História de Weslley Galzo – Jornal Estadão
BRASÍLIA – Desde que as viagens de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ao exterior para participar de eventos organizados pela iniciativa privada se tornaram alvo de críticas, a Corte, sob orientação do seu presidente, Luís Roberto Barroso, adotou como resposta oficial aos questionamentos da imprensa que os magistrados “conversam” com “advogados, indígenas, empresários rurais, estudantes, sindicatos, confederações patronais, entre muitos outros segmentos da sociedade”. Porém, dentre todos esses, quais são os setores e agentes sociais que mais recebem a atenção do chefe do Poder Judiciário?
O Estadão compilou todas as audiências públicas do presidente do STF desde que ele tomou posse, no dia 29 de setembro de 2023, até o dia 4 de julho deste ano. Foram considerados todos os encontros registrados na agenda oficial, inclusive aqueles realizados durante viagens a trabalho. Em nota, a Corte afirmou que a atual gestão tem “priorizado a realização de audiências relacionadas aos projetos desenvolvidos pela gestão e à representação institucional da Corte”. (ver mais abaixo)
Presidente do STF, Luís Roberto Barroso priorizou encontros com autoridades estatais e com o setor empresarial Foto: Andressa Anholete/STF© Fornecido por Estadão
A agenda de Barroso foi a única analisada por se tratar do principal representante do Poder Judiciário no País e pelo fato de a maioria dos demais ministros integrantes do tribunal não divulgarem os seus compromissos diários. O levantamento aponta que, apesar da diversidade de segmentos atendidos por Barroso, só alguns são recebidos de maneira recorrente pelo chefe da mais alta Corte do País.
Os indígenas citados pelo STF em notas à imprensa e em discursos de Barroso só foram recebidos uma vez pelo atual presidente da Corte em audiência no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No dia 23 de abril deste ano, o magistrado recebeu os representantes da Articulação dos Povos Indígenas (APIB), da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (APOAM) e da Operação Amazônia Nativa (OPAN).
Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Barroso disse conversar regularmente com “jornalistas e indígenas”. Na ocasião, também citou que é professor na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o que o faz ter contato frequente com estudantes cotistas e de classes populares. A APIB informou à reportagem ter solicitado quatro audiências com o presidente do STF, mas apenas uma foi realizada.
O coordenador da APIB, Maurício Terena, argumenta que as menções de Barroso e do STF aos indígenas se tornaram uma “justificativa” do magistrado e da Corte para rebater as críticas recebidas por causa dos encontros de ministros com agentes privados em eventos e viagens, sobretudo no exterior.
“Eu pessoalmente tenho um incômodo quando vejo o ministro-presidente fazendo essa manifestação, essa justificativa, porque existe uma desigualdade política radical entre esses grupos (lideranças indígenas e empresários). Uma desigualdade política e também da forma como esses povos são escutados”, afirmou Terena.
“Eu digo isso porque os indígenas não acessam os ministros fora de uma dinâmica de audiências. O que eu quero dizer com isso? Os indígenas não almoçam, nem jantam e não vão a Portugal. Não tem comparação a forma que os empresário e os segmentos econômicos, que têm poderio econômico, são recebidos”, completou em alusão à participação de ministros do STF no Fórum de Lisboa, também conhecido como ‘Gilmarpalooza’.
Com menos de um ano no cargo, Barroso priorizou os encontros com parlamentares, juízes e representantes de governos federal, estaduais e municipais. O presidente do STF recebeu 51 representantes de entidades governamentais em 29 reuniões, 48 deputados e senadores em 31 encontros e 42 magistrados em 31 agendas. Faz parte das atribuições do presidente do STF manter relacionamento institucional com os membros de outros Poderes. Mas, quando são desconsiderados os encontros com as autoridades estatais, o setor empresarial é o que mais teve representantes atendidos pelo ministro.
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) Foto: Andressa Anholete/STF© Fornecido por Estadão
Os agentes da iniciativa privada tiveram mais acesso ao gabinete da Presidência do STF do que os membros do Ministério Público. Entre setembro do ano passado e julho deste ano, Barroso atendeu 28 representantes de empresas em 17 reuniões oficiais. No mesmo período, o presidente do STF atendeu 25 procuradores, promotores e subprocuradores em 19 reuniões.
O STF afirmou em nota à reportagem que a atual gestão tem liderado iniciativas que se beneficiam da participação de parceiros privados. “Assim, é natural que haja acréscimo no número de reuniões com representantes do setor empresarial interessados em colaborar com projetos lançados pelo STF e CNJ”, argumentou a Corte.
Ainda de acordo com o STF, o número elevado de reuniões com o poder público e as empresas, por exemplo, é motivado pelo fato de serem alguns dos maiores litigantes do País.
“Ainda assim, a realização de audiências com representantes da iniciativa privada não impediu a Presidência do STF de realizar diversas reuniões com representantes de outros segmentos sociais, como as principais Centrais Sindicais, representantes do movimento negro, representantes de comunidades indígenas, associações profissionais e de servidores públicos, além da realização de missões para a Terra Indígena Apyterewa (com representantes da Presidência)”, argumentou.
Para o professor de direito constitucional Conrado Hübner Mendes, da Universidade de São Paulo (USP), a frequência das reuniões de Barroso com empresários acende um “alerta” diante da possibilidade deste segmento ter mais acesso à Presidência do STF do que outros.
“É natural que o ministro receba muitos políticos, (mas) que receba empresários é preocupante. Receber empresários num número de encontros tão superior ao restante da sociedade é muito preocupante. Essa disparidade entre encontros com certos grupos sociais em desfavor de outros liga um sinal de alerta”, afirma.
Mendes pondera que é necessário cautela ao analisar as agendas oficiais de Barroso para compreender o contexto específico de cada encontro. Ele afirma ser necessário fazer a distinção entre agendas de caráter institucional e processual. Porém, essa diferenciação é impossível de ser feita ao acompanhar os registros da agenda pública de Barroso. O presidente do STF não detalha o teor de todas as conversas em seu gabinete.
Barroso teve 10 reuniões com 13 advogados. Em apenas dois desses encontros, que contaram com a presença de 3 advogados, foram divulgados os números dos processos discutidos. A omissão da pauta discutida em cada uma das audiências não permite diferir se o ministro e os participantes trataram de temas institucionais ou jurisdicionais. Outros membros da Corte que divulgam as suas diárias, como Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Edson Fachin, costumam sempre citar a pauta ou os números dos processos discutidos em cada audiência.
“A ausência de transparência gera ceticismo e desconfiança”, afirmou André Boselli, coordenador de programas da ONG Artigo 19, que atua em defesa do acesso à informação.
“Na ausência de algumas informações sequer dá para tirar algumas conclusões assertivas, porque a gente não sabe exatamente o que está acontecendo”, prosseguiu. “A sociedade, sem saber o que está acontecendo, não consegue exercer o controle social sobre as instituições”, completou.
Leia a nota completa do STF
O exercício da Presidência do STF adiciona às funções jurisdicionais do Ministro o desempenho de funções administrativas e representativas. Considerando a relevância dessas funções, exercidas exclusivamente pelo Presidente do Tribunal, tem-se priorizado a realização de audiências relacionadas aos projetos desenvolvidos pela gestão e à representação institucional da Corte. Por esse motivo, o número de audiências relacionadas a processos judiciais específicos atendidas pelo Ministro Luís Roberto Barroso se reduziu bastante desde setembro de 2023.
Na gestão do STF e do CNJ, o Ministro Presidente tem a oportunidade de liderar iniciativas – no interesse de diversos segmentos sociais – que se beneficiam da participação de parceiros privados. Assim, é natural que haja acréscimo no número de reuniões com representantes do setor empresarial interessados em colaborar com projetos lançados pelo STF e CNJ.
São exemplos de projetos que contam com a participação da iniciativa privada e que envolveram a realização de audiências com representantes de empresas: o programa de bolsas para candidatos negros à magistratura; o desenvolvimento de ferramenta de IA para sumarização de processos; idealização e construção de usina fotovoltaica no STF; acordo de cooperação para enfrentamento da violência contra a mulher; acordo de cooperação para inserção de jovens acolhidos em abrigos no mercado de trabalho; acordo para promoção da segurança alimentar no sistema prisional; e adesão de plataformas digitais ao programa de combate à desinformação do STF.
Da mesma forma, a necessidade de compreender e pensar soluções para os problemas do Poder Judiciário justifica a realização de reuniões com representantes dos setores mais litigantes, como o poder público, o setor bancário, de transporte aéreo, da construção civil etc. Ainda assim, a realização de audiências com representantes da iniciativa privada não impediu a Presidência do STF de realizar diversas reuniões com representantes de outros segmentos sociais, como as principais Centrais Sindicais, representantes do movimento negro, representantes de comunidades indígenas, associações profissionais e de servidores públicos, além da realização de missões para a Terra Indígena Apyterewa (com representantes da Presidência).
Especificamente sobre povos indígenas, dias antes de assumir a Presidência do STF, em 12 e 13 de setembro de 2023, o Ministro Luís Roberto Barroso atendeu em audiências privadas representantes da Articulação Nacional dos Povos Indígenas (APIB) e dezenas de integrantes da Articulação Nacional de Mulheres Indígenas (ANMIGA). Em abril de 2024, após a reunião do Observatório do Meio Ambiente, que contou com a participação de representantes de povos e comunidades tradicionais, o Ministro Presidente realizou uma grande reunião com dezenas de líderes indígenas. O ministro também esteve em Altamira (PA) e Humaitá (AM) no mês de junho, quando conversou com juízes sobre questões locais e com comunidades locais, inclusive indígenas.