Gostaria de saber como os jovens de hoje reagem a ‘O Apanhador no Campo de Centeio’
Sérgio Augusto, O Estado de S.Paulo
Para brasileiros e uruguaios, 16 de julho é uma data histórica pelo que aconteceu no Maracanã no jogo decisivo da Copa de 1950. Na história da literatura, o dia de ontem pertence a Catcher in the Rye, o romance que celebrizou J.D. Salinger, lançado pela Little, Brown justo um ano depois do Maracanazo, e aqui traduzido, tempos depois, pela visionária Editora do Autor (de Rubem Braga e Fernando Sabino) com o título de O Apanhador no Campo de Centeio.
Muita gente lamenta não o ter lido na idade mais adequada: a de seu protagonista e narrador, Holden Caulfield – ou seja, aos 16 anos – para plenamente usufruí-lo. Tal purismo, como quase todo purismo, me parece altamente discutível. John Updike, por exemplo, só o leu aos 23, embora já lhe conhecesse alguns trechos que um companheiro de quarto na Universidade Harvard vivia a recitar obsessivamente.
Sou desse grupo de “retardatários”. Era cinco anos mais velho do que Caulfield quando devorei o livro pela primeira vez.
Já conhecia algumas coisas de Salinger, publicadas na revista Esquire e o conto Um Dia Ideal Para os Peixes-Banana, publicado na revista Senhor, quando, em outubro de 1963, à procura de um pocket book no aeroporto que ainda se chamava apenas Idlewild (John Kennedy só seria assassinado no mês seguinte), para amainar o frisson de minha primeira viagem de Nova York a Los Angeles, bati os olhos em The Catcher in the Rye, na clássica edição da Signet, com o herói carregando uma mala numa rua de Manhattan.
Se a revista The New Yorker já fizesse parte de minha vida, teria lido várias outras narrativas curtas depois reunidas em Nove Estórias, também traduzidas pela Editora do Autor. Década e meia mais tarde, ao folhear uma Esquire de outubro de 1945, comprada no sebo ambulante que fazia ponto na calçada do Teatro Municipal do Rio, deparei com o que me pareceu ter sido o primeiro conto de Salinger publicado num veículo de grande expressão. Com outro título intrigante (This Sandwich Has No Mayonnaise), era introduzido na abertura da revista com uma foto e um bilhete do autor.
Salinger não se deixava fotografar, mas ali estava ele, fardado, na frente aliada. “Tenho 26 anos de idade e quatro de Exército”, dizia o bilhete. “Passei os últimos 17 meses além-mar. Desembarquei na praia de Utah, no Dia D, com a Quarta Divisão, e estive no 12º Batalhão de Infantaria até o final da guerra.” Era contista desde o 15 anos e no início sentira bastante dificuldade para “escrever de maneira simples e natural”. Fechando o bilhete, esta promessa, cinco ou seis anos depois desmentida: “Sou um velocista, não um fundista, e provavelmente nunca escreverei um romance”.
Tendo como pano de fundo um campo militar debaixo de chuva, o “sanduíche sem maionese” tinha como narrador o soldado Vincent Caulfield, que deixara na América um irmão, Holden, e uma irmã, Phoebe. Pensei estar diante do embrião de Catcher in the Rye. Vincent, pouco depois descobri, efetivamente despontara num relato sobre o último dia de sua última folga no quartel, Last Day of the Last Furlough, publicado 15 meses antes na Saturday Evening Post.
Nesse conto, o soldado Vincent já se manifestava preocupado com o paradeiro de Holden no Exército. O irmão não desertara; apenas desaparecera, provavelmente morto em combate, com 19 anos. Porém, pelas minhas contas, Holden seria uma criança de 10 anos em 1944. Vincent morreria no conto The Stranger. Holden seria introduzido oficialmente, e já descrito como um típico adolescente neurótico do pós-guerra, em I’m Crazy, publicado na revista Collier’s.
Nenhum desses contos foi incluído em Nove Estórias, desprezo estendido, ainda mais inexplicavelmente, a Slight Rebellion on Madison. Publicado na última edição da The New Yorker de 1946, era quase um trailer do Apanhador, com Holden dotado de um sobrenome adicional (Morrissey), patinando com Sally Hayes na pista de gelo do Rockefeller Center e indo com ela assistir a uma peça na Broadway, com Alfred Lunt e Lynn Fontanne.
“Esse rapaz é louco”, argumentou o primeiro editor nova-iorquino a devolver os originais de The Catcher in the Rye. Irritado, Salinger entregou-os à Little, Brown de Boston. Rompendo com sua regra de não selecionar obras de estreantes, o Livro do Mês americano indicou-o como leitura para o verão de 1951. Em cinco semanas, já era o livro do ano. Nunca deixou de ser um best-seller mundial.
De louco Caulfield nada tem. Personagem-símbolo da rebeldia teen dos anos Truman-Eisenhower, cheio de prevenções contra a impostura dos adultos, dos “phonies” de ambos os sexos, já o compararam a James Dean, Jesus, Hamlet e Don Quixote.
Os “phonies” mais carolas encrencaram com os 237 “goddams”, os 58 “bastards”, os 31 “Chrissakes” e expletivos do gênero proferidos pelo personagem, contra o qual moveram uma campanha moralizante, tenaz, mas infrutífera. Faz tempo que o Apanhador é leitura obrigatória no ensino médio – com o egrégio timbre de Faulkner, Harold Bloom, Updike, entre outros.
Gostaria de saber como os adolescentes de hoje reagem ao romance e se relacionam com Caulfield e sua desbocada impaciência com os adultos (“costumam dormir de boca aberta”), seu cinismo nervoso e sua opinião, para muitos preconceituosa e generalizante, mas inegavelmente divertida, sobre as mulheres (“sempre deixam a bolsa por onde a gente passa”), os professores (“ridículos”), as mães (“todas piradas”), e a Bíblia (“Jesus é legal, mas o resto é chato”).
Harold Bloom o releu. Achou-o ainda comovente, mas meio enjoativo. Eu ainda estou tomando coragem.
É JORNALISTA E ESCRITOR, AUTOR DE ‘ESSE MUNDO É UM PANDEIRO’
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