História de JULIA CHAIB – Folha ded S. Paulo

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O Departamento de Estado dos Estados Unidos, equivalente ao Ministério das Relações Exteriores, publicou nesta quarta-feira (26) mensagem com referência implícita ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e disse que punir empresas americanas por se recusarem a praticar censura vai contra os valores democráticos.

O governo Lula (PT) reagiu por meio do Itamaraty, disse que a gestão do presidente Donald Trump “distorceu” as ordens do tribunal e lamentou o que chamou de “tentativa de politizar decisões judiciais”.

A declaração do governo americano se refere à determinação de Moraes de suspender a plataforma Rumble no Brasil, sob o argumento de que a empresa descumpre decisões judiciais.

“O respeito pela soberania é uma via de mão dupla com todos os parceiros dos EUA, incluindo o Brasil”, escreveu o perfil do Escritório do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado de Trump no X. “Bloquear o acesso à informação e impor multas a empresas sediadas nos EUA por se recusarem a censurar pessoas que vivem nos Estados Unidos é incompatível com os valores democráticos, incluindo a liberdade de expressão.”

Minutos depois, a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil replicou a mensagem.

Também nesta quarta, o comitê judiciário da Câmara dos EUA, equivalente à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) no Brasil, aprovou o projeto da republicana Maria Elvira Salazár que visa impor sanções, como cassar o visto, de autoridades estrangeiras que violem a primeira emenda, de liberdade de expressão, nos Estados Unidos.

A proposta “No Censors on our Shores Act” (Sem Censores em nosso território) estabelece a deportação e o veto de entrada nos EUA a qualquer estrangeiro que atue contra o trecho da Constituição. Bolsonaristas afirmam que Moraes se enquadraria na norma.

A aprovação da proposta e a declaração do Departamento de Estado ocorrem dias depois de o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ter conversado com diplomatas americanos sobre o tema, como mostrou a Folha de S.Paulo, e diante de uma ofensiva de aliados de Trump contra Moraes, incluindo o bilionário Elon Musk.

O filho de Jair Bolsonaro (PL) fez um périplo nas últimas semanas pedindo a autoridades dos EUA sanções contra o ministro do STF. Eles querem a cassação do visto do magistrado para os Estados Unidos como forma de pressionar os demais ministros do Supremo e aliviar o processo de análise das acusações contra o ex-presidente -algo difícil de ocorrer.

Por trás, há ainda a expectativa de que os Estados Unidos possam interferir no processo brasileiro a ponto de conseguir reverter a inelegibilidade de Bolsonaro e torná-lo apto a disputar as eleições presidenciais em 2026, uma possibilidade hoje também tratada como remota no Judiciário e no Parlamento brasileiros.

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores de Lula afirmou rejeitar “com firmeza, qualquer tentativa de politizar decisões judiciais” e ressaltar a importância do princípio da independência dos Poderes.

O comunicado afirma que o governo brasileiro foi pego de surpresa pela nota do Departamento de Estado dos Estados Unidos e que a postagem “distorce o sentido das decisões do Supremo Tribunal Federal, cujos efeitos destinam-se a assegurar a aplicação, no território nacional, da legislação brasileira pertinente, inclusive a exigência da constituição de representantes legais a todas as empresas que atuam no Brasil”.

A pasta ainda diz que a liberdade de expressão deve ser exercida no Brasil “em consonância” com “os demais preceitos legais vigentes, sobretudo os de natureza criminal”. Depois, cita que o Estado brasileiro e as instituiçoes foram alvo de “orquestração antidemocrática”.

Em publicação no X sem referência direta ao caso, Lula disse que, em conversa com os presidentes da Espanha, Chile, Colômbia e Uruguai, reafirmou o compromisso com o fortalecimento da democracia e discutiu ações para combater a desinformação e “o uso malicioso das redes sociais e de outras tecnologias que alimentam o extremismo”.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que deve assumir um ministério de Lula, afirmou por sua vez que “a articulação bolsonarista pela lei aprovada num comitê do Congresso dos EUA contra a soberania das decisões do STF no Brasil é um crime de lesa-pátria”.

“O inelegível, seus parentes e foragidos da Justiça brasileira estão desafiando, mais uma vez, as instituições brasileiras e mostrando a quem eles realmente servem: a um país estrangeiro”, declarou.

PROCESSO CONTRA MORAES

O embate com Moraes nos EUA chegou aos tribunais neste mês depois que a empresa de mídia de Trump, a Truth Social, e a Rumble, plataforma de vídeos, recorreram à Justiça na Flórida para que as ordens do ministro sejam declaradas ilegais.

A plataforma de vídeo afirma que o ministro do STF extrapolou sua competência ao pedir o encerramento da conta do influenciador bolsonarista Allan dos Santos e solicitar às plataformas que forneçam seus dados de usuário.

Na nota do Departamento de Estado, embora Allan não seja citado, ele é uma das pessoas a que se refere o governo Trump quando reclama da imposição de “multas a empresas sediadas nos EUA por se recusarem a censurar pessoas que vivem nos Estados Unidos”.

Um dia antes de a nota ser publicada, a juíza Mary S. Scriven negou pedido de liminar protocolado pelo Rumble e pela Trump Media & Technology para que ordens de Moraes não sejam cumpridas nos Estados Unidos. A magistrada fez isso, porém, afirmando que as decisões do ministro já não se aplicam aos EUA se os réus não forem intimados pelos protocolos da Convenção de Haia e de um tratado entre o país e o Brasil.

A decisão não analisou o mérito da ação. A magistrada da Flórida entendeu que a solicitação da Rumble não é cabível porque a empresa já não precisaria cumprir a decisão justamente porque o ministro brasileiro não acionou os canais devidos de intimação.

Na prática, ela diz que o Rumble e a empresa de mídia de Trump não precisam aderir às ordens de Moraes no território americano.

Scriven acrescentou ainda que aparentemente nenhuma ação foi tomada para reforçar as determinações de Moraes pelo governo brasileiro, pelo governo americano ou outro ator relevante. No entanto, afirma que, se houver alguma ação nesse sentido, ela tomará alguma ação.

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By valeon