História de Notas & Informações – Jornal Estadão
O ditador Nicolás Maduro fez uma gravíssima ameaça ao povo venezuelano durante um recente comício em Caracas. Se ele não for reeleito no próximo dia 28, disse, a Venezuela entrará em “guerra civil” e o país testemunhará um “banho de sangue”. Até para os padrões de truculência do chavismo, trata-se de uma ignóbil incitação à violência política que merece o mais veemente repúdio de todas as nações democráticas.
Mas, em que pese ser uma potência regional e, ademais, ter sido um dos principais mediadores do pacto de Barbados – onde, em outubro de 2023, foi selado um acordo entre Maduro e a oposição com vista à lisura do pleito, o que se revelou um engodo –, o Brasil optou por se omitir diante da advertência, por assim dizer, do “companheiro” do presidente Lula da Silva. O petista, como Pilatos, lavou as mãos diante da iminência de uma barbárie no país vizinho.
Na sexta-feira passada, Lula indagou por que raios haveria de “brigar com a Venezuela”. Afinal, “eles (os venezuelanos) que elejam o presidente que quiserem”. Chega a ser uma declaração ultrajante, pois trata como regular uma eleição que tem sido sabotada de todas as formas pelo regime chavista.
É conhecido o apreço que Lula tem por Maduro. Mas, em nome de um antiamericanismo juvenil, que seria apenas ridículo na idade dele, não fosse tão prejudicial aos interesses do Brasil, Lula tem pisoteado os princípios constitucionais que regem as relações exteriores do País. Como se isso não bastasse, o presidente da República vilipendia a honrada tradição diplomática brasileira, fundada na defesa da democracia e dos direitos humanos.
A despeito de suas afinidades pessoais e ideológicas, a explícita incitação às armas feita por Maduro às vésperas da eleição merecia de Lula uma inequívoca condenação. Seu silêncio é inaceitável como chefe de Estado e de governo da segunda maior democracia das Américas. Em Washington, para onde viajou a fim de tratar, entre outros assuntos, da eleição na Venezuela, o chanceler de facto, Celso Amorim, limitou-se a dizer que as ameaças de Maduro não são sérias. “Eu acredito que tenha sido um arroubo sem consequências”, disse Amorim à GloboNews.
De acordo com a apuração da Coluna do Estadão, no Ministério das Relações Exteriores a ordem é manter silêncio sob o fajuto argumento de que ao governo brasileiro não cabe se manifestar sobre o processo eleitoral de outros países. Em primeiro lugar, não se trata de exigir que o Itamaraty palpite sobre os rumos de uma eleição em país estrangeiro, mas sim que manifeste o repúdio do Brasil a um chamado à insubordinação ao resultado das urnas que, no limite, terá sérias consequências para o País – a começar por uma nova onda imigratória de venezuelanos violentados pelo regime chavista.
Em segundo lugar, o governo Lula da Silva não tem pudores ou laivos de republicanismo quando quer meter o bedelho em eleições que lhe interessam. Basta lembrar do papel do governo brasileiro durante a última eleição presidencial na vizinha Argentina, quando o Palácio do Planalto se lançou de corpo e alma na campanha do peronista Sergio Massa contra o libertário Javier Milei.
Pesquisas independentes indicam que o oposicionista Edmundo González Urrutia tem quase 60% das intenções de voto, muito à frente de Maduro, com cerca de 25%. Urrutia, como se sabe, foi o único candidato habilitado pelo regime a concorrer contra o ditador, após a Justiça Eleitoral, controlada por Maduro, cassar, uma a uma, todas as candidaturas que representavam uma ameaça real ao poder do caudilho, sobretudo a de María Corina Machado, muito popular na Venezuela.
Diante desse quadro sombrio para o ditador venezuelano, mas promissor para os amantes da democracia, não surpreende que Maduro tenha subido o tom de suas ameaças. Ao contrário do que pensa Celso Amorim, que nada mais é do que o totem do pensamento de Lula da Silva, o discurso de Maduro deve ser levado a sério. Se não pela capacidade já demonstrada pelo ditador de atacar seus próprios concidadãos, por mal esconder seu genuíno receio de perder uma eleição em que prevaleça a vontade popular, não a fraude.