História de Thomas Milz – DW Brasil

O presidente brasileiro falou bem no salão plenário da ONU. No entanto fica a questão: por que não põe suas ideias em prática no próprio país? Agora as expectativas para a cúpula do G20 são bem modestas.

Da ausência de chefes de Estado e governo ao microfone desligado, viagem de Lula a Nova York teve vários pontos baixos

Da ausência de chefes de Estado e governo ao microfone desligado, viagem de Lula a Nova York teve vários pontos baixos© Shannon Stapleton/REUTERS

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu a Assembleia Geral das Nações Unidas nesta terça-feira (24/09) com apelos incisivos. Como esperado, exigiu mais engajamento dos países industrializados ricos no combate à mudança climática e à fome no mundo. Além disso, instou a uma reforma abrangente da ONU, com a África e a América Latina finalmente representadas no Conselho de Segurança permanente.

Tudo isso já era de se esperar. As reivindicações de Lula são compreensíveis e lógicas, mas são quase lugares-comuns que não se sustentam perante a realidade. Assim, o presidente do Brasil expôs uma série de contradições entre suas exigências e as próprias ações.

Enquanto ele conclama o mundo, sobretudo os países ricos, a finalmente agir contra a mudança climática e a transferir os bilhões necessários a esse fim, o Brasil está pegando fogo por toda parte, sem que Lula tenha, ao que tudo indica, um plano para dar fim à tragédia ecológica no próprio país.

Como ele mesmo admitiu em seu discurso, só em agosto foram devastados no Brasil mais de 5 milhões de hectares de florestas – o que não desperta, necessariamente grande confiança na capacidade de seu governo. E sua crítica à lentidão em abandonar os combustíveis fósseis soa estranha, diante de seus bilionários planos de investimento em petróleo e gás.

Lula criticou também as sanções dos Estados Unidos contra Cuba, e os conflitos, tanto na Ucrânia e no Oriente Médio, como no Sudão e Haiti. E aí cabe perguntar por que o Brasil, que já liderou a missão de paz da ONU no Haiti, não volta a atuar nesse país.

Quanto ao elefante na sala, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, esse o líder petista não mencionou com uma palavra sequer. E, no entanto, todos os presentes bem sabiam que sua excursão diplomática no palco mundial acabou fracassando por causa do ex-motorista de ônibus Maduro.

E quando o brasileiro condena a fome no mundo e as expulsões provocadas pelas guerras e crises, cabe perguntar por que não encontra palavras drásticas contra os ditadores Maduro e Vladimir Putin, que, com suas ações irresponsáveis, agravam ainda mais essas mesmas crises.

Ele acusou ainda a Organização das Nações Unidas de até agora nunca ter sido encabeçada por uma mulher. Sempre cai bem reivindicar chances iguais e representação para as mulheres. Mas aí se pergunta por que elas desempenham um papel tão subordinado no gabinete do próprio Lula, que também preferiu nomear “homens brancos velhos” para o Supremo Tribunal.

Presidência histórica do G20: um mero sonho?

Também em outros aspectos a viagem de Lula a Nova York teve pouco êxito. No domingo ele participou da assim chamada Cúpula do Futuro, em que pronunciou uma versão abreviado do discurso programado para a terça-feira. Apenas poucos chefes de Estado compareceram. O fato de, ainda por cima, ele ter tido seu microfone desligado – possivelmente por ter extrapolado o tempo designado – conferiu um toque ainda mais infeliz ao evento.

Na segunda-feira ele cancelou na última hora sua participação num evento do ex-presidente americano Bill Clinton. Antes, o petista se aborrecera por causa de uma escaramuça com a equipe de segurança de seu homólogo Joe Biden.

Na terça-feira, a desafortunada participação de Lula em Nova York foi coroada com a iniciativa, lançada por ele, contra a extrema direita global. Apesar de convidados, nem Biden, nem o chanceler federal da Alemanha,Olaf Scholz, deram o ar de sua graça. O francês Emmanuel Macron chegou atrasado.

Comentando a iniciativa, o chefe de Estado do Chile, Gabriel Boric, frisou que não se pode julgar as violações dos direitos humanos segundo seu posicionamento político: ” Seja Netanyahu em Israel ou Maduro na Venezuela, Ortega na Nicarágua ou Putin na Rússia. Quer se autodefinam de esquerda ou direita, o que sejam. Nós, progressistas, precisamos ser capazes de defender princípios.” Isso soou como uma bofetada verbal em Lula, que em Nova York se eximira de criticar tanto Maduro quanto o russo Vladimir Putin ou o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega.

Na verdade, a intenção do presidente brasileiro em Nova York era ganhar impulso para a cúpula do G20 de novembro, no Rio de Janeiro. Mas o mundo está ocupado com a eleição presidencial dos EUA, a escalada de violência no Oriente Médio e o conflito na Ucrânia. E – com a catástrofe ambiental em casa e o naufrágio diplomático de sua missão para a Venezuela – no momento Lula está fora de campo. Seu sonho de uma presidência do G20 de importância histórica em 2024 deverá permanecer mesmo só um sonho.

Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente da DW.

Autor: Thomas Milz

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