História de Notas & Informações – Jornal Estadão

A cúpula do Congresso Nacional parece ter dobrado a aposta no esforço para preservar o enorme poder adquirido no manejo do Orçamento da União. Desta vez a orquestra congressista foi tocada para além da defesa pública que os novos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), já fizeram sobre as “prerrogativas parlamentares” – quando, em suas respectivas posses e na abertura dos trabalhos legislativos, deixaram evidente que o corporativismo regerá seus mandatos. Nos últimos dias, ouviu-se uma fala uníssona de diferentes parlamentares em defesa de verbas do chamado orçamento secreto e de outras emendas que não foram pagas e são objeto de questionamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Parlamentares apresentaram diversos projetos de lei com um só objetivo, isto é, destravar recursos paralisados, que podem chegar a R$ 30 bilhões. O discurso dos porta-vozes da campanha, em defesa dos projetos, foi rigorosamente o mesmo: é preciso liberar os recursos para retomar obras paralisadas e, assim, evitar maiores prejuízos à população.

Tal argumento seria irreprochável, não fossem as artimanhas da operação. Na defesa se misturam recursos represados do Orçamento, dinheiro de emendas individuais e cifras significativas do orçamento secreto. Conforme reportagem do Estadão, a marotagem inclui um projeto apresentado pelo líder do governo, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), que ressuscita recursos desde 2019, incluindo R$ 2 bilhões do orçamento secreto, permitindo que a verba em questão seja usada até o fim de 2026. Esses recursos foram inscritos nos “restos a pagar”, mecanismo usado quando o governo não faz o pagamento no ano previsto e o transfere para o ano seguinte. Foi o que ocorreu com uma série de verbas do orçamento secreto, ou porque as obras não andaram ou porque houve denúncia de irregularidades. O senador justificou o projeto lembrando que há um “cemitério de obras” paradas pelo Brasil “porque no tempo do exercício orçamentário respectivo não foram liberados os recursos necessários para pagamento”.

Eis um exemplo clássico da devida separação entre o joio e o trigo – um clichê elementar que se presta a evitar oportunismos de parlamentares. Trata-se de uma separação de ordem dupla. Primeiro: distinguir o que são recursos legítimos destinados por congressistas a suas respectivas bases e o que são verbas maculadas pelos problemas diagnosticados pelo ministro Flávio Dino, do STF. Entre esses problemas se inclui o descumprimento de exigências previstas pela Constituição, como a rastreabilidade e a transparência das emendas parlamentares. Segundo: diferenciar o que seja destravar recursos que a população espera e o que é um mero artifício para anistiar o orçamento secreto. É uma premissa essencial para definir quanto desse dinheiro será pago e como funcionará o processo daqui para a frente.

Enquanto isso, Congresso e STF travam debates. Parlamentares tentam convencer a Corte a afrouxar as determinações que exigiram transparência sobre os recursos de anos anteriores, prometendo cumprir as exigências daqui para a frente. Ao País restará resignadamente esquecer o passado. Não é hora de esquecer, contudo. Ao contrário. Revelado pelo Estadão, o orçamento secreto, como hoje se sabe, bancou a compra de tratores superfaturados, asfalto com sobrepreço e desvios na área de saúde, além de se somar a um movimento maior de emendas parlamentares que tiraram recursos de áreas essenciais do governo e descumpriram regras fiscais. As hostes clientelistas ganharam enorme oportunidade também com as chamadas “emendas Pix”, uma espécie de cheque em branco por serem repassadas diretamente pelos parlamentares a suas bases eleitorais de forma arbitrária e opaca.

Tais sombras não podem ser iluminadas sob o argumento da virtude, como se um erro pudesse ser corrigido pelo simples desejo de acabar com um suposto “cemitério de obras”. A população perde duplamente: pelo possível mau uso do dinheiro público e pelas obras represadas.

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By valeon