História de Notas & Informações – Jornal Estadão
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, impôs ao governo de São Paulo o uso obrigatório de câmeras corporais por policiais militares (PMs) “envolvidos em operações policiais”. Barroso não se conteve e ainda definiu como, no seu entender, essa política de segurança deve ser executada. Os equipamentos, de acordo com o ministro, devem gravar ininterruptamente o turno dos PMs nas ruas até que o novo modelo licitado pelo governo estadual no ano passado seja testado e tenha “efetividade operacional” comprovada – em particular o modo de acionamento remoto das câmeras, ou seja, sem a intervenção do policial militar em campo.
Para coroar mais essa intromissão do Judiciário em seara do Executivo, Barroso também exigiu, entre outras medidas, que o governo de São Paulo preste ao STF “informações sobre a regulamentação dos processos disciplinares por descumprimento do procedimento operacional do uso de câmeras corporais” e divulgue os “respectivos dados estatísticos”. Ao Supremo não cabe, é evidente, impor quais políticas públicas um governador de Estado – no caso, Tarcísio de Freitas – deve ou não implementar. Menos ainda, deveria ser ocioso dizer, é papel da mais alta instância do Judiciário fiscalizar a eventual execução dessas políticas em nível tão operacional, como quer o sr. Barroso.
Este jornal já se posicionou não poucas vezes nos últimos quatro anos a favor da ampliação do uso das câmeras corporais pela PM paulista, desde bem antes, portanto, de casos escabrosos de violência policial terem vindo a público, como há poucos dias. Trata-se de questão de princípio e de respeito aos fatos, haja vista que há estudos em profusão que evidenciam o impacto positivo da gravação de intervenções policiais em áudio e vídeo para a proteção da vida dos cidadãos em geral e dos próprios policiais militares, em particular. Logo após ter sido implementado pelo então governador João Doria, em 2020, o Programa Olho Vivo reduziu drasticamente o índice de letalidade policial dos batalhões da PM paulista equipados com as bodycams.
Ademais, as gravações fornecem à Justiça e à corregedoria da corporação elementos de prova para a eventual punição dos maus policiais e, na direção oposta, para a valorização dos bons, vale dizer, daqueles que exercem a atividade policial dentro das estritas balizas legais a que estão submetidas as forças policiais de qualquer democracia que se preze.
Portanto, o grave erro cometido pelo ministro Barroso consiste na exorbitância de poder, e não na compreensão de que as câmeras corporais, somadas a medidas como treinamento e investimentos na capacitação física e mental dos policiais militares, são importantes instrumentos à disposição do governo estadual para melhorar continuamente a qualidade de sua política de segurança pública e, no limite, salvar vidas.
Provocado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Barroso mal escondeu a dimensão política de sua decisão ao enumerar, entre suas razões de decidir, o “agravamento do cenário fático em relação à situação de dezembro de 2023? no que concerne à letalidade policial. De fato, não há quem de boa-fé vá brigar com a realidade e negar que a PM de São Paulo é uma das polícias mais letais do País – a quinta, atrás das PMs da Bahia, do Rio de Janeiro, do Pará e de Goiás, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023. Também é verdade que a letalidade policial por 100 mil habitantes dobrou desde quando Tarcísio assumiu o governo de São Paulo. Mas esse é um problema do governador, que, na condição de mandatário, é quem deve prestar contas à sociedade por seus eventuais erros na condução da política de segurança pública – alguns dos quais, a propósito, ele já reconheceu em público. Não é um problema do STF.
Barroso, porém, parece crer que os eleitores paulistas são incapazes de avaliar por si sós o desempenho daqueles que elegem. E, lamentavelmente, ele não está só entre os pares nesse olhar paternalista, que a um só tempo abastarda o Supremo e a democracia representativa.