Após pior início entre os grandes, Cruzeiro busca soluções para evitar vexame na Série B
Atrapalhado por graves problemas financeiros, time mineiro destoa dos clubes de expressão que foram rebaixados
Ricardo Magatti, especial para o Estado, O Estado de S.Paulo
Atormentado por dívidas estimadas em R$ 982 milhões, prejudicado por punições recentes e atolado em uma crise que parece não ter fim, o Cruzeiro vive um drama e encontra muitas dificuldades para deslanchar na Série B do Campeonato Brasileiro, diferentemente do que aconteceu com a maioria dos clubes de expressão que foram rebaixados.
A má gestão, um dos fatores determinantes para a queda à Segunda Divisão, também atrapalhou e fez com que a equipe começasse a competição com seis pontos negativos pelo não cumprimento da ordem de pagamento de 850 mil euros (R$ 5,4 milhões na cotação atual) referente à dívida com o Al Wahda pelo empréstimo do volante Denilson.
Sérgio Santos Rodrigues é o atual presidente do Cruzeiro. Foto: Bruno Haddad/Cruzeiro
Vivendo a mais grave crise de sua história, o Cruzeiro passa por um drama sem precedentes em relação aos grandes que estiveram na segundona. Na história da Série B desde 2006, ano em que a competição passou a ser disputada por pontos corridos, nenhum dos principais clubes brasileiros se submeteu a uma situação semelhante à que se apresenta ao time mineiro. Apesar do triunfo na última semana sobre o Vitória, o time amarga a pior campanha de um clube de expressão até a nona rodada. Com apenas oito pontos, o Cruzeiro ocupa a 13.ª posição.
O Atlético-MG, em 2006, o Vasco, em 2009 e 2014, e o Internacional, em 2017, também largaram mal. Ainda assim, todos obtiveram mais de 50% de aproveitamento até a nona rodada e somaram 14 pontos, seis a mais do que possui o Cruzeiro atualmente. A melhor campanha até esse estágio da competição foi do Corinthians, que conseguiu se manter invicto nesse período e somou 23 pontos, aproveitamento de 85,2%. A equipe alvinegra também ostenta a maior pontuação da história do campeonato (85 pontos), à frente de Portuguesa de 2011 (81) e do Palmeiras de 2013 (79).
“O maior desafio de um time grande na Série B é reestruturar a casa. O primeiro passou é se organizar internamente. Depois, no campo, aos poucos, as coisas acontecem naturalmente”, diz o ex-goleiro Bruno, que conseguiu acessos por Portuguesa, Palmeiras e Santa Cruz, um com cada time. Atualmente, ele é comentarista esportivo e treinador de goleiros nos Estados Unidos.
“A competitividade na Série B é maior. Os jogos são mais pegados e os campos não têm a mesma qualidade da Série A. Outro diferencial é que os jogadores se esforçam ainda mais para ter oportunidade em um clube na elite. É uma vitrine. O campeonato fica ainda mais disputado”, reforça o ex-jogador Wendel, que disputou a competição pelo Palmeiras, em 2013. Ele também fez parte do elenco campeão dez anos antes.
O Cruzeiro até teve um bom início, com três vitórias seguidas em seus três primeiros jogos. Depois, porém, a equipe ficou cinco partidas sem vencer até que o técnico Ney Franco foi contratado para o lugar de Enderson Moreira e a equipe conseguiu reagir logo em sua estreia com o triunfo por 1 a 0 sobre o Vitória. Hoje, tem oito pontos e ainda está mais perto da zona de rebaixamento do que do grupo de acesso.
Na temporada, o Cruzeiro foi eliminado na terceira fase da Copa do Brasil pelo CRB, sua pior participação em 24 edições que disputou da competição da qual é o maior vencedor, com seis títulos, e terminou o Campeonato Mineiro em quinto, pior colocação nos últimos 25 anos.
Hoje, com o cenário de penúria, a missão do Cruzeiro para voltar à elite do futebol brasileiro é muito mais complicada do que os desafios pelos quais passaram os outros principais clubes do País que disputaram a segunda divisão, casos de Palmeiras (2003 e 2013), Botafogo (2003 e 2015), Grêmio (1992 e 2005), Atlético-MG (2006) Corinthians (2008), Vasco (2009, 2014 e 2016) e Internacional (2017).
Essas equipes atravessaram crises significativas, mas a maioria delas não estava tão desestruturada e mergulhada em um caos esportivo semelhante ao do time mineiro, tanto que conseguiram retornar à Série A em uma temporada, mesmo que tenham encontrado percalços em suas trajetórias e alguns tenham subido sem ser campeões. O contraponto é o Fluminense, que acumulou dois rebaixamentos seguidos, da Série A para a B em 1997 e da B para a C em 1998.
“Todo os problemas de gestão interferem dentro de campo. A primeira grande intervenção que acontece é que os melhores jogadores não aceitam as propostas pelo momento que o clube está vivendo. Aí o elenco não fica tão qualificado. E a questão política atrapalha muito o futebol também. Vários remam contra e a situação só piora”, avalia Rogério Lourenço, ex-zagueiro campeão da Libertadores pelo Cruzeiro em 1997.
Para Lourenço, o caminho para que a equipe reaja e brigue pelo acesso passa por impedir as ingerências no futebol e tentar blindar o elenco o máximo possível em relação aos problemas extracampo. “Se o futebol ficar à parte, sem interferência de pessoas de outros departamentos, se a diretoria cumprir os compromissos financeiros, dar tranquilidade ao técnico, acho que tem tudo para sair dessa situação”, salienta o treinador, atualmente sem clube. “A gente sabe que muitos dirigentes são torcedores. É hora de eles terem humildade para dar as mãos e tentar reconstruir o clube”, acrescenta.
Ney Franco tem a difícil missão de evitar que o time celeste seja o primeiro grande a não voltar para a elite no ano seguinte ao rebaixamento – na era dos pontos corridos – o que obrigaria a equipe a disputar a Segunda Divisão novamente no ano do centenário do clube.
“Todos têm de entender que a gente está disputando uma competição extremamente difícil. Você não ganha e não fica entre os quatro primeiros apenas com o nome, com a estrutura do clube. Se você não for para campo, não trabalhar, tiver uma entrega de todos os profissionais nesse trabalho, não tem sucesso”, avisou o novo treinador, assim que chegou.
A equipe pode se espelhar no Goiás de 2018, que, curiosamente, também era comandado por Ney Franco. Naquele ano, o time goiano também tinha apenas cinco pontos passadas oito rodadas e figurava no 18º lugar, mas engatou uma arrancada impressionante e terminou o torneio em quarto, com 60 pontos.
SÉRIE C
Considerando também o período anterior à era dos pontos corridos, o único dos grandes a não subir e, de quebra, cair para a Série C foi o Fluminense. Em 1996, o time carioca foi rebaixado para a Série B. No entanto, depois de um escândalo de manipulação de resultados envolvendo Atlético-PR e Corinthians, o rebaixamento daquela edição do Brasileiro foi cancelado. Em 1997, porém, a equipe das Laranjeiras caiu de novo e, no ano seguinte, amargou a queda para a terceira divisão.
“Foram muitos motivos que nos levaram à Série C. A falta de estrutura, de comprometimento provocada pela desorganização fora de campo, com salários não pagos, afetou nosso desempenho dentro de campo. Chegamos ao caos naquela época”, recorda em entrevista ao Estadão o veterano Magno Alves, um dos poucos a se destacar na campanha que culminou com o descenso à terceira divisão.
Comandado por Carlos Alberto Parreira, o Fluminense venceu a Série C em 1999. Mas, graças a uma polêmica envolvendo outros clubes, acabou saltando direto para a elite do futebol brasileiro, fato que gera reclamações dos outros rivais até hoje.