Teoria política

Por
Tiago Cordeiro – Gazeta do Povo

São Paulo SP 01 05 2020- Devido à pandemia de covid-19, os discursos e shows serão transmitidos pela internet, e estarão no mesmo palco virtual adversários de longa data, como os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso.É a primeira vez que Lula e FHC dividirão o mesmo palco desde o segundo turno da eleição presidencial de 1989, quando o tucano apoiou o petista contra Fernando Collor, que acabou vencendo, segundo o jornalista Ricardo Kotscho, secretário de Imprensa do governo federal nos dois primeiros anos da gestão Lula.foto Ricardo Stuckert

Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso: lâminas da mesma tesoura| Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação

Quando se olha apenas para uma das lâminas de uma tesoura, ela parece um objeto único. Ao olhar para a outra lâmina, tem-se a mesma impressão. Mas se o observador se afasta e enxerga o instrumento inteiro, percebe que as lâminas estão interligadas e só funcionam em parceria.

A metáfora teve aplicações no campo político, mais especificamente nas origens da União Soviética. Defendida por Vladimir Lênin, ela estabelecia que a forma mais eficiente de governar é dividir um grupo político em duas forças. As duas com os mesmos objetivos, discordando apenas em detalhes a respeito dos métodos.

Seguindo essa teoria, essa teoria foi preservada ao longo da história da União Soviética, e mesmo depois de sua dissolução — há décadas Rússia e China alternam momentos de tensão e parcerias declaradas, sem nunca chegar a romper de fato.

Alternância aparente
A estratégia é eficiente quando a opinião pública não enxerga a tesoura, mas apenas as lâminas. Assim, cria-se a ilusão de democracia, de alternância de poder, quando na verdade quem se mantém no controle é um mesmo grupo, ainda que diferentes alas internas se alternem no controle.

Há quem aplique essa metáfora à situação política do Brasil entre 1994 e 2016. Da eleição de Fernando Henrique Cardoso ao impeachment de Dilma Roussef, dois partidos, PSDB e PT, governaram o Brasil. Houve um momento em 1993, aliás, em que cogitaram formar uma chapa para lançar um candidato único — tese defendida na época pelo tucano Tasso Jereissati.

Quando teve início a redemocratização, “o PT era o comunista mais radical, o PSDB era o comunista adocicado”, afirma o filósofo Olavo de Carvalho em um vídeo sobre o tema. “A democracia foi o rodízio do PT e do PSDB, com a ajuda do PMDB”.

A continuidade de programas sociais e da gestão da economia, na passagem de bastão de Cardoso para Luiz Inácio Lula da Silva, indica que havia, de fato, métodos e objetivos compartilhados. O almoço entre os dois ex-presidentes, em maio deste ano, reforça a sensação de que os dois têm muitos laços em comum.

Aliás, foram os dois partidos que controlaram o cenário eleitoral das eleições para presidente ao longo de duas décadas. Fernando Henrique ganhou no primeiro turno, com Lula em segundo, por dois pleitos seguidos. Lula foi eleito e reeleito em segundo turno contra candidatos do PSDB, assim como Dilma Rousseff, tanto em 2010 quanto em 2014. Foram seis eleições consecutivas lideradas por PT e PSDB, entre as oito realizadas após a redemocratização.

“Mesma socialdemocracia”
Diferentes especialistas, como os sociólogos Rudá Ricci e Alain Touraine, apontaram ao longo dos anos o quanto os projetos de governo de PT e PSDB são semelhantes. “É muito difícil dissociar, em laboratório, as políticas do PT e do PSDB. São duas colorações da mesma socialdemocracia. São duas faces da mesma identidade política”, chegou a afirmar o cientista político Luiz Werneck Viana, em 2012.

“Aliás, ambas nascidas em São Paulo, em momentos muito convergentes”, ele prosseguiu na época. “De modo que não há uma destinação de classe explícita: o PT é o partido dos trabalhadores, dos operários, dos camponeses, e o PSDB é o partido dos capitalistas, empresários, dos economicamente privilegiados. Isso não é verdade.”


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