História de Notas & Informações – Jornal Estadão
A audiência de conciliação presidida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino sobre o orçamento secreto, mais especificamente sobre o descumprimento da decisão do STF que ordenou o fim do esquema, não foi nada conciliadora. E nem haveria de ser mesmo. Afinal, a apropriação de um robusto quinhão do Orçamento pelo Poder Legislativo sem a devida transparência é uma flagrante e persistente violação da Constituição – e por isso tem de ser cessada, não acomodada da maneira que for entre as partes envolvidas.
Dino foi enfático, para não dizer duro, com os representantes do Congresso, do Tribunal de Contas da União (TCU), da Advocacia-Geral da União (AGU), da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao manifestar sua insatisfação diante da fragilidade das explicações, chamemos assim, que lhe foram dadas sobre os supostos mecanismos de transparência que teriam sido adotados para novos repasses de emendas parlamentares. “Onde estão as informações?”, indagou o ministro. “Não é minha cognição que está em pauta, mas não consegui entender. Imagine o cidadão, que é dono do dinheiro”, concluiu.
Os representantes do Congresso, do TCU, da AGU, da CGU e da PGR presentes na sessão não foram convincentes o bastante para demonstrar que a decisão colegiada do STF, de dezembro de 2022, de fato, estava sendo cumprida e o orçamento secreto havia acabado. Não convenceram nem o ministro, nem este jornal, nem decerto os cidadãos minimamente informados por uma razão elementar: o orçamento secreto não acabou, apenas tem sido moldado à exata medida das necessidades e da avidez de deputados e senadores por recursos públicos fora dos controles institucionais.
Beneficiários e cúmplices do orçamento secreto, verdade seja dita, engambelaram o STF e a sociedade brasileira. Quando daquela decisão da Corte Suprema, às vésperas da posse do presidente Lula da Silva, o STF, a rigor, não determinou o fim da subversão das emendas de relator (RP-9); determinou, por óbvio, o fim do orçamento secreto. Mas, com muita malandragem, abusando da desfaçatez, os congressistas entenderam a decisão, relatada à época pela ministra Rosa Weber, da forma que melhor convinha a seus interesses paroquiais, quando não antirrepublicanos.
As emendas de relator, é verdade, deixaram de ser usadas de forma indevida, voltando a servir apenas para correção pontual do texto da peça orçamentária, de resto a sua finalidade original. Mas outras formas de sequestro de recursos orçamentários ao abrigo do escrutínio público foram engendradas pelos parlamentares já no governo de Lula da Silva, com a anuência, pois, do Palácio do Planalto. Aí estão as subversões das emendas discricionárias (RP-2), destinadas à disposição de recursos por meio dos Ministérios, e das emendas de bancada, sem falar nas famigeradas “emendas Pix”, estas mais opacas do que quaisquer outras.
A bem da verdade, nem as emendas de relator (RP-9) foram extintas, haja vista que Lula da Silva autorizou a transferência de recursos do orçamento secreto subscritos nessa alínea ainda no governo de Jair Bolsonaro como “restos a pagar”. Ou seja, a decisão do STF de 2022, aquela que malandramente foi lida como restrita às RP-9, não vem sendo cumprida nem pelo Congresso nem pelo governo federal. É uma desmoralização total.
Para colocar ordem nessa bagunça, o ministro Flávio Dino, em decisão liminar, fixou uma série de medidas que devem nortear o repasse de recursos públicos por meio de emendas parlamentares a partir de agora. Entre as principais estão a “absoluta vinculação federativa” – ou seja, um parlamentar só pode indicar emendas para o Estado pelo qual foi eleito, “salvo projeto de âmbito nacional” –, a vinculação a políticas públicas determinadas e a auditoria desses repasses pelo TCU e pela CGU.
Como se vê, são medidas elementares. Chega a ser constrangedor que o STF tenha de reforçar seu imperativo numa democracia que se pretende séria. Resta ver se, mesmo sendo simples, essas medidas vão suplantar a enorme criatividade dos cupins da República.