História de IDIANA TOMAZELLI E ADRIANA FERNANDES – Folha de S. Paulo
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Com a piora no resultado das contas públicas e o aumento na taxa de juros, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já vê a dívida bruta do governo acima de 81% do PIB (Produto Interno Bruto) a partir de 2026, último ano do atual mandato do presidente.
As novas projeções do Tesouro Nacional são maiores que as divulgadas pelo governo em abril, quando houve a mudança nas metas fiscais de 2025 em diante, e colocam o Brasil acima de um patamar de endividamento que a própria equipe econômica dizia estar afastado.
“Se nada for feito, ela poderia chegar [a 80% do PIB], mas esse cenário não vai acontecer”, disse o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, em sua primeira entrevista no cargo.
De lá para cá, o governo regularizou o pagamento de sentenças judiciais represadas pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o que contribuiu para a elevação da dívida, mas também ampliou despesas obrigatórias e pactuou a exclusão de gastos da meta de resultado primário –que, mesmo fora da conta, impactam o endividamento do país.
Nas estatísticas do Banco Central, a única vez em que a dívida bruta ficou acima de 80% do PIB foi durante a pandemia de Covid-19.
O governo enfrenta o ceticismo do mercado e de órgãos de controle por calcar boa parte de suas projeções de receitas em medidas incertas ou de fôlego único, que não terão o mesmo desempenho em anos seguintes (como o resgate de depósitos judiciais). Isso lança desconfiança sobre a capacidade de entregar uma melhora fiscal duradoura.
As projeções atualizadas da dívida pública não foram divulgadas pela equipe econômica na apresentação do Orçamento, realizada em 2 de setembro, embora a trajetória seja monitorada de perto pelos agentes econômicos por ser um dos principais indicadores de solvência do país.
A reportagem extraiu as estimativas das informações complementares à proposta de Orçamento de 2025, um documento com mais de 2.700 páginas enviado ao Congresso Nacional em 18 de setembro.
A nova projeção demonstra uma tendência contínua de crescimento da dívida no atual mandato, saindo de 74,4% do PIB em 2023 para 81,6% em 2026. O indicador ainda sobe para 81,8% do PIB em 2027, até recuar levemente a 81,5% no ano seguinte.
A dívida líquida, que desconta das obrigações do governo os créditos a receber e as reservas internacionais (uma espécie de poupança em dólares), também ficou maior.
Em resposta por escrito, o Tesouro disse que “houve um aumento no nível da DBGG [dívida bruta do governo geral], mas não em sua tendência”, já que a estabilização da dívida deve ser alcançada entre 2027 e 2028.
O órgão atribuiu a revisão dos números “principalmente à mudança no cenário de taxa de juros”, que apontou uma Selic em média 1,2 ponto maior entre 2024 e 2026 do que no cenário adotado como premissa em abril.
Mas a projeção também foi influenciada pelas estimativas fiscais deste ano, segundo o Tesouro. O dado de abril considerava o déficit de R$ 9,3 bilhões apontado em março, enquanto o Orçamento incorporou o déficit de R$ 57,5 bilhões calculado em julho.
Na semana passada, o governo atualizou a projeção novamente e previu um rombo ainda maior, de R$ 68,8 bilhões, o que tende a levar as projeções da dívida para a casa dos 82% do PIB no futuro.
A escalada da dívida para o patamar acima de 80% já foi considerada no passado, em estudos do próprio Tesouro, como insustentável para um país com as características do Brasil. A volta do grau de investimentos pelas agências de classificação de risco, que o Brasil perdeu durante o governo Dilma Rousseff (PT), também fica mais distante.
Especialistas afirmam que não há um número mágico a partir do qual a dívida se torna um problema muito grande, mas avaliam que o cenário se mostra desafiador.
“Quando a dívida é crescente e num nível relativamente alto, como é o nosso caso, é uma fonte de vulnerabilidade. O governo é dependente do mercado financeiro para financiar a dívida pública”, diz o economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
Segundo ele, à medida que a dívida pública aumenta, o governo também precisa ampliar seu esforço de superávit primário para estabilizá-la, cortando despesas ou elevando receitas.
Pires também ressalta que uma parcela considerável da dívida vence no curto prazo, o que gera uma pressão no mercado, eleva as taxas de juros cobradas no refinanciamento e realimenta a própria dinâmica da dívida.
O aumento nas taxas também afeta a estrutura de juros da economia, o que encarece e atrapalha investimentos do setor privado. Segundo ele, as projeções sinalizam uma preocupação para a trajetória econômica do país no futuro.
As novas estimativas do governo podem ser consideradas otimistas, dado que consideram um resultado primário no centro das metas estipuladas para o período 2025-2028. Em 2024, no entanto, o governo tem entregado uma execução perto da margem inferior da regra, que permite um déficit de até R$ 28,8 bilhões (sem contar despesas fora da meta).
Se essa tendência se mantiver, significará um resultado efetivo pior em até 0,25% do PIB ao ano. Em quatro anos, isso daria uma diferença de 1% do PIB a mais na projeção de endividamento.
O economista Cláudio Hamilton, coordenador de Finanças Públicas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), diz que as projeções de dívida são muito sensíveis aos parâmetros econômicos adotados, como crescimento do PIB e taxa de juros, e é normal haver revisões.
Ele afirma, porém, que o principal motor para reduzir o endividamento do país é o superávit primário, que tem sido uma “questão desafiadora” para o governo. “Não quer dizer que não vai aumentar [o superávit], mas o governo tem tido dificuldades em fazer isso”, diz.
Ele ressalta que medidas como a revisão de gastos são bem-vindas, mas não são suficientes para conter as grandes tendências, como o avanço de gastos previdenciários e assistenciais.
“Isso vai colocar uma pressão. É impossível ter superávits crescentes? Não, mas precisa cortar outras despesas, ou aumentar receitas. Mas aumentar receitas passa pelo Congresso. É uma escolha da sociedade”, afirma Hamilton.