História de Thiago Lima – DW Brasil
Virada energética e demanda global por carros elétricos podem impulsionar extração de mineral e produção de baterias no país.
Baterias de carros elétricos podem custar até 30% do veículo: de olho no lucro, Brasil pode considerar ampliar a extração de lítio e, consequentemente, a produção de baterias.© Action Pictures/imago images
A corrida pelo lítio pode estar começando no Brasil. O metal é usado para fabricar baterias, por exemplo de veículos elétricos – que estão entre os expoentes mais conhecidos da transição mundial para geração de energia limpa.
Uma bateria pode custar até 30% do preço de um veículo. De olho no lucro que pode ser alcançado com a produção desses dispositivos, o Brasil pode estar querendo investir mais na extração de lítio.
O país tem a quinta maior reserva do mundo e alardeia um potencial de se tornar responsável por cerca de 25% da produção mundial do minério nos próximos anos. Hoje em dia, o país produz cerca de 2% do total global, de acordo com a consultoria A&M Infra, citada em texto divulgado pelo governo federal.
A contradição entre menos emissões e impactos ambientais
De acordo com o mesmo texto, o Ministério de Minas e Energia (MME) espera injetar R$ 15 bilhões de reais na produção até 2030.
O problema é que extrair minérios e produzir baterias causa impactos ambientais e sociais muito além da redução dos gases de efeito estufa da indústria automobilística. O alerta vem de Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e especialista em conflitos relacionados à atividade mineradora.
Na análise do pesquisador, é preciso ter cuidado com os conceitos que as mineradoras utilizam para pontuar que os projetos são sustentáveis. “Do ponto de vista social, a implantação e operação de projetos minerais tem impactos significativos. Mineração ocorre em áreas isoladas, onde a população é mais vulnerável e possui menor poder político. A chegada de trabalhadores de fora provoca aumento da violência, abuso de álcool e drogas, exploração sexual e outras questões sociais. Além disso, os preços de aluguel e alimentos aumentam, sem o correspondente aumento da renda local”, enumera.
Um exemplo: de acordo com o último relatório publicado pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, o Brasil registrou 932 conflitos oriundos da mineração em 2022, superando os 840 verificados no ano anterior. Mais de 688 mil pessoas foram negativamente impactadas, em 792 localidades brasileiras.
Já a Frente Parlamentar da Mineração Sustentável, criada no Congresso Nacional, vê com bons olhos a exploração mineral voltada para a indústria de carros elétricos. “Nós temos aproximadamente 8% das reservas mundiais conhecidas de lítio, assim como de outros minerais importantes para a fabricação de veículos e baterias”, diz o deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG), presidente do grupo.
Corrida pelo lítio em Minas Gerais
De 2021 para 2023, houve um crescimento de quase 18 vezes nos pedidos ao governo federal para exploração mineral em Minas Gerais, onde estão mais de 80% do estoque brasileiro de lítio — as solicitações pularam de 45 para 851 no período. Os dados são de um estudo da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri repercutido pelo portal de jornalismo ambiental Dialogue Earth.
As reservas estão concentradas na região do Vale do Jequitinhonha.
De acordo com Bruno Milanez, a mineração de lítio não é novidade na região. O mineral já abasteceu o mercado doméstico, com uso para componentes industriais e até mesmo para a indústria bélica.
Na análise de Milanez, a situação de exploração de lítio no Vale do Jequitinhonha exige atenção. “Vemos uma corrida pelo lítio, uma situação semelhante ao ‘velho oeste’, onde todo mundo corre para a região em busca de oportunidades”, descreve. “É curioso ver como o governo federal defende esses projetos, pois historicamente há um vínculo forte com o setor mineral. Governos de diferentes orientações políticas veem a mineração como uma forma de desenvolvimento”, comenta Milanez.
Procurado pela DW, o MME respondeu com uma nota sobre o interesse do governo de ampliar a exploração de lítio. “O Brasil tem reservas de classe mundial para todos esses minerais e tem abundância de energia limpa para extraí-los e processá-los. Ciente disso, o MME trabalha com objetivo de expandir o conhecimento geológico e pesquisa mineral para identificar e extrair eficientemente minerais estratégicos e desenvolver a indústria brasileira de transformação dos minerais estratégicos na cadeia das baterias e de outros produtos essenciais à viabilização da transição para uma economia de baixo carbono”, diz o texto.
Porém, especialistas defendem que a emissão de gases poluentes não deve ser a única baliza dos efeitos ambientais causados pela atuação das mineradoras no país. “É importante considerar que os impactos diretos e indiretos da mineração não estão restritos às emissões de CO2. Como o histórico recente do Brasil, de uma década para cá, tivemos [rompimentos de barragens em] Mariana, Brumadinho e Maceió. Ou seja, três dos maiores desastres da história”, diz Maurício Angelo, fundador do Observatório de Mineração.
Renúncias fiscais, benefícios e planos de longo prazo
Em termos gerais, a mineração é responsável por 4% do PIB brasileiro, de acordo com relatório do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Cerca de 42% do faturamento nacional da mineração no primeiro semestre de 2024 vieram de Minas Gerais. O Pará foi o segundo estado com maior participação no faturamento, com 34%. Ao todo, no Brasil, são 2.700 municípios que possuem atividade mineradora. Mais de 218 mil empregos são gerados diretamente pelo setor.
O balanço semestral do Ibram aponta um faturamento de R$ 129,5 bilhões em 2024, aumento de 8% se comparado com o mesmo período do ano anterior.
Da mesma forma, a mineração tem papel primordial na balança comercial brasileira. No recorte dos primeiros meses deste ano, a mineração representou 41% do saldo brasileiro, considerando exportações contra importações.
Embora descrevam o setor como uma das “salvações do Brasil”, já que o país tem bom desempenho com commodities, economistas como Silvia Mattos, também coordenadora do FGV/Ibre, alertam para a finitude dos recursos e para como é feito o planejamento financeiro de longo prazo.
“A mineração tem royalties para você poder extrair. Retorno diretamente de taxação, com impacto no setor público se beneficiando dessa extração, porque é um recurso finito. Mas você teria que usar bem esses recursos para o futuro. A Noruega guarda parte do dinheiro com extração de não-renováveis para a aposentadoria, já nós gastamos tudo. Estamos extraindo uma coisa que não vai ter para sempre. Quem vai pagar a conta?”, questiona.
“A maldição dos recursos naturais é quando vem um dinheiro mais certo, você acredita que terá aquilo pra sempre, o que não é verdade. Não necessariamente essa dependência econômica é ruim, a Austrália é um ótimo exemplo, pois é um país completamente dependente de exploração de recursos, mas investe muito em inovação para o desenvolvimento econômico do país”, continua Mattos.
A previsão dos investimentos do setor de mineração em projetos é de US$ 64,5 bilhões nos próximos quatro anos (2024-2028). Mas, desse total, apenas 17% serão aplicados em projetos ambientais. O que gera contraste ao considerar que a fatia reservada para projetos de minério de ferro alcançará 26,8% da soma.
Autor: Thiago Lima