Crise hídrica

Por
Cristina Seciuk – Gazeta do Povo

| Foto: Tony Winston/Agência Brasília

A necessidade de promover racionamento de energia voltou a assombrar o brasileiro com a notícia de reservatórios em estado preocupante após chuvas abaixo do esperado e mais um inverno seco adiante. Apesar do cenário crítico, a falta de energia não deve ocorrer em 2021, conforme os cálculos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Porém, o custo mais alto de operação já é repassado ao consumidor e deve se manter elevado ao longo de 2022.

Uma série de medidas já está em execução, e outras ainda podem ser acionadas para afastar de vez o risco de racionamento neste ano.

Acionamento de termelétricas
Com armazenamento médio próximo de 30% da capacidade nos principais reservatórios do país (os do subsistema Sudeste/Centro-Oeste), a principal e mais efetiva solução de curto prazo é o acionamento do parque de usinas termelétricas, do qual o governo federal lança mão desde outubro de 2020 – além de garantir que essas usinas de fato atendam quando solicitadas, dentro do contratado. “É basicamente usar dos seus recursos no limite”, pontua o professor da FGV Energia Paulo Cunha.

Neste momento, a geração térmica funciona como uma ferramenta de economia da água dos reservatórios, para que o país chegue ao fim do inverno ainda em condições de esperar pela retomada da afluência (a entrada da água nos locais de armazenamento) durante o período chuvoso, historicamente registrado a partir de setembro. Ou seja, quanto mais energia das térmicas for gerada e consumida nos próximos meses, menos pressão sobre as hidrelétricas e consequentemente menos probabilidade de racionamentos de energia.

Além do acionamento das usinas que geram energia a partir da queima de combustíveis, outras medidas já foram anunciadas ou sugeridas por autoridades relacionadas ao setor elétrico com caráter preventivo. O intuito dessas definições é evitar que o país chegue a setembro em situação crítica, com hidrelétricas trabalhando a fio d’água (apenas com o volume que chega pelo rio, sem armazenamento) ou paradas por estarem com água abaixo dos níveis de captação dos reservatórios.

Gabinetes de crise
A aposta no monitoramento da situação dos reservatórios, por meio da criação de salas de situação e gabinetes para a coordenação de ações a serem tomadas daqui em diante, é apontada como correta e crucial por Luiz Augusto Barroso, da PSR Consultoria, especializada no setor.

“É importante desde já mapear também as flexibilidades operativas que podem ser implementadas tanto na geração quanto na transmissão caso situações mais limítrofes atinjam o sistema. Mas o ambiente exige monitoramento e acompanhamento contínuo, pois as variáveis de incerteza são muitas – chuvas, disponibilidade de oferta térmica, produção de renováveis e crescimento da demanda – e os próximos dois meses serão fundamentais”, avalia.

Segundo relatos de bastidores, o governo está preparando uma medida provisória com uma série de iniciativas para enfrentar a crise hídrica. O objetivo principal é aumentar a autoridade do Ministério de Minas e Energia na gestão de barragens e sobre concessionárias de combustíveis e energia e, com isso, agilizar decisões.


Transferência de mais energia entre as regiões
Flexibilizações na transmissão também são apontadas pelo professor da FGV Energia como importantes no momento. A avaliação é de que serão necessários ajustes na operação para aumentar a transferência de energia do Norte e Nordeste para Sul e Sudeste, com a revisão de limites aplicados atualmente para conter riscos à rede.

“[O operador] vai ter que conviver com um pouco mais de risco e admitir que blocos maiores de energia sejam transferidos”, acredita Paulo Cunha.

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Importação de energia
Ainda em termos de oferta, o governo federal também tem apelado para a importação de energia de países vizinhos, outro movimento acertado na avaliação de Barroso.

Em paralelo, segundo o especialista da PSR, há ainda um conjunto de ações que podem ser adotadas visando garantir a segurança de suprimento em 2021. Entre elas estão a integração de oferta existente, mas que no momento esteja fora do sistema, e a implementação de resposta pela demanda, já migrando para a outra ponta do problema – o consumo.

Deslocamento do pico de consumo
A resposta pela demanda é um mecanismo de gestão do setor elétrico utilizado por operadores como recurso para tornar o sistema mais econômico, seguro e flexível e com tarifas mais baratas ao consumidor.

No Brasil, funciona como projeto piloto, definido em resolução de 2017 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). De modo simplificado, a resposta pela demanda consiste no gerenciamento do consumo como alternativa ao despacho de usinas térmicas, em reação a condições desfavoráveis de oferta.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico compara o custo do despacho de usinas térmicas fora da ordem de mérito (que estão acima do preço da energia no mercado à vista) e compensações financeiras devidas aos consumidores participantes pela redução da carga (que pode ser realizada, por exemplo, por meio da redução ou do deslocamento do consumo de energia em momentos críticos e nos momentos de pico de demanda). A regra vale para grandes consumidores, como os industriais, que representam 40% do consumo de energia do país.

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Segundo Paulo Cunha, da FGV Energia, é uma medida que estimula consumidores a administrar seu gasto de energia, a exemplo do que ocorre com as bandeiras tarifárias já em curso e que servem de indicativo para o consumidor geral. “Num processo bem feito, a carga pode reprogramar a sua produção, deslocando nos horários de tal sorte que mesmo sem perder produção as fábricas consigam distribui-la no tempo e ajudar o operador a passar por fases críticas”, resume.

O projeto de resposta da demanda, entretanto, é considerado burocrático pelos grandes consumidores de energia, o que se reflete na baixa adesão – são apenas dois os participantes, Braskem e Cimentos Apodi, com contratos assinados em 2018.

O Ministério de Minas e Energia iniciou diálogo com entidades representativas de grandes consumidores industriais para discutir novo incentivo financeiro à economia de energia, com racionamento voluntário por parte daqueles que optarem por aderir. Segundo o jornal “O Globo”, a expectativa é por aplicar um novo plano a partir de julho.

Gestão do uso da água
Ainda no consumo, estão indicadas outras medidas que tornariam ainda mais remota a necessidade de um racionamento de energia. No arsenal de soluções do governo está a gestão dos usos múltiplos da água (parcialmente adotada no país, válida para as bacias dos rios Paraná e São Francisco).

Eficaz para poupar os reservatórios, priorizando que o armazenamento seja usado na geração de energia, a medida pode, entretanto, significar entraves econômicos. Caso emblemático aqui é o do agronegócio, que poderia ser prejudicado com restrições à irrigação justamente no principal polo produtor do país.

Promoção do consumo racional
A promoção de consumo racional, inclusive com campanhas de conscientização também é esperada, apesar de já aparecer como medida em curso por meio das bandeiras tarifárias mais caras.

“Todo mundo sabe que o preço subiu e assim está sendo instado a gastar menos. Isso ajuda a passar por essa fase mais crítica”, afirma Cunha. Luiz Augusto Barroso, da PSR Consultoria, destaca que “o país já passou por situações complexas e similares no passado e os aprendizados destes eventos para este ano são a necessidade da boa governança, comunicação firme e transparente junto à sociedade, e sempre amparada em estudos técnicos”.

Racionamento de energia ainda pode chegar em 2022
Em nota técnica divulgada no começo do mês, o ONS já apontou como sugestões para manter o abastecimento de energia o aumento do uso de termelétricas, garantia de combustíveis para essas usinas e a importação de energia da Argentina e do Uruguai. Ainda foram elencadas sugestões para liberar mais vazão dos reservatórios de Furnas e Mascarenha de Moraes (que estão com níveis mais altos), poupar água nas demais hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste do país (que apresentam níveis críticos) e acionar todas as termelétricas entre junho e novembro deste ano.

O plano traçado pelo ONS indica que, se a operação for mantida sem as alterações propostas, haverá “perda do controle hidráulico de reservatórios da bacia do Rio Paraná” no segundo semestre. Isso significaria que as usinas teriam de operar como se não tivessem reservatórios, dependendo de chuvas para manter o funcionamento e arriscando paralisações – cenário que é classificado pelo ONS como apenas hipotético.

A avaliação de momento é de que as medidas aprovadas pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) serão suficientes para afastar determinações mais impopulares, como racionamentos de energia ou mesmo de água, para superar os atuais reflexos da falta de chuvas nos meses tradicionais. Entretanto, haverá motivo para preocupação caso a água continue escassa entre o final de 2021 e os primeiros meses de 2022.

Para Paulo Cunha, da FGV Energia, as simulações do ONS que descartam falta de energia neste ano são “muito críveis”, “mas se eventualmente sobrevier ao período seco um período úmido muito parco no ano que vem, aí sim poderemos chegar a uma situação de racionamento”.


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By valeon

3 thoughts on “O que o país fez (e ainda pode fazer) para evitar um racionamento de energia”
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