História de Eduardo Doege Mello – DW Brasil

Cada vez mais se discute como a educação é política e, sendo assim, pode ser instrumentalizada. Mas a quem interessa instrumentalizar a educação brasileira na atualidade?

Perspectivas sobre a instrumentalização da educação brasileira

Perspectivas sobre a instrumentalização da educação brasileira© Cecília Bastos/Jornal USP

A natureza da educação é, sem dúvidas, política. Pensar a educação como desatrelada da política é descolar-se da realidade, é impossibilitar qualquer exame sóbrio sobre o ensino. Ao menos no meio acadêmico (e cada vez mais fora dele), a concepção de uma educação neutra entrou em profunda decadência e desuso, por mais que ainda persistam pequenos círculos que defendam este entendimento. Como já colocava Paulo Freire, a meu ver o maior educador da história do Brasil, a política está impressa na forma como se pensa e se constrói a educação, tornando evidente a inevitável parcialidade de todas as dimensões de uma escola ou do próprio ensino.

Mas percebo que, necessariamente, surge desta acepção uma consequência que não deve ter sua importância minimizada, a de que, portanto, a educação pode ser instrumentalizada. Quando falo em instrumentalização, me refiro a operacionalização da educação em favor de certos interesses correspondentes a um determinado grupo. Tendo posto isso, cabe a seguinte pergunta: a quem interessa instrumentalizar a educação brasileira a serviço de projetos como o Novo Ensino Médio?

Em um tenebroso documento de nove páginas publicado no segundo semestre de 2024, o movimento Todos Pela Educação (TPE) faz um balanço sobre a aprovação do Projeto de Lei do Novo Ensino Médio no Congresso Nacional, destacando suas “perspectivas promissoras para o Ensino Médio brasileiro”. Esta organização atuante a quase 20 anos é mantida e composta por empresas e entidades como a Fundação Lemann, Itaú, Bradesco, iFood e Vale. Mas quais os seus interesses para a educação brasileira? Seria tolo pensar que se preocupam com a formação completa da juventude ao passo que, sem pudor algum, sufocam o povo com juros altíssimos, no caso dos bancos; oferecem trabalho altamente precarizado, no caso do iFood; são responsáveis por catástrofes humanitárias e ambientais por negligência, no caso da Vale; sem falar nos demais associados.

Não é a primeira vez que esta entidade entra em evidência no cenário nacional, visto que ganharam notoriedade em 2019 após uma fala esdrúxula de sua presidente executiva, Priscilla Cruz, afirmando que não era necessário gastar mais de R$ 5 mil anualmente por aluno para se garantir a qualidade do ensino.

Instrumentalização da educação

Para se ter noção da influência nociva do TPE, suas propostas de redução de mais de 20% de gastos anuais por aluno foram incorporadas pelo Ministério da Educação sob gestão de Abraham Weintraub – o ministro conhecido pelo “contingenciamento” (sic) de 30% de recursos destinados às universidades federais e por ter alegado que nestes locais haveria plantações ostensivas de maconha e a produção de metanfetaminas. Ademais, segundo relatório publicado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2023, o Brasil, entre outros 42 países, investe menos da metade da média, que é de 10 mil dólares. É uma barbaridade levar em consideração a diminuição de orçamento destinado a manutenção de estudantes quando, na realidade, deveríamos claramente discutir sua ampliação.

É a partir de um discurso delicadamente afável que esses lobos em pele de cordeiro instrumentalizam a educação para servir a seus próprios interesses políticos, ideológicos e econômicos. Falam abstratamente em aumentar os investimentos em favor de uma educação de qualidade enquanto defendem a retirada de mais de R$ 1 bilhão de escolas estaduais e municipais no Nordeste. Desde sempre estiveram em correspondência com o MEC do governo que eles insinuavam ser catastrófico para a educação, o governo Bolsonaro, escancarando que não há diferenças ideológicas, mas apenas fazem questão de fingir neutralidade.

Como dito anteriormente, a educação é instrumental por se tratar de um meio para se atingir a um determinado fim, mas qual fim? Para o TPE e Banco Mundial (que defende projetos privatistas para a educação brasileira), trata-se de sustentar seus interesses e nada mais. Coloco que é necessário reassumir um projeto de educação que não esteja em acordo com os objetivos imediatos do mercado financeiro, e sim alinhado com os interesses nacionais, que assegure a formação completa de cidadãos politicamente atuantes e capazes de incorporar as virtudes das atividades intelectuais e práticas.

Projetos como o Novo Ensino Médio aprofundam a polarização do conhecimento científico e do saber prático, reduzindo a educação a um ambiente fabril e tecnicista voltado a produção de mão de obra. É preciso resgatar Paulo Freire e Anísio Teixeira no lugar de Todos pela Educação, Banco Mundial e companhia.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Eduardo Doege Mello, estudante de Filosofia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

Autor: Eduardo Doege Mello

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