Editorial
Por
Gazeta do Povo
A senadora Simone Tebet (MDB-MS).| Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado.
Apesar de o país ter assuntos muito mais importantes exigindo ação imediata – a pandemia de Covid-19, a inflação e o desemprego em alta, o PIB cambaleante, as agressões contra liberdades individuais, as grandes reformas econômicas –, a Câmara dos Deputados dedicou esforço considerável, nas últimas semanas, a “não prioridades”, como implantar retrocessos na legislação eleitoral. Primeiro, veio a PEC 28/2021, da reforma eleitoral, que traz de volta as coligações nas eleições proporcionais; e, mais recentemente, os deputados votaram o novo Código de Processo Eleitoral de forma bastante apressada para um texto tão importante e com centenas de artigos, com uma série de minúcias e sutilezas que dificultarão a identificação e a punição de crimes eleitorais.
A pressa dos deputados tem explicação: se o Congresso quiser que quaisquer novas regras eleitorais se apliquem já no pleito de 2022, elas precisam estar promulgadas (no caso da PEC) ou sancionadas (no caso do projeto de lei do Código Eleitoral) até os primeiros dias de outubro, devido ao princípio da anualidade. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pressiona sutilmente seu colega do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG): diz que apenas espera ver os projetos pautados, “sem compromisso nenhum de resultado”, mas a mensagem não é nada difícil de decifrar: Lira quer a PEC e o Código Eleitoral aprovados – e logo.
O Senado pode cumprir um papel duplo: o de “desacelerar” as tramitações e o de aprimorar os textos recebidos da Câmara, removendo tudo o que não beneficia a lisura do processo eleitoral
Neste contexto, o Senado ganha papel fundamental para que os retrocessos não acabem transformados em lei ou inseridos na Constituição. Quando da votação da PEC da Reforma Eleitoral na Câmara, Pacheco já havia dito que os senadores eram refratários às mudanças e gostariam de manter o que foi definido em 2017. A PEC já está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado; a relatora Simone Tebet (MDB-MS) já retirou a volta das coligações em seu substitutivo e, de forma inteligente, rejeitou todas as emendas que incluíam novidades na PEC. Isso porque, se o Senado aprovar a PEC com acréscimos, ela volta à Câmara, onde os deputados poderiam desfazer o trabalho de Tebet e trazer de volta as coligações. Caso o Senado não inclua nada e apenas retire trechos, a PEC segue direto para a promulgação se for aprovada. De qualquer forma, o Senado precisaria correr para que as demais mudanças possam valer em 2022, porque a votação do substitutivo na CCJ está marcada para o próximo dia 22, deixando apenas poucos dias para as duas votações em plenário.
Quanto ao Código Eleitoral, diversos senadores já manifestaram seu desagrado. Primeiro, com a pressão por uma votação célere de um projeto tão extenso; com razão, eles não querem ser vistos como meros “carimbadores” do que vem da Câmara – reclamação idêntica ocorreu anos atrás, quando era hábito dos deputados aprovar medidas provisórias às vésperas de caducarem, deixando ao Senado prazos mínimos, às vezes de um ou dois dias, para que votassem o texto. Mas não é apenas o prazo que os incomoda; também o conteúdo está sendo rejeitado por vários parlamentares, e com toda a razão, pois o Código aprovado na Câmara afrouxa muito as regras de fiscalização e elimina crimes eleitorais, além de instituir absurdos como a inelegibilidade temporária para certas categorias, como policiais, militares, juízes e membros do MP.
O Senado, assim, pode cumprir um papel duplo: o de “desacelerar” a tramitação, especialmente do Código Eleitoral, para que os senadores possam realizar um necessário pente-fino em um texto tão longo e para que a sociedade toda tenha a chance de contribuir para a discussão, já que a pressa adotada na Câmara quase inviabilizou o debate; e o de aprimorar os textos recebidos da Câmara, removendo tudo o que não beneficia a lisura do processo eleitoral. Afinal, não há motivo para correr se a razão da corrida é mudar para pior.
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