MATHEUS TEIXEIRA – FOLHA

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Sob risco de sofrer alterações em razão de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) em curso na Câmara, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) costuma evitar pautas polêmicas e tem histórico de arquivamento de processos de grande repercussão.

*** FOTO DE ARQUIVO *** BRASILIA, DF, 14-09.2021 - O presidente da Petrobras, General Joaquim Silva e Luna, participa de comissão geral da câmara dos deputados, presidida pelo presidente da câmara deputado Arthur Lira (FOTO) (PP-AL), para falar sobre a política de preços dos combustíveis da empresa. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)© Fornecido por Folha de S.Paulo *** FOTO DE ARQUIVO *** BRASILIA, DF, 14-09.2021 – O presidente da Petrobras, General Joaquim Silva e Luna, participa de comissão geral da câmara dos deputados, presidida pelo presidente da câmara deputado Arthur Lira (FOTO) (PP-AL), para falar sobre a política de preços dos combustíveis da empresa. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

O conselho é integrado por atores de diferentes ramos do Judiciário, do Ministério Público e da advocacia e vive uma guerra interna, com diferentes visões sobre os limites de atuação de investigadores.

A composição heterogênea do colegiado dificulta a construção de consensos e leva ao adiamento de diversos julgamentos importantes.

Desde que iniciou as atividades, em 2005, o conselho autuou 6.150 reclamações disciplinares. Do total, 307, menos de 5%, resultaram em punição a promotores e procuradores, sendo 22 casos de demissão, pena mais dura.

Os defensores da PEC citam números e alegam que é necessário promover alterações no órgão para torná-lo mais eficiente. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já disse que o texto visa levar ao “fim da impunidade em um órgão muito forte”.

Associações de classe do Ministério Público, por sua vez, afirmam que estão abertas a aperfeiçoamentos, mas dizem que a PEC em discussão representa uma tentativa de ingerência política no órgão que pode acabar com a autonomia e independência da carreira.

A última versão da proposta aumenta de 14 para 17 o número de conselheiros e amplia de 2 para 5 o número de assentos escolhidos pelo Congresso.

Determina ainda que o cargo de corregedor, um dos mais importantes, acumulará a vice-presidência do colegiado e será eleito pelo Congresso entre quem foi ou é chefe de ministérios públicos estaduais.

Para as entidades que representam procuradores e promotores, as mudanças aumentam de maneira indevida a influência política no órgão porque os representantes de fora da carreira passariam a ser maioria no conselho, além de a atribuição de escolher o responsável pela corregedoria ser retirada da instituição.

Há anos, porém, a classe política reclama de uma suposta inação do conselho em relação aos desvios de integrantes do Ministério Público e tenta emplacar propostas para interferir no trabalho do órgão.

A insatisfação com o CNMP aumentou principalmente após a Lava Jato, em razão da compreensão de congressistas de que o colegiado é corporativista e hesita em punir promotores e procuradores.

Apesar de sempre ter existido essa vontade de parte dos políticos, este é o momento de mais força da pauta no Congresso, o que tem causado mais preocupação em integrantes do Ministério Público.

A PEC em discussão na Câmara tem apoio amplo, que vai de partidos de esquerda até aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A proposta tem simpatia de deputados por causa da pressão de prefeitos, governadores e gestores públicos em geral.

Fora a disputa entre a classe política e o órgão em razão de grandes operações contra corrupção desencadeadas após a Lava Jato, também há reclamações em relação a medidas de promotores contra chefes de Executivos regionais e secretários por fiscalizações que extrapolariam suas atribuições e acabam por engessar a máquina pública.

Apesar dos apoios, o movimento contra a PEC também ganha força pelo temor de congressistas indecisos em se posicionar contra o Ministério Público e serem acusados de atrapalhar os trabalhos.

Além disso, há uma questão matemática. Para ser aprovada, a PEC precisa dos votos de três quintos da Casa.

A insegurança dos entusiastas da proposta em relação à quantidade de votos que terão em plenário já levou ao adiamento por duas vezes da votação da matéria e a mudanças no texto que irá a plenário.

A intenção, porém, é levar a PEC ao plenário em breve. Se passar pela Câmara, o texto irá para o Senado, onde também precisará de três quintos dos votos para ser aprovado.

A inação em relação a desvios de membros da carreira e a falta de resposta a casos de repercussão, mesmo que para rejeitar punições, têm sido os principais argumentos dos defensores da PEC.

A demora do conselho em situações mais rumorosas ficou clara, por exemplo, na discussão da representação apresentada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra os procuradores da Lava Jato Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobon por causa da coletiva de imprensa que ambos concederam em 2016 para apresentar, em um PowerPoint, as acusações contra o petista.

O julgamento foi adiado mais de 40 vezes. Em agosto de 2020, o colegiado se debruçou sobre o caso e a maioria entendeu que havia justa causa para abertura de um procedimento disciplinar contra os dois, mas a acusação foi arquivada porque havia prescrito.

As divisões internas dificultam que seja dada mais celeridade aos trabalhos. Recentemente, por exemplo, o procurador-geral da República, Augusto Aras, contou com a ajuda do Senado para construir uma maioria temporária contra a Lava Jato no colegiado.

O Senado travou por quase um ano a aprovação de três representantes para compor o conselho, o que levou à formação de uma maioria mais alinhada à ala garantista, que costuma acusar promotores e procuradores de cometerem excessos em suas funções.

O Senado, que já rejeitou a indicação de defensores da Lava Jato, aproveitou a pandemia para barrar a apreciação de nomes que poderiam reforçar linha favorável aos investigadores no conselho.

Outro ponto da PEC que gerou incômodo no órgão foi o trecho que obriga o conselho a enviar, em 120 dias, proposta de lei complementar que institua o Código Nacional de Ética e Disciplina do Ministério Público brasileiro e do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União.

Promotores e procuradores afirmam que já há normas que regulamentam a atuação da categoria e afirmam que um código de ética poderia ser elaborado pelo próprio CNMP.

Em relação ao dado de que menos de 5% das reclamações disciplinares resultam em punição, a assessoria do conselho afirmou que o número não representa impunidade.

O CNMP disse que a maior parte desses casos se refere a “notícias de fato” sem grande complexidade que podem até merecer punição, “mas são melhor conduzidos pelas corregedorias locais das unidades do Ministério Público, que por estarem próximas do local do fato podem agir com mais rapidez, eficiência e economicidade”. “Nesses casos, a Corregedoria Nacional envia para a corregedoria do MP do membro e fica acompanhando, remotamente, a apuração.”

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