História de Notas & Informações – Jornal Estadão

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mapeou, pela primeira vez, o impacto econômico do crime no País. O estudo Rastreamento de Produtos e Enfrentamento ao Crime Organizado no Brasil apresenta um impressionante diagnóstico da ramificação da bandidagem em mercados formais e traz também uma série de recomendações.

Os valores estimados pelo relatório impressionam, e quatro setores chamam mais a atenção. Com base em dados coletados pelos pesquisadores a partir de 2022, chegou-se à estimativa de que o crime organizado movimenta R$ 146,8 bilhões por ano com combustíveis, bebidas alcoólicas, ouro e cigarro.

Mas há ainda mais 18 setores em que as facções se ramificaram, como transportes, imobiliário, pesca, e roubo de celulares e golpes virtuais. Aliás, este último tem receita de R$ 186 bilhões por ano.

O foco dos pesquisadores, porém, foram os maiores mercados lícitos contaminados pelo crime organizado. Isso não significa que o tráfico de drogas tenha perdido relevância, mas tão somente que nos setores formais a bandidagem encontrou novas frentes de atuação e vastas fontes de receita.

A cocaína não é nada desprezível para o crime, haja vista que por ano esse entorpecente movimenta R$ 15 bilhões. Como explicou o presidente do FBSP, Renato Sérgio de Lima, ao Estadão, a infiltração nos mercados lícitos, usados inicialmente para a lavagem de dinheiro do tráfico, gerou “receita tão grande que a droga deixou de ser o negócio mais rentável, ainda que não tenha deixado de ser o principal”.

E prova disso é que facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) não abrem mão de exportar cocaína por portos de norte a sul do País, com destino a mercados bilionários, como o europeu. Mas enquanto o tráfico de drogas dá suporte às facções criminosas em sua expansão desenfreada por territórios, onde impõem “leis” e amedrontam a população, o contágio de setores formais propicia influência econômica e política aos criminosos, que não à toa tentam influenciar eleições.

Há muita audácia, sofisticação e versatilidade do crime. Da perspectiva econômica, a presença no mercado de combustíveis e lubrificantes, por exemplo, já se dá de ponta a ponta da cadeia, passando por refino, distribuição e comercialização dos produtos, além de adulteração. Na venda de cigarros, há efeitos na saúde, além de farta sonegação. Já no mercado do ouro, são inegáveis os impactos ambientais em razão dos garimpos ilegais na Amazônia.

Tanta influência do crime organizado em tantos setores econômicos acarreta prejuízos gigantescos e variados ao País. Além da retroalimentação do financiamento dos negócios do crime organizado, há perdas bilionárias de arrecadação de governos municipais, estaduais e federal em razão de fraudes tributárias e evasão fiscal.

Ademais, segundo Renato Sérgio de Lima, presidente do FBSP, o avanço desses negócios ilícitos pode levar o Brasil a uma espécie de “mexicanização”. Isso porque, no México, o crime organizado já é o maior empregador do país. De acordo com ele, embora o Brasil ainda esteja longe dessa degeneração, o risco é real, uma vez que, “em algumas regiões, como a Amazônia, isso já acontece”.

Para que esse processo seja revertido, exige-se uma resposta do poder público à altura do problema. E os pesquisadores do fórum, além de o diagnosticarem, apontam remédios. Entre eles estão governança integrada e interinstitucional que reúna segurança pública, sistema de Justiça, meio ambiente, Receita Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), com coordenação e inteligência entre os níveis federal, estadual e municipal para a adoção de ações eficazes; cooperação internacional por meio de acordos multilaterais e bilaterais para troca de informações e realização de operações conjuntas; e atualizações legislativas que garantam o rastreamento de produtos, com uso de novas tecnologias.

Às autoridades brasileiras resta pouco tempo para agir diante de um dos maiores desafios da atualidade. Mas há saídas.

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By valeon