História de Notas & Informações – Jornal Estadão
O vaivém constrangedor que desde junho cerca a transferência de controle da Amazonas Energia teria sido evitado se o instrumento legal da licitação tivesse sido acionado para a ineficiente e endividada distribuidora de eletricidade. Em vez disso, o governo Lula da Silva optou pelo método de escolher na base do dedazo o grupo empresarial que deveria assumir o negócio e deu início a uma queda de braço com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que, ao que tudo indica, terminará com todos os consumidores do País assumindo um prejuízo de até R$ 14 bilhões.
A prática de se autoconferir o poder de arbítrio não é novidade no lulopetismo. Mas, desta vez, o déficit bilionário acumulado pela distribuidora do Amazonas, a pouca experiência no setor de eletricidade dos postulantes à concessão, o alto risco aos mais de 60 municípios amazonenses e, acima de tudo, a resistência da Aneel em avalizar um negócio desprovido de exigência técnica mínima dificultaram o cumprimento do plano desenhado pelo governo.
A empresa escolhida pelo governo, a Âmbar Energia, controlada pela J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, esperou até o último minuto de validade da Medida Provisória (MP) 1232, elaborada pelo Ministério de Minas e Energia (MME), para fechar o acordo.
A MP tornou viável a transferência de controle da distribuidora sem o ônus da dívida que ela acumula com usinas termoelétricas da Eletrobras – que, por “mera coincidência”, como disse o ministro Alexandre Silveira, do MME, foram compradas pela Âmbar três dias antes da edição da MP.
Discordando das condições estabelecidas pela Aneel, que exigiam mais aportes de capital para reduzir as dívidas, a Âmbar chegou a anunciar desistência do negócio. No entanto, a empresa recorreu ao Judiciário e obteve uma decisão liminar que obrigou a agência a assinar o contrato nos termos que havia apresentado. Com o caso sub judice, restou ao diretor-geral, Sandoval Feitosa, avalizar a transferência.
O prazo da medida provisória terminou à zero hora de 11 de outubro, e a empresa assinou o acordo de última hora, mas condicionou a manutenção do negócio a uma decisão judicial definitiva que valide sua proposta ou à aprovação de seus termos por todo o colegiado da Aneel até o fim do ano.
Tudo nessa história é muito estranho. A deficitária Amazonas Energia, uma das seis distribuidoras federalizadas expurgadas da Eletrobras antes da privatização da estatal, foi arrematada em leilão em 2018, por simbólicos R$ 50 mil. Mas o consórcio que venceu a disputa, liderado pelo Grupo Oliveira Energia, não conseguiu atingir o equilíbrio operacional e acumulou uma dívida bilionária nos últimos meses.
Ciente do problema, a Aneel chegou a recomendar a caducidade da concessão e a realização de uma licitação para selecionar um novo operador. Foi quando o governo apresentou a alternativa da MP que repassou o custo dos contratos da Amazonas Energia para as contas de luz de todos os consumidores, e, de quebra, beneficiou o grupo dos irmãos Batista, propiciando a eles que adquirissem uma distribuidora saneada e que recebe energia das usinas que eles haviam acabado de adquirir.
O problema desse tipo de escolha do governo – além, é claro, da forma opaca como a transação é feita, em detrimento dos princípios constitucionais de impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência – é que não faltavam candidatos ao papel de beneficiário, e os não contemplados, por óbvio, tendem a reclamar uma forma mais justa de disputar a benesse.
Outros participantes do mercado que disputavam as usinas da Eletrobras ficaram incomodados. É o que se pode depreender de uma carta enviada pelo empresário Carlos Suarez ao Estadão, na qual ele diz que sua empresa, a Termogás, assim como Eneva, Diamante e Global, foram surpreendidas e se sentiram ludibriadas pela MP do governo que facilitou o negócio da Âmbar e deixou clara sua preferência por um determinado grupo.
A “solução” comprova, mais uma vez, que o apreço lulopetista aos apadrinhados que escolhe contrasta com seu descaso às agências reguladoras e, pior, aos consumidores.