História de Maria Clara Matos – CNN Brasil
Parlamentares querem derrubar veto de Lula à pensão vitalícia do Zika Vírus
Parlamentares articulam derrubar o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao projeto de lei que criaria uma pensão vitalícia às crianças vítimas do Zika Vírus. A medida foi vetada integralmente pelo presidente em janeiro de 2025 e, no lugar, o Palácio do Planalto editou uma medida provisória que concede uma indenização de R$ 60 mil, o que exclui o benefício financeiro contínuo. No Congresso, integrantes da oposição — e, de forma discreta, representantes de congressistas da base governista — não concordam com a decisão do presidente. Apesar de existir uma preocupação em torno das contas públicas, o entendimento de membros da equipe técnica de deputados da base do governo é de que o projeto não teria um grande impacto orçamentário, além de que poderia contribuir para a economia com os gastos constantes. Segundo apurou a reportagem, a sessão conjunta para análise dos vetos estava prevista para acontecer inicialmente na terceira semana de fevereiro, mas, com o atraso na instalação das comissões do Senado, a data deve ser adiada. O projeto original previa o direito a uma indenização de R$ 50 mil e a concessão de pensão especial à pessoa com deficiência permanente decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus ou de Síndrome de Guillain-Barré causada pelo Zika. De acordo com boletim epidemiológico do Ministério da Saúde divulgado em março de 2024, entre 2015 e 2023, foram notificados à pasta 22.251 casos suspeitos de infecção pelo vírus, dos quais 3.742 foram confirmados para alguma infecção congênita — quando a transmissão acontece da mãe para o feto durante a gestação. O apoio financeiro assinado pelo presidente vale para as crianças afetadas que nasceram entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2024. A assistência é uma parcela única de R$ 60 mil, que será paga exclusivamente em 2025. A concessão do apoio financeiro, contudo, “fica sujeita à disponibilidade orçamentária e financeira”, diz o parágrafo único da MP publicada pelo governo. Para o relator do projeto na Câmara no ano passado, o deputado federal Dr. Zacharias Calil (União-GO), o Estado brasileiro tem responsabilidade direta pelas consequências da epidemia de Zika que aconteceu entre 2015 e 2016. “O surto de Zika Vírus entre 2015 e 2016 foi uma falha do poder público, que não conseguiu conter a proliferação do mosquito Aedes aegypti”, afirma Calil à CNN. O deputado, que também coordena a Frente Parlamentar Mista da Primeira Infância e da Frente Parlamentar da Saúde, disse que vai “rebater, ponto a ponto, os argumentos utilizados pelo governo federal para justificar esse veto”. “Além disso, a MP não tem garantia de continuidade”, pontua o deputado. “Como se trata de uma medida provisória, ela pode ser derrubada ou simplesmente não ser convertida em lei, deixando as famílias ainda mais desamparadas.” ONG recorre à oposição Presidente nacional da Unizika, organização dedicada à luta por políticas públicas para as famílias afetadas pela Síndrome Congênita do vírus, Luciana Arrais relatou em conversa à CNN que se esperava um veto parcial do presidente — e que não extinguisse a pensão. “O trabalho que estamos fazendo é ir direto na direita, porque sabemos que eles vão nos ajudar a derrubar o veto”, afirma Luciana. Ela cita partidos como PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro e maior bancada na Câmara, Republicanos e União Brasil entre as siglas que podem articular a derrubada do veto. Em conversa com a CNN, o deputado federal Capitão Alberto Neto (PL-AM) conta que se encontrou na última semana com representantes da Associação Mais Fé, Romilda Marques, que atende crianças com microcefalia congênita. De acordo com ele, o PL, que conta com a maior bancada na Câmara, deve se organizar para garantir a derrubada. “O PL vai votar em peso contra o veto. Estamos nos articulando. Vamos criar uma campanha nacional em favor da criança com microcefalia”, disse Neto. Uma das críticas de Arrais ao atual modelo de pensão aos afetados pelo vírus é a necessidade de se encaixar nos parâmetros do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para ter acesso ao auxílio. Segundo a presidente, que também é mãe de uma criança com microcefalia decorrente do vírus, a indenização única de R$ 60 mil não é suficiente por causa das sequelas que as vítimas apresentam ao longo da vida, como puberdade precoce, escoliose severa e luxação de quadril, além de problemas auditivos e oftalmológicos. De acordo com Arrais, há o apoio de, pelo menos, mesmo que por manifestação pública, 264 deputados. O número mínimo de deputados para derrubar o veto presidencial é de 257. No Senado, o número é menor: apenas 37 dos 81 demonstraram, até o momento, interesse na derrubada, declara Luciana. São necessários 41 senadores favoráveis à derrubada. De acordo com a presidente da ONG, a “movimentação pesada” com senadores ainda não começou de fato. Contudo, fontes do Senado ouvidas pela CNN acreditam que o veto deve “cair com certa facilidade” na Casa pela quantidade maior de parlamentares de oposição, além de ser um “tema caro” para a direita. A avaliação é de que o governo deve brigar pela manutenção de outros vetos, dado que este não tem impacto orçamentário tão significativo, de acordo com uma fonte que pediu anonimato e citou o número de 55 vetos presidenciais à espera de análise pelo Congresso. Já na Câmara, outro relato afirma que deputados do PT ainda não receberam orientação da bancada em relação ao tema. Nas redes sociais, políticos de oposição, como a senadora e ex-ministra Damares Alves (Republicanos-DF) e o senador Eduardo Girão (Novo-CE), manifestaram apoio à derrubada do veto no Congresso. Autora do projeto articula derrubada De autoria da senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), a proposta foi enviada quando a parlamentar ainda ocupava o cargo de deputada, em 2015, e passou cerca de dez anos em tramitação até ser aprovada pela Câmara em dezembro de 2024. Gabrilli pretende apresentar uma emenda ao veto da proposta de sua autoria. Segundo ela, foram enviados ofícios ao governo sobre a demanda orçamentária da proposta, os quais teriam sido ignorados pelo Poder Executivo. “A derrubada desse veto será minha primeira e mais urgente batalha no Senado a partir deste sábado”, afirmou Gabrilli à CNN. “A bancada feminina já foi acionada por mim e muitas senadoras acompanharam essa luta de perto.” “Queremos devolver a pensão vitalícia às crianças com a síndrome do vírus nos termos do PL vetado”, afirma a senadora. “É o que as mães querem e as crianças necessitam. Vamos lutar tanto para derrubar o veto quanto para aprovar em plenário a inclusão da pensão na MP nos moldes em que o Congresso já tinha aprovado”, completa Gabrilli, à frente da Subcomissão Permanente de Direitos das Pessoas com Doenças Raras em 2024. O que diz o governo Procurada pela CNN, a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) informou em nota que “o veto baseia-se na necessidade de observância às normas de responsabilidade fiscal e orçamentária, considerando que a proposição legislativa cria despesas obrigatórias de caráter continuado e benefícios tributários sem apresentar a devida estimativa de impacto financeiro ou a indicação de fonte de custeio”. “Trata-se de um projeto que tem um caráter indenizatório, não é um benefício de segurança social. E por esse motivo, não se aplica à exigência de uma medida de custeio ou a medida compensatória”, afirmou um membro da equipe técnica de Gabrilli. Um estudo de impacto orçamentário, contudo, foi feito durante a tramitação do projeto e aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado em agosto de 2024, informou ainda a equipe da senadora. Ela apresentou a Emenda n°10 à Medida Provisória, que será analisada durante a tramitação da MP, que tem duração máxima de 120 dias. A CNN teve acesso à nota técnica de impacto orçamentário e financeiro, enviada em 29 de maio do ano passado e analisada pela CAE. Segundo o documento, o Anuário Estatístico da Previdência Social de 2022 e a Grade de Parâmetros da Secretaria de Política Econômica, além do Registro de Eventos em Saúde Pública para Microcefalia, foram usados como fontes do estudo. A nota afirma que os “recursos compensatórios devem ser permanentes, obtidos por meio do aumento de receita (elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição) ou por redução de despesa continuada”. O custo total anual do projeto de lei aos cofres públicos seria de R$ 286.459.917 em 2024, R$ 211.584.319 em 2025 e R$ 227.131.834 em 2026. Os cálculos incluem a indenização de R$ 50 mil, o Custo da pensão calculada sobre o maior salário de benefício do INSS e o aumento da Licença Maternidade em 60 dias, a última também proposta por Gabrilli no projeto. “Vale destacar que a indenização prevista no art. 1º do PL deve ser considerada como Despesa Obrigatória de Caráter Continuado, tendo em vista que, apesar de ser paga ao beneficiário em parcela única, gera ao erário custo ao longo de vários anos, uma vez que continuam ocorrendo nascimentos de crianças afetadas pelo vírus Zika, embora em menor número de que anos anteriores”, constata o documento. De acordo com a senadora, o impacto financeiro foi analisado com profundidade ao longo dos dez anos de tramitação do projeto, e contou inclusive com a participação de membros do governo. “O próprio governo participou das negociações e sugeriu emendas, que foram integralmente acolhidas”, diz a senadora. “O Senado enviou ofícios para informar ao Ministério da Fazenda e ao Ministério da Previdência sobre a demanda orçamentária do projeto. O governo simplesmente ignorou os contatos realizados”, complementa. Mara Gabrilli também cita que o projeto foi aprovado por unanimidade na CAE. Responsável pelo projeto, o então senador Rodrigo Cunha (Pode-AL), hoje vice-prefeito de Maceió, votou pela aprovação. Segundo ele, foi apresentada a “estimativa de impacto requerida” da compatibilidade e adequação orçamentária e financeira.