História de Notas & Informações – Jornal Estadão

O presidente americano, Donald Trump, gosta de dizer que guerras comerciais são fáceis de vencer. Entre as falsidades repetidas por Trump, essa é uma das que têm maior potencial destrutivo, mas também uma das mais fáceis de desmoralizar. Ninguém ganha com guerras comerciais – na melhor das hipóteses, há quem perca menos. Diferentemente das guerras convencionais, o combatente mais agressivo é sempre quem mais se autoinflige danos, e a melhor estratégia é sempre desescalar, reduzindo danos internos e respondendo com retaliações cirúrgicas, menos como quem quer destruir um inimigo e mais como quem quer ajudar um amigo (no caso, um parceiro comercial) a recobrar a razão.

Manter essas perspectivas em mente é importante num momento em que o Brasil elabora estratégias para navegar na maré protecionista global e constrói arsenais para se defender das ameaças do país mais rico e poderoso do planeta de implodir as regras do comércio internacional e abrir fogo contra todos.

O Senado tomou a iniciativa de retomar a tramitação de um projeto de lei (PL) que equipa o governo com instrumentos de retaliação. Em condições normais, seria preciso recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra práticas abusivas. Mas, pela sabotagem dos EUA, o órgão de apelação da OMC para solução de controvérsias está paralisado.

Sintomaticamente, o PL 2.088/2023 foi de início elaborado para defender exportadores agrícolas brasileiros contra restrições impostas seletivamente por legislações ambientais da Europa. Ante a agressividade trumpista, a relatora, senadora Tereza Cristina (PP-MS), ampliou o escopo para responder a outros tipos de ações unilaterais, autorizando a Câmara de Comércio Exterior a restringir importações ou suspender concessões comerciais, de investimento e de obrigações relativas à propriedade intelectual ou previstas em acordos comerciais.

Indagado sobre as ameaças tarifárias de Trump, o presidente Lula da Silva costuma invocar a taxação recíproca de produtos americanos. Esse posicionamento vago, se comunicado sem um ânimo de provocação, é defensável. Ele preserva um senso de orgulho patriótico escorado numa justiça retributiva fácil de intuir. “Simples, não tem nenhuma dificuldade”, disse Lula. Mas a verdade é que uma resposta inteligente é complexa e difícil.

Dadas as assimetrias entre dois países em conflito, uma reciprocidade meramente matemática pode ser muito mais danosa ao agredido que ao agressor. Os EUA, por exemplo, são um dos maiores parceiros comerciais do Brasil, mas a recíproca não é verdadeira; a tarifa média do Brasil sobre produtos importados dos EUA é de 11,2%, e a dos EUA sobre o Brasil, só de 1,5%; as exportações brasileiras são mais focadas em produtos básicos, e as importações, em maquinário, e assim por diante.

Uma estratégia inteligente precisa, em primeiro lugar, estar integrada a um esforço amplo pela manutenção das regras comerciais internacionais e reformas da OMC e pela ampliação de parcerias que diversifiquem a rede comercial do Brasil. Além disso, ela precisa considerar áreas de interesses extracomerciais com o país ou bloco em conflito, mapeando convergências e divergências e privilegiando um engajamento bilateral que evite a imposição de tarifas.

Retaliações devem ter um caráter tático dentro dessa estratégia maior e ser o último recurso, sempre com o objetivo de conter – não incentivar – uma escalada tarifária. A análise introdutória do PL 2.088 reconhece isso e afirma que os instrumentos contemplados foram formulados “de maneira compassada de modo a deixar aberto espaço para negociação, tendo em vista que o objetivo não é punir o parceiro comercial”.

O fato de que uma parlamentar de oposição esteja articulando com órgãos subordinados ao governo, como os Ministérios das Relações Exteriores e da Indústria e Comércio, a criação de um repertório de respostas institucionais, técnicas e sistêmicas, e não politizadas, voluntaristas e arbitrárias, é um sinal alvissareiro de que há autoridades em Brasília trabalhando com maturidade para defender os interesses nacionais em meio à tempestade comercial que se aproxima.

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By valeon