História de Notas & Informações – Jornal Estadão
A obsessão do presidente Lula da Silva de encabrestar a opinião pública não é novidade. Há muito o eufemismo “democratização dos meios de comunicação” figura nos estatutos e programas do PT. Em relação às mídias tradicionais, Lula sabe muito bem o que quer. A sociedade também, e sempre frustrou suas manobras para amordaçar a imprensa. A novidade em relação às mídias digitais é que Lula, aparentemente, não tem a menor ideia do que são, nem dos direitos e deveres das redes e usuários consagrados na Constituição e nas leis, nem dos meios legítimos para reformulá-las.
“Nós precisamos regular essa chamada imprensa digital”, disse Lula recentemente a duas rádios baianas. A Secretaria de Comunicação do Planalto retificou o ato falho: o presidente supostamente se referia às “plataformas digitais”. Mas o sonho autoritário de uma imprensa servil e adulatória é indisfarçável.
“Numa imprensa escrita, numa televisão normal, o cidadão falou uma bobagem, ele é punido. Tem lei para isso. E no digital não tem”, explicou o presidente. Felizmente, a legislação penal não pune “bobagens”. Mas pune crimes como difamação ou fraude, e seus autores são responsáveis seja lá qual meio de comunicação utilizem. Como as redes digitais não são editoras ou produtoras de conteúdo, mas só veículos, o legislador estabeleceu no Marco Civil da Internet que elas só se tornam corresponsáveis se continuarem divulgando o conteúdo criminoso após uma ordem judicial de remoção, exceção feita a cenas de nudez ou sexo não autorizadas.
Pode-se discutir se essa exceção deve ser estendida a outros crimes flagrantes. Lula, porém, quer muito mais. “A liberdade de expressão não é as pessoas utilizarem esses meios de comunicação para canalhice, para fazer provocação, para mentir”, declarou o petista. Mas a garantia constitucional da liberdade de expressão visa exatamente a impedir que os poderosos punam cidadãos comuns por seja lá o que entendam por “canalhice”. Mesmo a mentira, em si, não é crime, exceto se empregada como meio para ilicitudes.
“O que não pode é a gente achar (…) que um empresário pode ficar falando mal de todo mundo a toda hora, se metendo nas eleições de cada país”, disse Lula, aludindo ao dono do X, Elon Musk. Ao contrário do que Lula diz, há uma lei para as redes digitais. O Marco Civil exige delas neutralidade, e se há prova de favorecimento de algum grupo político ou interferência em eleições, elas podem ser punidas. Fora isso, Musk e outros donos de plataformas digitais são indivíduos como outros quaisquer, e podem falar mal de quem bem entenderem e emitirem as opiniões que quiserem sobre a política de seja lá qual país.
Ninguém se dirá surpreso com as taras autoritárias de Lula, e, felizmente, também ele tem direito às suas canalhices, bobagens, provocações e mentiras. Mas é alarmante um presidente da República intimidar o Legislativo e incentivar o Judiciário a violentar a Constituição. O Congresso “vai ter de colocar isso para regular”, bradou Lula. “Se não for o caso, a Suprema Corte vai ter de regular, porque é preciso moralizar”. O que o Congresso tem ou não de fazer é uma decisão do Congresso. A Suprema Corte não tem legitimidade para regular nada, muito menos para “moralizar” quem quer que seja. Se o fizer, violará duplamente a Constituição, na forma do procedimento e no conteúdo da decisão.
Das duas uma: ou Lula não tem a menor ideia do que são as redes digitais, das garantias constitucionais à liberdade de expressão e de como funciona a divisão de Poderes num Estado Democrático de Direito, ou sabe muito bem tudo isso e joga areia nos olhos da população enquanto seus consorciados no Judiciário fazem o trabalho sujo de tecer a mordaça. Ambas as hipóteses são aterradoras e mostram a urgência de um Congresso alerta, a um tempo cauteloso e assertivo. Ante tamanha manifestação de ignorância ou malícia do presidente da República, os parlamentares precisam redobrar a prudência na regulação das redes e ao mesmo tempo deixar claras suas competências, conferidas pelo povo.