Editorial
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Gazeta do Povo

As torres do World Trade Center em chamas após o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001.| Foto: Jason Szenes/EFE/EPA

Os ataques terroristas às Torres Gêmeas do World Trade Center e ao Pentágono, em 11 de setembro de 2001, são um desses eventos definidores de uma era. O “curto século 20”, subtítulo de um livro do historiador marxista Eric Hobsbawm, começara com a Primeira Guerra Mundial, em 1914, e terminara com a derrocada da União Soviética, em 1991. Os dez anos que se seguiram, entre o colapso do império comunista e os atentados em solo americano, foram uma espécie de intervalo em que parecia ter predominado o conceito de “fim da História”, de Francis Fukuyama – uma vitória incontestável do capitalismo, que se impunha como sistema hegemônico após o fim da Guerra Fria. O 11 de Setembro veio para mostrar que talvez Samuel Huntington, com sua tese de “choque de civilizações”, tivesse mais razão ao prever novos modelos de antagonismo, não tanto entre nações ou impérios, mas entre culturas.

Este 20.º aniversário do ataque é marcado especialmente pelas consequências imediatas da retirada norte-americana do Afeganistão, recentemente concluída e amplamente criticada interna e externamente pela forma como o país foi praticamente entregue às mãos dos extremistas do Talibã, na prática retornando o exato statu quo de antes dos atentados. Apenas com muita ingenuidade é possível crer nas promessas de “moderação” do “novo Talibã”, que já deu mostras suficientes de ser igual ou pior que o “velho Talibã” desalojado pelos norte-americanos, pois a repressão a mulheres e minorias já começou.

Como é possível que o mundo, hoje, esteja menos seguro e estável que 20 anos atrás, apesar das infinitas somas gastas na “guerra ao terror”?

Errou Donald Trump quando, sob o pretexto válido de encerrar a presença norte-americana no Afeganistão, aceitou dialogar com quem não merecia confiança. E errou ainda mais Joe Biden quando, em primeiro lugar, insistiu na retirada quando o Talibã já havia demonstrado não estar disposto a cumprir o acertado com Trump; e, em segundo lugar, pela maneira atabalhoada com que fechou a retirada. Até mesmo cidadãos norte-americanos foram deixados para trás, sem falar dos afegãos que colaboraram de alguma forma com as forças dos Estados Unidos nestas duas décadas e, por esse motivo, estão praticamente marcados para morrer nas mãos dos extremistas islâmicos.

Mas, se o Afeganistão volta 20 anos no tempo para ser o que era antes da invasão norte-americana, o mesmo não pode ser dito de vários outros países, o que levanta uma série de dúvidas sobre o sucesso – não sobre a necessidade, que fique claro – da “guerra ao terror”. O mundo se livrou de ditadores sanguinários como o iraquiano Saddam Hussein e o líbio Muamar Kadafi, mas o que veio em substituição a eles não foi a democracia ocidental, com respeito a direitos humanos e liberdades individuais, e sim o caos. O Estado Islâmico ascendeu no vácuo de poder deixado pela retirada norte-americana do Iraque, invadido sob o pretexto de ter armas de destruição em massa cuja existência acabou não comprovada. A queda de Saddam Hussein, aliás, encerrou um dos poucos regimes da região que tinham viés mais laico e que, a despeito de todas as barbaridades cometidas, garantiam alguns direitos de minorias religiosas e serviam de anteparo ao extremismo islâmico – o outro caso é o da Síria, devastada há anos por uma guerra civil.


A ascensão do extremismo islâmico e o aumento da instabilidade no Oriente Médio e norte da África levaram a Europa a viver duas crises simultâneas. A primeira foi o aumento do fluxo de refugiados, que nem sempre mostraram disposição em assimilar a cultura dos locais que os recebiam. A segunda foi o recrudescimento da atividade terrorista em solo europeu, que talvez só encontre paralelo nos anos 70 e 80 do século passado, quando o continente era aterrorizado por palestinos, grupos europeus de extrema-esquerda como o Baader-Meinhof e as Brigadas Vermelhas, e terroristas nacionalistas como os bascos do ETA e o Exército Republicano Irlandês. O jihadismo voltou a atacar a Europa em 2004, explodindo trens em Madri, e não parou desde então, com o auge dos atentados entre 2015 e 2017, incluindo os episódios do Charlie Hebdo e da boate Bataclan, ambos em Paris, e os ataques usando caminhões e vans em Nice, Berlim, Barcelona, Estocolmo e Londres.

Como é possível que o mundo, hoje, esteja menos seguro e estável que 20 anos atrás, apesar das infinitas somas gastas na “guerra ao terror”? Tarefas foram levadas a cabo pela metade e houve várias escolhas equivocadas, incluindo as de aliados: é incompreensível, por exemplo, a leniência norte-americana com o Paquistão, país onde Osama Bin Laden foi encontrado e morto em 2011 e que também sempre foi suspeito de abrigar e bancar terroristas; ou com a Arábia Saudita, país de origem de Bin Laden e de 15 dos 19 sequestradores do 11 de Setembro, e que promove uma vertente extremista do Islã, o wahabismo. O que sobrou em dinheiro faltou em inteligência e estratégia, tornando a luta contra o terror ainda mais difícil de vencer.


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