História de Renato Essenfelder – Jornal Estadão

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arte: loro verz

»Tenho um amigo monarquista. Isso mesmo: para ele, estaríamos em melhores mãos se reempossássemos, luxuosamente, a família real. Não que a monarquia seja perfeita, ele reconhece, mas insiste que temos mais chance de progredir assim, sob um estável Estado familiar.

A ideia é motivo de piada entre nós, é claro. Parece realmente um absurdo (e é!). Mas ele, muito sério, responde: você acha que o Reino Unido está pior do que nós? E a Bélgica? E a Dinamarca? E a Espanha? Luxemburgo, Países Baixos e Noruega estão piores do que nós? A Suécia é uma desgraça?

Ele tem todos os exemplos na ponta da língua. Não cita Arábia Saudita, Camboja, Lesoto ou Marrocos, mas ainda assim insiste que estaríamos melhores assim, com um rei, talvez um parlamento, e pronto.

Se forem maus e corruptos vai ser uma desgraça não pior do que a que vivemos.

E, se não forem, teremos uma chance.

Acho absurdo, em 2024, falarmos dessas coisas. Mas ultimamente tenho entendido melhor o meu amigo. Não é exatamente um desejo positivo, propositivo, como a bandeira de um novo tempo,hasteada por quem crê. O seu anseio é negativo, é defensivo, é anti.

É o desejo que nasce do desespero.

Nossa democracia está falida, e, ainda que se argumente que sempre esteve, agora suas fraturas estão expostas de tal maneira que: choca. Enquanto meu amigo fala na Coroa, penso em quantos outros falam, à boca miúda ou aos berros, em golpe de Estado, em ditadura? Penso em quantos estão muito dispostos a colocar as nossas vidas nas mãos de celebridades de internet, de empresários gatunos, de gente que ninguém sabe de onde vem.

Qualquer coisa é melhor do que o que está aí, eles gritam, furiosos.

Assistimos a alguns debates eleitorais. Raposas, fascistas e palhaços monopolizam os holofotes. A voz sensata, a voz empática, esforçada, propositiva, é abafada pela histeria. É a falência da política, ouço dizer, mas não creio. A política passa bem, vem de antes de nós e a nós todos sobreviverá, enquanto houver humanidade. A falência é de outra coisa, de uma certa democracia burguesa, plutocrata, contaminada até o tutano pela força da grana, do monopólio, do conchavo, do crime organizado.

Abro a lista de eleitos e quase eleitos, lembro dos anos tristes sob o inominável. Aquilo foi real. O inacreditável estava aí, até ontem — e ronda entre nós. Estamos entre raposas e fascistas.

Quando aparece uma esperança, esmagamo-la, céticos e cínicos. Acreditamos que o cinismo irá nos salvar. Que seja cada um por si, empreendedor de si, abençoado por si e por um pastor que só tem compromisso consigo mesmo. E com nosso dízimo.

Mas o cinismo não irá nos salvar; nem o rei, nem a rainha, nem o tirano, nem a novidade que sempre cheira ao mesmo.

Quem irá nos salvar, se alguém puder nos salvar, seremos nós, unidos, organizados, uníssonos.

Nós, com esperança renovada e fé na nossa própria força.

Nós, com estas nossas mãos que tudo produzem.

Com estes nossos braços que ao mundo sustentam.«

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By valeon