História de Simone Iglesias, Giovanna Bellotti Azevedo e Leda Alvim – Bloomberg
(Bloomberg) — A cirurgia de emergência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no começo desta semana levou o país a se deparar com uma questão até então secundária, mas que passa rápida e forçadamente ao primeiro plano: o líder de 79 anos está apto para a tarefa de liderar a maior economia da América Latina?
Os médicos de Lula disseram que ele está se recuperando e deve retornar à Brasília no início da semana que vem, ao mesmo tempo que minimizam a gravidade dos procedimentos decorrentes de uma queda acidental no banheiro do Palácio da Alvorada há quase dois meses.
Lula já vinha enfrentando uma série de desafios no seu terceiro mandato, como a aceleração da inflação, o aumento progressivo da taxa básica de juros e as possíveis dificudade ecônomicas e políticas com o retorno de Donald Trump à Casa Branca no começo de 2025.
Os desafios enfrentados pela sua administração se intensificaram durante sua hospitalização, quando o Banco Central elevou a Selic para 12,25%, indicando mais duas altas de mesma magnitude até março.
Isso deixou o país ponderando sobre o seu futuro, enquanto a sua idade e sua saúde, sob escrutínio público, se tornam partes importantes da discussão política e a atenção se volta para a próxima eleição presidencial em menos de dois anos. Aqui estão três possíveis cenários:
Lula busca quarto mandato
Lula está longe de encerrar sua vida pública e tem planos de buscar a reeleição em 2026, de acordo com pessoas próximas ao presidente que pediram anonimato. Nem a idade e nem os problemas de saúde abalaram sua convicção de que está apto a liderar o país, depois que superou problemas que considera maiores do que os atuais, como a extrema pobreza, o câncer e a prisão.
A possibilidade de Lula ser candidato em 2026 fez o dolár avançar na quinta-feira, intensificando um sell-off que está alimentando a inflação. A moeda atingiu máximas históricas depois que o plano fiscal anunciado recentemente pelo governo não conseguiu acalmar os temores sobre os gastos públicos e o tamanho do déficit.
O medo é que Lula concentre ainda mais o poder de decisão, mesmo com as preocupações ainda aumentando: o real pode atingir o patamar entre R$ 6,7-7 se a política fiscal, em vez da política monetária, começar a impactar as expectativas de inflação, alertou a estrategista do Morgan Stanley, Ioana Zamfir, esta semana.
Brazil’s Real Under Pressure As Fiscal Risks Mount© Bloomberg
“Enquanto o governo não tiver o entendimento de que a questão é fiscal, sem dúvida nenhuma a economia vai sentir, seja via inflação ou via desaceleração por conta de juros muito altos e queda de confiança”, disse Solange Srour, chefe de macroeconomia do Brasil na UBS Global Wealth Management.
Lula está considerando uma reforma ministerial nas próximas semanas na esperança de melhorar as relações de seu governo com o Congresso e sua estratégia sofrível de comunicação, de acordo com seis das pessoas a par do assunto.
Talvez não haja muito o que ele possa fazer para reconquistar a confiança de investidores que estão cada vez mais céticos sobre sua abordagem fiscal. E, por enquanto, ele pode não ter muito incentivo para tentar: Lula lidera sob todos os seus potenciais adversários em 2026, de acordo com uma pesquisa da Quaest publicada esta semana. A economia, ao mesmo tempo, continua superando as expectativas, o que significa que os efeitos colaterais dos gastos de Lula podem levá-lo a dobrar a sua aposta.
Mas esta receita agora carrega um risco substancial. A combinação de gastos e a alta do dólar estão elevando os preços, enquanto o aumento das taxas de juros deve impactar o crescimento. Os oponentes de direita já estão se sentindo encorajados pela vitória de Trump e podem aproveitar qualquer declínio na popularidade para reforçar suas esperanças de retornar ao poder em dois anos.
Lula não completa o mandato
Outro cenário, improvável porém imprevisível, é que Lula não complete o mandato por motivos de saúde, e o vice-presidente Geraldo Alckmin assuma o cargo.
O ex governador de São Paulo é um político experiente do espectro centrista do país e é mais provável que ele tome medidas mais agressivas para melhorar a situação fiscal.
Os brasileiros estão habituados com vice-presidentes assumindo o poder: Michel Temer assumiu a presidência após o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e, embora se tenha revelado impopular entre os brasileiros, conquistou os investidores depois de implementar as reformas trabalhistas e fiscais que eles há muito tempo buscavam.
‘Biden 2.0’
Lula já enfrentava um problema iminente antes mesmo de entrar no centro cirúrgico: uma pequena maioria não quer que ele concorra em 2026, quando completará 81 anos, mostrou a pesquisa Quaest.
Isto evoca as eleições nos EUA, quando Joe Biden insistiu em concorrer até que um desempenho ruim no debate contra Trump levou os democratas a forçá-lo a sair.
O Brasil pode estar caminhando para “um cenário Biden 2.0”, no qual Lula não se afasta a menos e até que se torne “um risco eleitoral”, disse Christopher Garman, diretor executivo para as Américas do Eurasia Group.
O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é considerado a escolha mais provável para o substituir nesse cenário, e a pesquisa da Quaest sugere que ele se encontraria numa posição de força.
Pessoas familiarizadas com o pensamento de Lula, no entanto, dizem que ele ainda não está disposto a passar o bastão e não decidiu por Haddad se o fizer. Provavelmente isso não mudará até muito mais perto das eleições, se a história servir de guia. Em 2018, Lula se recusou a decidir quem seria seu herdeiro eleitoral até que ficou claro que ele não seria elegível para concorrer nas eleições daquele ano pela condenação por corrupção.
Haddad é uma das vozes fiscais mais agressivas dentro do PT e recebeu aplausos pelos seus primeiros esforços para fazer um ajuste fiscal. Mas sofreu um golpe com a reacão ao pacote de austeridade e também perdeu cada uma das suas duas últimas eleições: a corrida presidencial de 2018 e a disputa ao governo de São Paulo em 2022.
“Haddad tem sido a voz da razão”, disse Greg Lesko, diretor administrativo da Deltec Asset Management LLC em Nova York. “Mas acho que o mercado não quer mais saber do Partido dos Trabalhadores.”