A banalização da palavra ‘negacionista’
Por
Cristina Graeml – Gazeta do Povo
No rol de palavras repetitivas, usadas para consolidar narrativas políticas e ideológicas, uma tornou-se insuportável de ouvir, tamanho o exagero de uso nesses tempos de pandemia. A palavra é ‘negacionista’.
Pronunciada à exaustão, por meses a fio, de forma vazia, acusatória e leviana, diz mais sobre quem fala do que sobre as pessoas para quem se dirige. Os “donos da verdade”, que incluíram mais esta pérola no vocabulário recente, sentem-se no direito de julgar todo mundo, de pessoas comuns a profissionais de saúde, pesquisadores e autoridades.
Para os adeptos da palavrinha maldita, bastou defender algo que eles repudiam, como a autonomia dos médicos e o direito que os pacientes têm de ser tratar logo no início dos sintomas, para classificar a pessoa de negacionista e culpá-la até mesmo pelas mortes por Covid.
Desde quando alguém que reconhece a necessidade de se tratar está negando a existência e o perigo da doença? É justamente o contrário. Quem acha que não precisa se tratar, que pode ficar esperando para ver se os sintomas se agravam, é que está minimizando os riscos reais de morrer.
Depois de meses incomodada com o uso indiscriminado e errado da palavra ‘negacionista’, decidi aproveitar essa ideia, banalizada ao extremo, para apontar o que talvez se comprove o maior erro dessa pandemia: o negacionismo do tratamento imediato aos doentes.
Politização da morte e do luto alheio
Na última segunda-feira (21), enquanto muitos se distraíam com as manobras da CPI do Senado, que não quer investigar nada, não está nem aí para os doentes ou mortos de Covid, busca só enfraquecer ou incriminar o presidente da República, a Câmara dos Deputados realizou uma sessão que deveria ter sido vista por todos os brasileiros.
Não era para discutir nada relacionado à pandemia, mas como o Brasil tinha acabado de ultrapassar a triste marca dos 500 mil mortos, usaram a sessão como palanque para os discursos populistas de sempre.
Durante as quase seis horas em que os deputados estavam definindo o texto da medida provisória para viabilizar a privatização da Eletrobras, inúmeros deles usaram a tribuna, mesmo que virtual, para um espetáculo digno do que temos visto na casa ao lado, o Senado Federal.
Vários deputados do PT, Psol e de praticamente todos os partidos de esquerda, que adoram jogar para a plateia e que, assim como quase todos os senadores da CPI, vivem tentando achar um jeito de incriminar o governo federal pelas mortes da pandemia, passaram uma tarde inteira sambando em cima dos caixões.
Fizeram o tradicional teatro, com plaquinhas estampando o número de vítimas fatais, para simular empatia pelas famílias, quando na verdade o discurso tinha o único objetivo de tentar atribuir ao presidente a responsabilidade pelas 500 mil mortes.
Há culpados pelas mortes?
Nessa sessão macabra, para variar, politizaram o tema e insistiram na tese de que não é um vírus que está matando e sim, alguém muito irresponsável e mal-intencionado. Em parte os críticos até têm razão, mas o canhão está sempre virado para o lado errado.
Se é para achar culpados há, sim, muitas possibilidades, embora até agora nenhuma delas tenha sequer esbarrado na CPI que se propôs justamente a isso.
Alguns prefeitos, governadores, secretários de saúde e outros funcionários públicos municipais e estaduais são suspeitos de desviar dinheiro da saúde seja na construção de hospitais de campanha que mal foram usados ou na compra de respiradores superfaturados, muitos sequer entregues.
O STF pode ter blindado governadores e prefeitos para que não precisassem depor; os senadores podem não querer ouvir esses políticos, mas a polícia federal, o Ministério Público e os tribunais de Contas estão atrás e ainda vamos ouvir falar desses casos. A verdade vai aparecer.
Tapa com luva de pelica no fim da sessão
Voltando à sessão de segunda (21) na Câmara Federal… Não foi pelos discursos deploráveis de deputados de esquerda que as seis horas de debates deveriam ter sido acompanhadas por todos os brasileiros. Foi pelo que disse o deputado Diego Garcia (Podemos-PR) no fim da sessão.
Ele aguentou ouvir barbaridades ao longo de uma tarde inteira mesmo estando afundado na dor do luto pela morte recente do pai, um dos 500 mil brasileiros vítimas fatais da Covid. Ao final da sessão pediu a palavra para escancarar quem são, na sua opinião e na de milhões de brasileiros, os verdadeiros patrocinadores das mortes por Covid no Brasil.
Num desabafo emocionado e autoexplicativo Diego Garcia conta como perdeu o pai de repente, aos 63 anos, sem qualquer comorbidade. É triste saber os detalhes do “vá para a casa e espere ter falta de ar”, especialmente quando sabe-se que não houve descuido.
Diego Garcia diz que o pai não era negacionista dos riscos da doença, buscou ajuda logo no primeiro dia de sintomas, mas foi mal oreintado. Quando o deputado se deu conta do que acontecia e encaminhou toda a família para acompanhamento com outro profissional de saúde, conseguiu salvar a mãe, o irmão, a cunhada e sobrinhos, que também estavam contaminados.
O pai já estava em fase mais avançada da doença. Não cabia mais, portanto, o tratamento precoce. Conforme preconizam os médicos que vêm tratando doentes com remédios off label a medicação costuma evitar a proliferação do vírus e a consequente tempestade inflamatória se for administrada nos primeiros dias de sintomas.
O relato ganha ainda mais peso quando o deputado revela que ele e a esposa, grávida de 37 semanas, também contraíram Covid, consultaram um médico em Brasília e, tal qual aconteceu com o pai, não houve qualquer orientação de tratamento, apenas para voltar para a casa e esperar.
Um segundo profissional de saúde consultado, do grupo que não se deixa contaminar pelo medo e pela patrulha dos negacionistas do tratamento, prescreveu a medicação e começou o acompanhamento pelos 5 dias em que se recomenda tomar os remédios. Ambos se curaram rapidamente.
Para ver o vídeo completo do desabafo do deputado na sessão de segunda na Câmara Federal clique aqui. Um trecho editado está disponível na versão deste artigo em vídeo no topo da página.
Dúvidas de quem ser recusa a ser negacionista
Perguntas incômodas vêm à mente depois de assistir à fala de Diego Garcia e todas remetem à palavra negacionista, especialmente às pessoas que se utilizaram dela tantas vezes nos últimos meses a ponto de terem interditado um debate tão importante quanto o da autonomia médica e o do direito de pacientes a buscar todos os tratamentos possíveis, especialmente durante uma pandemia.
Quantas mortes poderiam ter sido evitadas se os pacientes tivessem recebido orientação para procurar um médico logo após os primeiros sintomas? Quantos pacientes teriam conseguido evitar o avanço da doença se médicos e prefeitos não tivessem criminalizado o tratamento e ao menos encaminhassem para outro profissional os doentes que quisessem tentar se tratar?
Que número estaria estampado nas plaquinhas dos deputados lacradores se antivirais usados há décadas, e nunca antes associados a qualquer efeito colateral grave, tivessem sido prescritos também por médicos que assumiram postura negacionista do tratamento? E quão mais vazios estariam os hospitais a essa altura do campeonato?
Nada trará de volta as vidas que se foram. Mas seria prudente abolir o uso indiscriminado da palavra negacionista, com todos os preconceitos que ela carrega, e apoiar de uma vez por todas os médicos que estão salvando milhares de vidas mesmo em meio a perseguição, ataques infundados e a acusações de todos os tipos.
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