições aprendidas sobre a política monetária no século 21. Qual foi o papel da América Latina?
Os países da América Latina tiveram um papel relevante na melhoria dos marcos de política econômica em geral e, monetária em particular, nos últimos 25 anos. Desde as crises e da alta inflação das décadas de 80 e 90, os bancos centrais da região reduziram com sucesso a inflação e adotaram marcos de política centrados no controle dos preços em um ambiente desafiador. Mais recentemente, para restabelecer a estabilidade de preços, os bancos centrais da região aumentaram as taxas de juros antes dos seus pares globais, isso foi importante para trazer a inflação de volta à meta. Assim como em outras regiões, as autoridades da América Latina estão cientes de que a política monetária não pode fazer todo o trabalho pesado sozinha.
Como assim?
A política monetária deve atuar de forma consistente com a política fiscal para estabilizar a economia. Embora o compromisso com a inflação baixa e estável seja necessário, não é suficiente para proporcionar um aumento duradouro do crescimento econômico e da prosperidade. São as reformas estruturais que atacam o lado da oferta, da capacidade de produção, que podem gerar crescimento sustentável. O governo tem que reconhecer a limitação dessas políticas de administração de demanda, seja monetária ou fiscal, para o crescimento sustentável.
Depois de liderarem o movimento de corte de juros no mundo, os BCs da América Latina começaram a deixar esse bastão nas últimas semanas. É uma cautela necessária no ambiente atual?
Não dá para generalizar. Há economias distintas dentro da América Latina. Não há uma resposta única.
Quão o senhor está preocupado com a última milha da luta contra a inflação na região?
A inflação do setor de serviços tem apresentado uma resiliência mais forte do que a de bens e condições financeiras globais mais apertadas por mais tempo representam um desafio. A maioria dos bancos centrais espera a convergência dos preços às metas de inflação até o fim de 2025 e a recomendação do BIS é a de que os bancos centrais não devem baixar a guarda nesse período porque novos choques podem elevar a inflação e se mostrar mais persistente do que o esperado. As autoridades da região estão acompanhando esses desenvolvimentos de perto.
Qual a visão do senhor sobre as pressões políticas exercidas sobre bancos centrais na América Latina para baixar juros, em um momento de inflação ainda acima das metas e crescimento moderado no mundo?
O trabalho pesado de voltar a inflação à meta não é só dos bancos centrais. O que vimos nos últimos anos foi o aumento do déficit para responder à crise sanitária da covid-19, no mundo inteiro. Tivemos um aumento muito alto do gasto, que recuou, mas não nos níveis anteriores da pandemia. Em muitos casos, a política fiscal continua em território expansionista e, do outro lado, ainda temos um processo de convergência da inflação às metas que avançou, mas ainda não foi concluído. O BIS recomenda coerência dessas políticas à frente. Os governos devem colocar os seus orçamentos em bases sólidas para ajudar esse processo de convergência da economia e vão ter que lidar com um ambiente de taxas de juros mais elevadas do que se tinha antes do choque da pandemia por um tempo maior do que esperado inicialmente.
A recomendação do BIS é em defesa da independência dos BCS?
O BIS defende a independência dos bancos centrais. Isso está explícito no nosso relatório anual. O banco central, com o objetivo de assegurar a estabilidade de preços, toma medidas que, em geral, têm custos de curto prazo e benefícios de médio e longo prazos. E é justamente nos períodos de maior discussão, maior estresse que essa independência se faz necessária.
Pode haver a necessidade de algum tipo de coordenação entre os grandes bancos centrais para alinhar política monetária e evitar turbulências globais?
Houve um movimento global de aperto das condições monetárias para evitar a desancoragem das expectativas para a inflação, numa grande convergência de políticas. Agora, não há a convergência que houve atrás por razões legítimas, ou seja, as economias estão em situações distintas e, portanto, as políticas monetárias estão mais divergentes na Europa, nos Estados Unidos e na China. Política monetária não se faz por analogia, mas diante dos desafios que cada banco central enfrenta.
Quais são os riscos relacionados a essas divergências entre os BCs?
Esse momento de mais divergência gera mais volatilidade das taxas de câmbio globais. Esse é um ponto de atenção e exige que os bancos centrais estejam mais atentos e, certamente, estão.
A troca de diretorias de banco centrais sempre é um motivo de alerta nos mercados. Esse ano, temos mudanças no Brasil e, em breve, nos Estados Unidos. O BIS monitora essas mudanças?
O BIS não tem recomendações para questões específicas de países. A autonomia operacional dos bancos centrais é importante para que possam cumprir as suas funções. Os bancos centrais têm que ter a tranquilidade para implementar as suas políticas. Mas o BIS não entra e não oferece recomendações para questões internas de países, sejam os Estados Unidos, a Argentina, o Brasil, o Japão, enfim.
Ativos domésticos em países emergentes têm sofrido pressão de questões locais como fiscais, riscos políticos etc. Qual o sentimento desses investidores para a região?
O cenário de taxas de juros altas mantidas por um prazo maior gera condições financeiras mais apertadas e menos espaço para a tomada de risco e exposição a países emergentes. Ou seja, é um período no qual esses países enfrentam condições mais apertadas de financiamento externo. Isso por si só deve ser um ponto de atenção.
A inteligência artificial tem sido tema em todas as conversas, e não é diferente na política monetária. As autoridades monetárias estão preparadas para essa revolução e os desafios à frente?
Há incertezas em relação à extensão da inteligência artificial, como a tecnologia vai afetar a economia e as nossas vidas, porém, não há dúvida de que já está impactando de forma importante. No nosso relatório anual, focamos em duas dimensões: como a inteligência artificial vai ter impacto na economia e no setor financeiro, que é o objeto de regulação e de trabalho dos bancos centrais. E, em outra dimensão, como usuários de tecnologia, os bancos centrais também serão impactados.
E quanto aos impactos econômicos, perda de empregos, inflação?
Na questão econômica, há um impacto pelo lado da oferta, um aumento da produtividade. Pelo lado da demanda, tanto as famílias quanto as empresas esperam que a inteligência artificial possa gerar mais renda no futuro, e, com isso, aumente o consumo e o investimento. Esses dois impactos indicam que a inteligência artificial tem o poder de expandir a economia. Em relação à inflação, objeto dos bancos centrais, vai depender do impacto no mercado de trabalho. A inteligência artificial vai gerar novas posições, mas também vai eliminar alguns postos, principalmente aqueles que são mais automatizáveis. A forma como essas duas forças vão agir no curto prazo e qual o efeito líquido sobre o mercado de trabalho devem ser acompanhadas. Nós não temos uma visão para que lado vai ser. Essa é uma parte da incerteza, mas os bancos centrais estão atentos a isso.