História de Leonardo Rodrigues – Jornal Estadão
As nomeações de Gleisi Hoffmann para a Secretaria das Relações Institucionais e de Alexandre Padilha para o Ministério da Saúde reúnem os dois petistas em uma reprodução quase precisa da configuração da Esplanada sob Dilma Rousseff (PT).
As escolhas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a aguardada reforma ministerial renderam comparações imediatas ao governo da ex-presidente, encerrado por um processo de impeachment em 2016, da oposição bolsonarista ao “centrão”, grupo de partidos dominante no Congresso e com cargos na administração.
As aproximações, no entanto, contemplam ainda dificuldades enfrentadas pelas duas gestões na relação com o Congresso, na economia e na avaliação popular. Neste texto, a IstoÉ mostra quais pontos sustentam e quais refutam essa comparação.
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Um espelho de atritos
Com dificuldades conhecidas desde o início do mandato para aprovar projetos no Parlamento, onde está distante de ter maioria, Lula tem sido cobrado desde a reta final de 2024 por uma reforma ministerial que daria mais espaço a siglas como PSD, PP, Republicanos e União Brasil no governo e poderia realinhar a base de apoio.
Em um demonstrativo público da cobrança, Gilberto Kassab, presidente do PSD, chamou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de “fraco”, e projetou que o presidente não seria reeleito se as urnas fossem abertas naquele momento. A declaração foi dada em janeiro.
O mês virou, e foi a vez de o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, elevar o tom e ameaçar desembarcar da gestão se não houver “mudança de rumos”. Seu partido comanda o Ministério dos Esportes, com André Fufuca, mas o dirigente projetou que a decisão provocaria uma debandada de todas as legendas do “centrão” que integram a esplanada.

O que embasa e o que refuta a comparação entre os governos Lula e Dilma
Ciro Nogueira, senador e presidente do PP: projeção de “desembarque” do governo Lula
Nogueira comparou esse potencial movimento ao que ocorreu com Dilma Rousseff antes de sofrer um impeachment, mas preferiu afastar essa possibilidade. “O ideal é dar governabilidade do país para a gente fazer uma transição. Se eu fosse o presidente, o mais rapidamente possível, eu anunciava que não era candidato [em 2026] e virava essa página”, concluiu, antes de defender que Jair Bolsonaro (PL), inelegível até 2030, seja o presidenciável da oposição no pleito.
“Lula não enfrentou o mesmo desgaste na relação com as forças políticas em seus mandatos mandatos anteriores. O PT era um partido mais forte em termos de expressão social, e as alianças com PL e o então PMDB eram sólidas, o que não se reproduz agora”, disse Carlos Melo, cientista político e professor do Insper, à IstoÉ.
Mas, diante da pressão de lideranças ideologicamente distantes, o chefe do Executivo deu mais poder a seus aliados. Com a demissão de Nísia Trindade, Alexandre Padilha, velho conhecido das administrações petistas, assumiu o Ministério da Saúde, um dos maiores orçamentos e vitrines do governo. Para seu lugar na Secretaria das Relações Institucionais, a quem cabe articular com o Congresso, chegou Gleisi Hoffmann, presidente do PT mais conhecida por posições inflamadas do que pela amplitude de diálogo.
As trocas deram ao partido o comando de mais de um terço dos ministérios e rememoraram decisões de Dilma, que povoou a Esplanada com aliados no começo de seu segundo mandato, em 2015. Nos meses seguintes, ela enfrentaria uma recessão econômica sem margem para manobra no Legislativo e se tornaria amplamente rejeitada — em dezembro, seu trabalho era aprovado por 9% e reprovado por 70% dos eleitores brasileiros, segundo o Ibope.
Em abril de 2016, às vésperas de perder o mandato, Dilma viu seis ministros deixarem seus cargos e seus partidos romperem com o governo — quatro eram do MDB, um do PP e, do PSD, Gilberto Kassab. Com o desembarque, as bancadas ficaram livres para, em seguida, votar e aprovar o impeachment da petista.
Na mesma entrevista em que ameaçou romper com Lula, Nogueira foi claro sobre os motivos de não desarmar o governo: “Uma coisa é tirar a Dilma [Rousseff] como a gente tirou. A Dilma tinha 7%. Lula nunca vai chegar a 7%”. Neste ano, o presidente viu seu patamar de aprovação popular despencar a um nível inédito para ele no cargo.
Entre as duas pontas da desidratação política, no entanto, Dilma entrou na mira do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (então no PMDB-RJ), à frente do aval para o processo de impedimento e da mudança de posição dos emedebistas. Para Carlos Melo, cientista político e professor do Insper, este atrito é o que distancia a relação dos dois mandatários com o Legislativo.
“Lula faz um movimento ousado [ao empoderar o PT na Esplanada] em um país que viveu as experiências de impeachment de Fernando Collor e Dilma, mas não cometeu os mesmos erros da ex-presidente nas disputas internas do Congresso”, afirmou. Neste 2025, o governo apoiou as eleições de Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP) para as presidências de Câmara e Senado, respectivamente.
Peso no bolso
Das dificuldades de relação com o Congresso à impopularidade, o peso do bolso é central para explicar as crises de ambos os governos. Mesmo que a geração de empregos afaste a comparação — o Brasil registrou a menor taxa de desemprego da série histórica mapeada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), longe dos 10,9% de desemprego da reta final da gestão Dilma –, o alto nível de inflação registrado entre 2015 e 2016 também assombra a gestão atual.
“São dois governos que trabalham com uma inflação no teto. O teto atual, de 4,5%, gera algum nível de alívio, mas administrações que têm dificuldade para fazer um controle macroeconômico efetivo enfrentam esse entrave de ter a inflação sempre ao redor do teto”, disse à IstoÉ Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Nos 12 meses entre abril de 2015 e abril de 2016, o Brasil registrou uma taxa de 9,28% de inflação. Sob Lula, o acumulado de 12 meses em março de 2025 é de 4,56%, mas o cenário mais preocupante se concentra na alimentação, com índices de 8,23% para as refeições em casa e 6,29% fora de casa.
Segundo um levantamento da Fhoresp (Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo) obtido pela IstoÉ, a elevação atual é puxada pelas carnes (20,84%), enlatados e conservas (19%), óleos e gorduras (18,72%), leite e derivados (10,37%) e café (8,72%).
Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda: referência na escola petista de aumento dos gastos públicos
Em reação, Lula aposta no corte de impostos sobre os alimentos, mas pouco faz para conter os problemas fiscais e reverter o déficit das contas públicas, em reprodução fiel da política de Dilma. “O governo entende a necessidade do controle fiscal, mas persiste um pensamento, desde a gestão de Guido Mantega [ministro da Fazenda de 2006 a 2015], de que gasto público é positivo porque gera crescimento“, afirmou Vale.
“Os esforços da gestão atual para um ajuste fiscal se dão por meio do aumento da arrecadação, mas a sociedade já paga muitos impostos e o Congresso é refratário a propostas de aumento dos tributos. Há uma percepção consolidada, entre os analistas, de que o gasto público não foi atacado“, prosseguiu.
No caso de Dilma, a alternativa proposta ao ajuste fiscal foi uma “conjunção de políticas de estímulo de gasto, em especial com cortes de impostos”, explicou o economista. As contas públicas federais de 2015 foram reprovadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e a petista apresentou uma proposta orçamentária com déficit de R$ 30,5 bilhões para 2016, ano em que perdeu o cargo. O governo Lula registrou um déficit de R$ 43 bilhões em 2024.