A Eletrobrás faz de conta que é uma empresa ‘do Estado’ e a serviço da população
J. R. Guzzo, O Estado de S.Paulo
Em nenhum lugar da vida pública do Brasil uma das mais notáveis Leis Gerais da Sabedoria Popular, aquela segundo a qual não existe limite para o pior, se aplica tão bem quanto no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Olhem que não é fácil, num país onde existe, por exemplo, um Supremo Tribunal Federal como este, em que um ministro foi reprovado duas vezes no concurso para juiz de direito e outro foi nomeado porque tomava tubaína com o presidente da República – isso para não falar de prodígios que só as instituições deste país conseguem produzir, como o fato de que o principal candidato da oposição à Presidência da República em 2022 é um homem que foi condenado legalmente como ladrão na Justiça brasileira, por corrupção e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes.
Mas o Congresso brasileiro é uma história de “superação”, como se diz nos cursos de autoajuda – opera em corrente contínua, sem mudar nunca a direção do fluxo, e em sistema de progressão geométrica. A determinação de prejudicar o interesse público em favor do interesse pessoal dos senadores e deputados é sempre a mesma. Os prejuízos que impõe para a sociedade vão sempre dobrando; hoje tomam dois, amanhã tomam quatro, depois de amanhã tomam oito e por aí segue a vida. Em todas essas ocasiões, é claro, o PT, seus partidos vassalos e a esquerda se juntam, de corpo e alma, com os políticos que apoiam o governo, para aprovar o que querem e rejeitar o que não querem. Eis aí: estão no mesmo bonde, de mãos dadas, Lula e o “genocida”, que nessas horas deixa de ser genocida e passa a ser um grande parça do “campo progressista”.
O último surto é essa contrafação armada na privatização da Eletrobrás – um conto do vigário gigante, em que os políticos arrancaram dos bolsos do público tudo o que quiseram arrancar, e deixaram a população brasileira com um belo relógio suíço fabricado no Paraguai. Essa aberração inventada 59 anos atrás, no delírio de estatização que encantava então o Terceiro Mundo, é uma das responsáveis “master” pelo atraso do Brasil. Não é que ajude o atraso: é o próprio atraso, como todo o Estado brasileiro, pois se dedica 24 horas por dia a servir interesses privados e a desviar para seus bolsos recursos que pertencem ao público. Seus agentes dizem, é claro, que se trata de uma empresa “estratégica”, executora de “políticas energéticas” e dedicada a promover dia e noite o desenvolvimento do Brasil, sobretudo nas áreas “mais pobres”. Conversa fiada, do começo ao fim.
A Eletrobrás, como tantas outras estatais, é um parasita que há seis décadas privatiza para o interesse pessoal, o proveito político e o lucro financeiro dos amigos dos governos, e dos amigos dos amigos, a produção e a distribuição da energia elétrica no Brasil. Faz de conta, como as demais, que é uma empresa “do Estado” e a serviço da população. Na vida real, é propriedade mais do que privada de alguns milhares de espertos que têm algum tipo de influência nos governos federal, estaduais e municipais; dos seus diretores e altos funcionários, com o seu caminhão de benefícios extravagantes; dos políticos que as utilizam como um dos mais notórios cabides de emprego do Brasil; dos fornecedores. É por aí.
Tentava-se mais uma vez agora, como já se tentou no passado, privatizar a Eletrobrás – a única maneira de eliminar suas taras e atender aos interesses da população brasileira, pois ali dentro nenhuma reforma é possível. Mas os deputados e senadores desfiguraram de tal forma o projeto, na defesa dos seus privilégios, que a desgraça toda ficou maior do que já era. Realmente, não há limite para o pior.
*JORNALISTA
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