História de Fernanda Trisotto, Gabriel Hirabahasi, Sofia Aguiar e Caio Spechoto – Jornal Estadão
BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta quinta-feira, 16, com vetos, a primeira lei que regulamenta a reforma tributária dos impostos sobre o consumo, aprovada pelo Congresso em dezembro.
O texto, sancionado em cerimônia no Palácio do Planalto, traz as principais regras de funcionamento do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que será dual: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o IVA federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o IVA de Estados e municípios. Eles vão substituir cinco tributos que hoje incidem sobre o consumo e estão embutidos nos preços dos produtos: IPI, PIS/Cofins, ICMS e ISS.
O secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, afirmou que, nos próximos dias, o governo irá divulgar a futura alíquota padrão do novo IVA – que, segundo ele, deve ficar em torno de 28%. Se confirmada, deve ser maior alíquota de IVA do mundo, de acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O ranking global de 2022, último dado disponível, é liderado pela Hungria, que tem uma taxação de 27%.
“A projeção dos dados que temos hoje apontam para alíquota de 28%; não quer dizer que será essa”, disse, Appy em entrevista coletiva sobre os vetos à regulamentação da reforma tributária. Questionado sobre o teto da alíquota para o IVA estabelecido pelo Congresso, de 26,5%, Appy disse que essa questão só terá de ser revista em 2031.
Lula sanciona com vetos primeira lei que regulamenta reforma tributária. Foto: Wilton Junior/WILTON JUNIOR/Estadão
A lei sancionada lista os itens que vão compor a cesta básica nacional, que terá alíquota zero; os alvos do Imposto seletivo, chamado de “imposto do pecado – que vai incidir sobre itens considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente –; as regras do cashback – devolução de parte do imposto à baixa renda – e os produtos e serviços que contarão com alíquota reduzida, entre outros.
Governo mantém benefício a refinaria no Amazonas
O governo Lula manteve o benefício à Refinaria da Amazônia (Ream), da distribuidora de combustíveis Atem – um dos pontos de maior entrave na aprovação pelo Congresso. Appy afirmou que a decisão de não vetar o dispositivo foi para evitar que o benefício ficasse mais amplo – ou seja, que mais empresas acessassem o benefício da Zona Franca, como mostrou o Estadão. De acordo com ele, a decisão foi técnica.
Na fase final da regulamentação da reforma tributária, durante a tramitação no Senado, o relator Eduardo Braga (MDB), que é do Amazonas, inseriu o setor de refino entre os atendidos pelos incentivos tributários da Zona Franca de Manaus, beneficiando uma única empresa da região Norte.
Como mostrou o Estadão, a forma como o benefício foi redigido criou uma armadilha para Lula, uma vez que, como não é possível vetar apenas um trecho de um artigo, o entendimento do Ministério da Fazenda foi de que o veto poderia alargar a brecha para mais incentivos tributários.
Segundo Cesar Carrijo Capi, a escolha do governo pela manutenção foi para reduzir a insegurança jurídica. “O veto poderia ter o efeito contrário, de ampliar as exceções”, disse.
Ele afirma que o trecho específico sobre a refinaria, inserido após uma vírgula, está em análise e a Advocacia-Geral da União poderá levar a discussão de constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas ainda não há decisão tomada.
O que foi vetado
Appy afirmou que os vetos do presidente Lula ao projeto de regulamentação do novo sistema de impostos mantêm a essência do que foi aprovado pelo Congresso Nacional.
“Quinze blocos de vetos em um projeto de 544 artigos é muito pouco”, disse ele em coletiva a jornalistas após a cerimônia de sanção. Segundo Appy, a opção do Executivo foi respeitar as decisões do Legislativo.
Lula vetou um benefício adicional dado a empresas situadas na Zona Franca. O texto original da Fazenda oferecia um crédito presumido de 6% a setores que tiveram o IPI reduzido a zero por decisão do governo. Como elas perderam a vantagem comparativa a empresas de outras regiões – que se dá em cima do IPI – o crédito presumido foi oferecido como uma espécie de contrapartida.
O texto aprovado no Congresso estendeu esse crédito presumido a setores que hoje já têm IPI zero, ou seja, nã o dependem do IPI para ter vantagem sobre concorrentes. A Fazenda entendeu que conceder o benefício a esses setores seria extrapolar os benefícios existentes hoje na região – e, por isso, recomendou o veto a Lula.
O presidente também vetou um trecho que proibia a cobrança do Imposto Seletivo sobre exportações de bens minerais, além de outro que isentava fundos de investimentos dos novos IBS e CBS.
Próximos passos
O governo ainda precisa aprovar o segundo projeto de regulamentação da reforma tributária, que trata do Comitê Gestor do IBS, o IVA de Estados e municípios. O projeto foi aprovado pela Câmara e agora está no Senado Federal. Nesta quinta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que “o Senado está pronto para votar a outra regulamentação da tributária”.
Além disso, o governo ainda irá enviar outros projetos ao Congresso, como o que define as alíquotas do “imposto do pecado”. Appy disse que o envio deste projeto “deve ocorrer nos próximos meses, mas não tem prazo ainda”.
Questionado sobre o prazo para instalação do Comitê Gestor, Appy disse que é de quatro meses, mas que dependerá da eleição dos representantes dos municípios para compor o órgão.
”Como é um ponto crítico, a opção feita no Congresso, com nosso apoio, foi prever desde já a criação (do Comitê Gestor), temporariamente, em 2025, para que pudesse funcionar na operacionalização”, disse, ressaltando que as regras ainda virão no segundo projeto de regulamentação da tributária.
Sanção
Na cerimônia, o presidente Lula disse que “um milagre aconteceu” no Brasil para permitir a aprovação da reforma tributária neste seu mandato.
“Agora, quando fui eleito (no terceiro mandato), ouvia que era impossível governar este País, no momento em que o Congresso tinha roubado o Orçamento do presidente e que a direita tinha eleito mais gente que a esquerda. Muita gente dizia que seria impossível governar e aprovar a reforma tributária, porque o governo era muito minoritário”, afirmou na cerimônia, elogiando que o regime democrático permitiu o diálogo e debate sobre a proposta para que ela fosse aprovada depois de décadas.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a reforma tributária trará avanços extraordinários ao Brasil e será o maior legado do governo Lula. Em sua avaliação, não era possível avançar na economia com o atual sistema de impostos no País.
“Não vai ser perceptível a mudança amanhã ou depois de amanhã. Mas eu tenho certeza que esse é o maior legado da economia que o senhor (Lula) vai entregar para a população brasileira”, declarou Haddad. O ministro da Fazenda também afirmou ser uma hora servir o governo e que a trabalha com uma equipe “incrível”. “A partir de 2027 (quando começa a transição da reforma), o Brasil começa a mudar”, comentou.
O secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, afirmou que a proposta só foi bem-sucedida por ter sido um “trabalho conjunto da sociedade civil, governo e parlamento”.
“O processo (de aprovação) da reforma tributária só foi bem-sucedido porque resultou do trabalho conjunto da sociedade civil, governo e Parlamento. Esse é o motivo pelo qual hoje estamos aqui conseguindo comemorar a sanção do projeto de lei complementar que regulamenta a reforma”, disse o secretário, durante cerimônia de sanção do projeto de regulamentação da proposta.
Appy disse ser um “dia histórico” para a reforma tributária e que não se trata de “um projeto pequeno, mas de uma revolução no sistema tributário brasileiro”. Segundo ele, a proposta “avançou porque o Parlamento encampou ideia da reforma tributária”.
O secretário agradeceu a Haddad que, segundo ele, tornou a reforma “uma das prioridades do governo na agenda econômica”. Também fez elogios ao Congresso, em nome do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presente na reunião, e no do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que não estava no Planalto para o evento. Também agradeceu aos deputados e senadores envolvidos na discussão do projeto nas duas Casas do Congresso.
Para Appy, apresentar a reforma a participação de Estados e municípios “não faria sentido”. Disse, ainda, que “o efeito da reforma tributária sobre crescimento do País é extremamente relevante”.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi “decisiva” para a aprovação da reforma tributária e de sua regulamentação.
“A eleição do presidente Lula, sua posse e sua priorização da reforma tributária foi decisiva para que hoje estivéssemos a exaurir essa grande jornada de décadas”, disse o senador.
Representando o Congresso, Pacheco disse que a reforma foi possível “pela compreensão recíproca de Câmara e Senado” e porque “a sociedade compreendeu que o sistema atual não poderia mais vingar”.
O senador, que está de saída da presidência do Senado, disse se orgulhar de ter sido seu “último ato (no cargo) nesta longa jornada da reforma tributária entregar à sanção do presidente Lula”./Colaborou Mariana Carneiro