História de PEDRO S. TEIXEIRA – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Elon Musk tem pouco a perder no Brasil, avaliam especialistas ouvidos pela Folha. A Tesla, seu principal negócio, não vende carros aqui e importa lítio de outros países, e o X é irrelevante porque só dá prejuízo. A Starlink, com 7,5% dos seus clientes em território nacional, é única a empresa que mantém relações comerciais expressivas por aqui.

O Brasil, por outro lado, se tornou dependente da conexão via satélite da companhia em áreas críticas como postos de saúde e escolas em locais isolados, as Forças Armadas e o policiamento de fronteiras e de estradas.

Antena da Starlink na vila de Manakeiaway, do povo indígena Marubo, localizada no Acre Victor Moriyama NYT A imagem mostra uma cena rural com uma pessoa caminhando por uma ponte de madeira, enquanto ao fundo se observa uma casa simples e vegetação abundante.

Parte desses contratos foi feita com dispensa de licitação pelo “serviço sem par” da SpaceX, mostram documentos no Portal Nacional de Contratações Públicas Portal Nacional de Contratações Públicas.

Porém mesmo o maior negócio do bilionário tem pouca atividade, de fato, no Brasil. Mantém uma sede em território nacional apenas para fins contábeis e regulatórios, sob responsabilidade legal, desde a terça-feira (3), do escritório Pacaembu Serviços, com sede na rua Líbero Badaró, no centro de São Paulo.

A operação brasileira da empresa negocia seus serviços por meio de sete representantes comerciais autorizados. A companhia está em atividade no Brasil desde janeiro de 2022, após comprar uma licença da Anatel por R$ 102 mil no fim de 2021.

O sócio-fundador da Starlink Brazil, Vitor Urner, outro especialista em abrir representações no país para estrangeiros, pediu para deixar a empresa após o embate judicial envolvendo o X. “Não falo mais pela empresa e não dou entrevistas”, disse Urner à reportagem.

Musk ainda teria recomendado que os funcionários da SpaceX que atuam no Brasil deixassem o país, segundo comunicado interno obtido pelo jornal americano The Wall Street Journal.

Procurada via email e redes sociais, a companhia aeroespacial não respondeu ao pedido de entrevista da Folha de S.Paulo. Os escritórios Demarest Advogados e Veirano Advogados, que defendem a empresa em ações no STF, também não comentaram.

Embora a empresa tenha 224,5 mil clientes no Brasil, cerca de 0,5% do total do mercado de internet banda larga, segundo dados da Anatel, quase um terço deles está na região Norte, que tem um histórico de restrição de conexão. A companhia também tem forte presença no Centro-Oeste, com impulso de clientes no agronegócio.

“A Starlink tem antenas instaladas em 90% dos municípios da Amazônia e esse número só tende a crescer”, diz o professor e pesquisador no Departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia David Nemer.

A empresa tem concorrentes, mas oferece a conexão via satélite mais barata e com menor latência [tempo de atraso entre o comando e a resposta na internet], de acordo com o fundador da empresa de negócios aeroespaciais Airvantis, Lucas Fonseca.

A assinatura residencial da Starlink custa a partir de R$ 184 mensais mais impostos, fora o investimento inicial na compra de uma antena.

Além de 52 concorrentes habilitados pela Anatel –sendo os principais a HughesNet, a Viasat e Telebras, com serviços mais caros–, Fonseca lembra que o Brasil tem o próprio satélite geoestacionário, o SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas), capaz de fornecer internet.

“Foi lançado após a descoberta da espionagem do governo brasileiro pela NSA [Agência de Segurança Nacional dos EUA]”, recorda. Segundo ele, porém, é difícil contratar o serviço, hoje vendido pela ViaSat.

A latência do SGDC, que orbita a quase 36 mil km da Terra, é bem maior do que a da constelação de satélites da Starlink, situados em baixa altitude -de 540 km a 1.325 km. “Mas é viável no dia a dia, e poderia ser usado desde que a pessoa compre uma antena específica”, diz.

A expansão global da Starlink dá a Musk poder político, diz o professor de relações internacionais da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado) Alcides Peron, que é especialista em políticas tecnológicas.

“Musk passa a ser quem determina quais conteúdos podem ser veiculados, uma vez que controla a circulação de dados –isso é viabilizado pelo controle da infraestrutura comunicacional”, diz.

O bilionário assumiu esse papel na esteira da mudança na política aeroespacial americana, que reduziu o papel da Nasa, para priorizar empresários dispostos a atuar no setor.

Hoje, a receita da SpaceX se divide entre contratos com o governo americano e os serviços da Starlink, segundo documentos obtidos pela agência Bloomberg -a expectativa é faturar US$ 15 bilhões (R$ 85 bilhões) em 2024.

Em publicação no X enviada à reportagem, a Starlink afirmou que, diferentemente do que informa a Anatel, teria 250 mil clientes no Brasil -segundo a empresa, seriam 3,3 milhões de assinantes do serviço em 99 países

O número não é vital para a Starlink, mas o Brasil não deixa de ser um local estratégico para a empresa, na avaliação de especialistas.

Uma vez que o X é hoje inviável como negócio, o bilionário não hesita em usá-lo para gerar confusão, mesmo sem ter um ganho político ou econômico claro, de acordo com o professor da Universidade da Virginia.

“Ao apoiar esses políticos mais conservadores do bolsonarismo, o que Musk ganha é um compromisso desses políticos para tentar barrar qualquer tipo de regulação das big techs.”

Por sua vez, o principal negócio do bilionário, a Tesla, nunca esboçou intenção de entrar no mercado brasileiro. O país nunca foi mencionado em documentos da empresa protocolados junto à comissão de valores mobiliários americana, a SEC, ou em balanços da empresa.

A única aproximação da empresa com o Brasil foi um flerte com a possibilidade de comprar a mineradora e processadora de lítio Sigma Lithium. O negócio, porém, nunca avançou.

Hoje, os principais fornecedores do minério da Tesla estão em China e Austrália. A Bolívia, por sua vez, tem, de longe, a maior reserva de lítio, com 23 milhões de toneladas, bem acima da reserva brasileira de 800 mil toneladas, de acordo com relatório da Bloomberg.

RAIO-X DAS EMPRESAS DE MUSK

Tesla

Atua no Brasil: Não

Fundação: julho de 2003

Valor de mercado: US$ 701,45 bi

Receita: US$ 96,77 bi em 2023

Número de funcionários: 140.473

Área de atuação: Carros elétricos e energia solar

Concorrentes: BYD

SpaceX

Atua no Brasil: Sim, por meio do serviço Starlink

Fundação: março de 2002

Valor de mercado: estimado em US$ 180 bilhões

Receita: Não revelada

Número de funcionários: Não revelado

Área de atuação: Setor aeroespacial e internet via satélite

Concorrentes: Amazon

X Corp

Atua no Brasil: Até ser bloqueada pelo STF na última sexta (30)

Fundação: março de 2006, adquirida por Musk em outubro de 2022

Valor de mercado: US$ 11,88 bi

Receita: Não revelada

Número de funcionários: Musk disse que empresa tem cerca de 2.300

Área de atuação: Rede social e publicidade

Concorrentes: Meta, TikTok

Neuralink

Atua no Brasil: não

Fundação: junho de 2016

Valor de mercado: US$ 3,5 bi

Receita: Não revelada

Número de funcionários: Não revelado

Área de atuação: Saúde e neurotecnologia

Concorrentes: Synchron

Boring Company

Atua no Brasil: não

Fundação: dezembro de 2016

Valor de mercado: US$ 5,7 bi

Receita: Não revelada

Número de funcionários: Não revelado

Área de atuação: Transporte e construção de túneis

Concorrentes: Hyperloop

Musk Foundation

Atua no Brasil: não

Fundação mantida por Musk junto ao irmão Kinball Musk, que oferece bolsa para pesquisas nos ramos de energia renovável, exploração espacial, pediatria, educação em ciências e engenharias e desenvolvimento de inteligência artificial.

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By valeon