História de Notas & Informações – Jornal Estadão
A manutenção da taxa básica de juros em 10,5% ao ano não surpreendeu o mercado financeiro. Pesquisa realizada pelo Projeções Broadcast dias antes da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) revelou uma rara unanimidade entre os investidores, com nada menos que 65 casas apostando na estabilidade da Selic na reunião desta semana.
Houve, no entanto, certa divergência sobre a mensagem que o Copom tentava repassar após divulgar a decisão. O comunicado enumerou vários indicadores que, em outros tempos, seriam motivo para elevar a taxa básica de juros de imediato, e evidenciou que o BC prefere esperar um pouco mais até sinalizar quais serão seus próximos passos.
O BC reconheceu que a desaceleração da inflação tem arrefecido, enquanto os núcleos continuam acima da meta. Desde a última reunião, as expectativas dos agentes colhidas no Boletim Focus para o IPCA deste ano e de 2025 subiram de 4% e 3,8%, respectivamente, para 4,1% e 4%, ambas acima do centro da meta de 3%.
Incluída no comunicado pela primeira vez, as projeções do BC para a inflação do primeiro trimestre de 2026 estão em 3,4%, no cenário de referência, e em 3,2%, no cenário alternativo. As projeções do BC para 2024 e 2025 também subiram, respectivamente, para 4,2% e 3,6%, no cenário de referência, e para 4,2% e 3,4%, no cenário alternativo.
Em outras palavras, mesmo que a taxa de juros seja mantida em 10,5% até o fim de 2025, a inflação vai superar o centro da meta neste ano, no próximo e no seguinte. E entre os fatores que podem pressionar os preços para cima, além da desancoragem das expectativas por período mais prolongado e da resiliência da inflação de serviços, o BC mencionou, pela primeira vez, “uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada”.
O Copom, que até então trabalhava com um dólar a R$ 5,30, alterou sua projeção para R$ 5,55, uma correção relevante, mas ainda inferior ao que tem sido praticado no mercado. Na quinta-feira, por exemplo, o dólar superou a marca de R$ 5,70, o que não ocorria desde 2 de julho.
O Banco Central também foi mais enfático ao falar sobre a política fiscal. Além de citar que acompanha os impactos da política fiscal do governo nos juros e nos ativos financeiros, como já alerta há alguns meses, o Copom mencionou que a desconfiança dos agentes econômicos sobre o tema tem causado impactos nos preços dos ativos e nas expectativas.
Em contrapartida, o ambiente externo parece bem mais favorável do que nos últimos meses, o que ajuda a explicar a cautela do BC brasileiro neste momento. O Federal Reserve (Fed) manteve os juros no patamar entre 5,25% e 5,50%, mas considerou a possibilidade de que as taxas caiam já na próxima reunião, em setembro. Por lá, a inflação anual caiu a 2,5% em julho, cada vez mais próxima da meta de 2%. “Está chegando a hora, pois outros bancos centrais estão enfrentando a mesma questão”, disse o presidente do Fed, Jerome Powell.
Ainda que dividido, o Banco da Inglaterra (BoE) decidiu reduzir os juros em 0,25 ponto porcentual, para 5% ao ano. Na Europa, analistas da Oxford Economics avaliam que o recuo nas expectativas de inflação abriu espaço para o Banco Central Europeu cortar os juros nas reuniões de setembro e dezembro.
A se confirmar um quadro mais benigno no exterior, a pressão sobre o câmbio deve arrefecer nos próximos meses e facilitar, em parte, o trabalho do Banco Central brasileiro. Restarão os riscos associados a uma política fiscal expansionista, mas, aparentemente, o BC optou por dar um voto de confiança ao governo e deixar os próximos passos em aberto.
A próxima reunião do Copom está marcada para os dias 17 e 18 de setembro. Até lá, o governo já terá enviado a proposta de Orçamento de 2025 ao Congresso. A expectativa é que o Executivo cumpra a promessa de cortar gastos para provar que o compromisso fiscal do governo é crível. Do contrário, as expectativas para a inflação podem se afastar ainda mais da meta. Neste caso, para preservar sua credibilidade, só restará ao BC ser ainda mais duro na condução da política monetária e subir os juros.