Editorial
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Gazeta do Povo

05/12/2017- São Paulo- Impostômetro passa de 1 Trilhão Foto: Paulo Pinto

Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo.| Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas

Os tributos pagos pelas pessoas e pelas empresas no Brasil resultam da soma de impostos, taxas e contribuições, e são cobrados pelos três entes federativos: municípios, estados e União. A princípio, um sistema tributário deve ser estruturado de tal forma que uma fração de toda a renda nacional (idealmente, nunca mais que um terço) seja entregue ao setor público a fim de pagar os serviços coletivos oferecidos pelo governo. Nesses serviços coletivos estão, além de outros, a defesa nacional, a segurança pública, a justiça, a saúde, a educação, os programas sociais e as obras de infraestrutura que a sociedade convencionou deixar a cargo do setor estatal.

É comum na maioria dos países a imposição de tributos sobre rendas (salários, aluguéis, juros e lucros), consumo e propriedades. Por salários deve-se entender toda renda do trabalho, qualquer que seja o nome contábil ou jurídico que tenha. O Brasil introduziu distorções na lógica tributária. Como exemplo, há bens e serviços tributados quando são produzidos e vendidos e, de novo, quando são consumidos, o que de início já é uma bitributação, pois no preço do produto adquirido pelo consumidor já estão calculados todos os insumos que entraram na cadeia produtiva daquele produto. Mas há um fenômeno do qual pouco se fala e sobre o qual pouco se conhece: a multitributação. Um caso de multitributação é o automóvel.

Quando o resultado das contas públicas melhora em função de crescimento na arrecadação tributária derivado da inflação, quem paga é a sociedade – pessoas e empresas

Os fornecedores dos materiais que entram na fabricação do automóvel pagam vários tributos (inclusive contribuições sociais sobre as receitas); o fabricante paga outra carga de tributos quando produz e vende às revendedoras; estas pagam tributos quando vendem ao consumidor; todos pagam tributos sobre o faturamento e os lucros de suas atividades; e a carga é tão grande que o consumidor adquire o bem por um preço do qual quase metade se refere à carga tributária da cadeia produtiva e comercialização do veículo. No preço final de um automóvel, o total de tributos incidentes no processo completo é superior a 40%. Assim, quando o proprietário paga 3,5% sobre o valor do veículo a título de IPVA, sob o argumento de que esse imposto se destina a sustentar a infraestrutura de ruas e rodovias que o veículo utiliza, ele está pagando tributo sobre tributo.

Mas, além da multitributação no sistema de produção, circulação, consumo e posse, que sobrecarrega pesadamente a sociedade, outro fenômeno que aumenta a arrecadação do governo, mas passa despercebido para muitos, é a inflação. Como os impostos indiretos (como IPI e ICMS), as contribuições (como Cofins e PIS) e o imposto sobre propriedade (o IPVA) incidem sobre o valor de venda dos bens e serviços, a cada vez que os preços sobem, o governo leva sua fatia do faturamento que foi aumentado por força da inflação. O total de tributos arrecadados pelos municípios, estados e União é uma fração da expressão monetária do produto nacional (que é igual à renda nacional) e, se os preços sobem, maior é a arrecadação do governo.

VEJA TAMBÉM:
A inflação desacelera, mas não dá trégua (editorial de 9 de julho de 2021)
A segunda “fatia” da reforma tributária (editorial de 28 de junho de 2021)
Inflação: o inimigo que nunca desiste (editorial de 11 de abril de 2021)
Neste início de segundo semestre de 2021, tendo a inflação medida pelo IPCA atingido 8,35% nos últimos 12 meses, já se constatou aumento na arrecadação tributária do governo. Embora o Produto Interno Bruto (PIB) no início de 2021 tenha apresentado crescimento, a elevação da arrecadação tributária vai além do efeito PIB e teve a ajuda da inflação. Quando o governo gasta fazendo compras de insumos para suas obras e serviços, ele se prejudica com o aumento de preços. Porém, a maior rubrica de despesa pública é salário do funcionalismo, e é comum o governo não repassar a inflação simultaneamente para os salários dos servidores, evitando que o gasto com pessoal suba na mesma proporção da arrecadação.

Enquanto empresários lutam para repassar a inflação de custos nos preços de seus produtos e os trabalhadores lutam para obter reajuste salarial que reponha o poder de compra corroído pela inflação, a receita de tributos é indexada no exato momento em que a inflação ocorre e o governo tem sua receita aumentada no momento mesmo em que os preços dos bens e serviços sobem. O governo se defende da inflação e a repassa para a sociedade, pois os tributos, em sua maioria, incidem sobre receitas de vendas nominais. Outra forma de o governo se beneficiar com a inflação é pela redução do valor real dos títulos da dívida pública emitidos no passado e, também, por pagar menor taxa de juros real sobre seus títulos novos (taxa nominal de juros menos a taxa de inflação). Quando o resultado das contas públicas melhora em função de crescimento na arrecadação tributária derivado da inflação, quem paga é a sociedade – pessoas e empresas. Inflação é uma forma de imposto sem lei.


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By valeon

4 thoughts on “Como a inflação se torna um imposto”
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