História de Notas & Informações – Jornal Estadão

Quando, no fim de dezembro, reuniu seus ministros no Palácio da Alvorada e admitiu que faria mudanças no primeiro escalão, o presidente Lula da Silva deflagrou um processo no qual poderia escolher entre dois caminhos prováveis: um muito difícil e o outro ainda pior. Realizá-las de uma só vez ou fatiá-las, trocar ministros em profusão ou optar por trocas pontuais, pouco importa – tempos difíceis se avizinhavam para uma reforma anunciada como tábua de salvação de um governo sem rumo e sem ideias. Afinal, reformas ministeriais costumam dar dor de cabeça a quem as promove, em razão da complexa tarefa de acomodar novos e antigos aliados, redistribuir cargos e orçamentos, recuperar ou adquirir musculatura política para aprovar agendas prioritárias ou preparar a coaliza~o para a próxima disputa. No atual estágio de Lula da Silva, a essas dificuldades seriam acrescidas outras, como a ineficiência do Ministério e a impopularidade do governo e do presidente, agravando ainda mais o que já é difícil.

Passados mais de dois meses daquela reunião, Lula da Silva conseguiu surpreender negativamente até mesmo os mais céticos. No lugar de realizar uma reforma ministerial de uma só vez, resolveu fatiá-la, estendendo o período de calvário dos ministros candidatos a` demissão. Alguns deles já trocados, como Nísia Trindade, ou com potencial para serem demitidos, como ao menos uma dezena de inquilinos da Esplanada dos Ministérios foram empurrados para a fritura pu´blica palaciana por mais tempo do que deveriam – algo que, no cotidiano de suas pastas, paralisa programas e amplifica a ine´rcia do governo. E o mais grave da reforma a conta-gotas: o presidente preferiu inicia´-la para resolver problemas internos do PT, imerso numa disputa fratricida entre grupos antago^nicos e a`s ve´speras da sucessa~o do comando do partido, hoje dirigido por Gleisi Hoffmann, agora promovida a ministra. E, na deliberação dos conflitos petistas, Lula da Silva pareceu pender ainda mais para a esquerda, levando consigo o governo e o País.

Essa escolha tornou ainda mais complicada a segunda etapa da reforma ministerial, destinada a reacomodar aliados governistas que não são meros satélites do universo petista. Obcecado com a popularidade perdida e ansioso pela eleição, Lula da Silva intuiu que precisa acelerar as pautas da esquerda – o que obviamente torna ainda mais penosa a tarefa de manter legendas centristas tradicionais, como o PSD, e partidos do Centrão, como União Brasil, PP e Republicanos, todos integrantes do governo, mas com porta-vozes cada vez mais ferozes na crítica ao terceiro mandato lulopetista. Na cosmologia do poder, quanto mais difícil o apoio, mais caro é obtê-lo e, portanto, maior prejui´zo ao Pai´s. Trata-se do que este jornal ja´ chamou de quadratura do ci´rculo da sua reforma ministerial: um Executivo enfraquecido e impopular que espera agradar a aliados centristas enquanto deseja acelerar uma agenda de esquerda e resiste a dividir o poder.

Não só Lula da Silva não entendeu ateé aqui a natureza da frente democrática que o elegeu, como também não demonstrou ter aprendido alguma coisa com as sequelas deixadas pelas derrotas no Congresso. Seu Ministério não refletiu nem representou a frente que se dispo^s a apoia´-lo. Sua fragilidade na articulac¸a~o poli´tica tornou ainda mais evidente a care^ncia de ideias novas vindas dele e do PT. E sua dificuldade de entender as mudanc¸as no Brasil e no mundo aprofundou a incapacidade de enxergar soluc¸o~es compati´veis com os novos tempos. Com uma base parlamentar inchada, fragmentada e hostil, um Executivo fra´gil e impopular e um Legislativo fortalecido pelas emendas parlamentares, Lula da Silva tera´ de distribuir mais poder, o que nunca fez. Afinal, quanto maior e mais heteroge^nea a coaliza~o governista, mais difi´cil seu manejo e mais fra´gil a governabilidade.

Resta saber se o presidente compreendera´ esses limites e exige^ncias ao promover as pro´ximas mudanc¸as. Os sinais que emitiu ate´ aqui desabonam progno´sticos animadores, e o que ja´ e´ complexo em tempos normais pode se tornar uma missa~o quase impossível diante de condic¸o~es anormais e de um presidente que continua a acreditar em seus poderes políticos sobrenaturais.

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By valeon