Guedes alerta que é ‘irresponsável’ furar teto de gastos ‘para fazer política, para ganhar eleição’

Idiana Tomazelli e Eduardo Rodrigues

BRASÍLIA – Em meio à pressão para tirar do teto os gastos com o Renda Cidadã, novo programa social que o presidente Jair Bolsonaro quer tirar do papel na esteira do aumento de sua popularidade, o ministro da Economia, Paulo Guedes deu um alerta à ala política do governo. Nesta sexta-feira, 2, ele criticou a ideia de furar o teto de gastos da economia brasileira para “fazer política” e “ganhar eleição”.
Como revelou o Estadão/Broadcast, o relator da PEC que criará o novo programa, senador Marcio Bittar (MDB-AC), tem buscado ampliar sua rede de “conselheiros” e se consultou inclusive com o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que defendeu tirar o novo programa do teto. Isso depois de ter tido divergências com a Economia sobre como financiar o Renda.
“Uma coisa é você furar o teto porque você está salvando vidas em ano de pandemia, e isso ninguém pode ter dúvidas. Se a pandemia recrudescer e voltar em uma segunda onda, aí sim nós decisivamente vamos fazer algo a respeito. E aí sim, é o caso de você furar o teto”, declarou.
© Dida Sampaio/Estadão ‘Uma coisa é você furar o teto porque você está salvando vidas em ano de pandemia’, disse Guedes.
“Agora, você furar teto para fazer política, para ganhar eleição, para garantir, isso é irresponsável com as futuras gerações. Isso é mergulhar o Brasil no passado triste da inflação alta”, prosseguiu. “Tem gente que quer furar teto. Nós não vamos furar o teto. Se a doença vier, nós furamos o teto de novo. Agora, sem doença, furar o teto pra fazer política… É outro governo, não é o nosso.”
Guedes defendeu ainda que é preciso encontrar uma forma de “aterrissar” o auxílio emergencial, pago a informais e desempregados devido à crise da covid-19, e arranjar um meio de incluir os 40 milhões de invisíveis que foram detectados a partir desse programa. “Outro problema diferente é o teto, de onde vem esse dinheiro”, afirmou.
O ministro criticou de forma velada sugestões de tirar o Renda Cidadã do teto de gastos, mecanismo que limita o avanço das despesas à inflação. “Na hora em que País está voltando (após crise da covid-19) você vai para um cenário de irresponsabilidade fiscal?”, questionou. “Tem gente que quer furar teto, mas não vamos furar”, avisou.
Guedes falou à imprensa após críticas feitas pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, em reunião com investidores na manhã desta sexta. Como mostrou o Estadão/Broadcast, Marinho disse que foi Guedes o autor da proposta de usar dinheiro de precatórios para financiar o Renda Cidadã. O ministro da Economia rechaçou a ideia publicamente nesta quarta, 30.
Mais cedo, Guedes já tinha dito que não acreditava nessas possíveis declarações. Mas disse também que, se Marinho falou isso, é “despreparado”, “desleal” e “fura-teto”. Em nota divulgada pouco antes da fala de Guedes, o ministério informou que não houve “desqualificações ou adjetivações de qualquer natureza contra agentes públicos”.
Já no final da noite desta sexta, sem voltar a atacar Marinho, como fez em rápida fala no meio da tarde, Guedes tentou se desvencilhar de polêmicas com colegas do governo e parlamentares. “Deve ser a opinião dele. O Marinho é bem informado e deve entender muito mais de política do que eu”, disse. “A economia está voltando, as reformas prosseguem e daí começam essas lutas paralelas. Não estou interessado em briga. Tento me concentrar na parte econômica. Fico 60 dias sem aparecer, recusando convites para dar entrevista”, acrescentou.
‘Não se acorvadem’
Em defesa do teto de gastos, Guedes convocou a classe política a aprovar as medidas de ajuste e contenção de despesa que fazem parte da PEC do pacto federativo. “Tenham coragem, enfrentem o desafio político, não se acovardem”, disse. O ministro defende essas medidas para abrir espaço no Orçamento para abrigar o Renda Cidadã. “Escolhas são difíceis, mas elas têm que ser feitas”.
Em meio à pressão, Guedes fez questão de dizer que está “retomando” a conversa do pacto federativo com o relator Márcio Bittar (MDB-AC) e disse que a ação política “é importante e decisiva”. Mas ele reconheceu a influência das eleições municipais nas discussões do programa. Segundo o ministro, a proximidade das votações “agudizam os problemas”, que são os dois: a inclusão dos “brasileiros invisíveis” no Renda Cidadã e a fonte de financiamento do programa.
O ministro da Economia defendeu a consolidação de 27 programas sociais já existentes, sem citar quais, e injetar “um pouco mais de recursos que existem”, mencionando o “desconto simplificado para saúde e educação”. “Isso é dinheiro para a classe média alta. Então pega R$ 10 bilhões. Cada R$ 10 bi são 35 reais a mais no Renda Brasil (nome antigo do Renda Cidadã, mas que pode ser retomado)”, disse. O ministro também elencou a possibilidade de tributar dividendos. ”É uma consolidação de programas com uma transferência de renda mesmo. Tem que atacar tudo ao mesmo tempo”, disse.
Teto
O teto de gastos citado por Guedes é uma regra criada em 2016 para segurar as despesas públicas do governo federal. Na prática, ele impede que os gastos do governo cresçam mais que a inflação do período, o que prejudicaria o controle da dívida brasileira.
O governo Jair Bolsonaro tenta viabilizar o Renda Cidadã para incorporar e substituir o Bolsa Família, aumentando o repasse por família. Mas, sob o teto de gastos, o governo ainda tenta encontrar a melhor forma de encaixar os custos adicionais no Orçamento. Nas últimas semanas, o presidente já rejeitou em declarações públicas diversas opções sugeridas pela equipe econômica para abrir espaço nas tabelas – mudanças no seguro-desemprego, no seguro-defeso e no piso das aposentadorias, por exemplo.
Na segunda-feira, 26, após reunião de Bolsonaro com ministros, equipe econômica e líderes partidários no Palácio da Alvorada, o senador Márcio Bittar (MDB-AC) anunciou duas novas ideias de fontes de recursos: o dinheiro que, hoje, é reservado no orçamento para o pagamento de precatórios (dívidas do governo já reconhecidas pela Justiça) e parte do Fundo Nacional de Desenvolvimento e Manutenção da Educação (Fundeb).
As duas fontes sugeridas não levariam ao rompimento do teto de gastos. O dinheiro dos precatórios já está no Orçamento, e seria apenas remanejado. O Fundeb não afeta o teto porque, quando foi criada, a regra de austeridade excluiu gastos com educação e saúde da trava constitucional. A proposta apresentada, no entanto, sofreu críticas de entidades e de parlamentares e gerou impacto negativo no mercado. A ideia de adiar o pagamento de precatórios foi chamada de “calote”, e o uso do Fundeb foi visto como tentativa de “burlar” o teto.
Mal-entendidos
Guedes voltou a tentar justificar eventuais mal-entendidos com o que chama de espontaneidade e negou qualquer tipo de problema com outras autoridades. “Reconheço e elogio o trabalho do Congresso. Não tenho diferença pessoal com ninguém. Nunca ofendi o presidente Rodrigo Maia. Sou espontâneo e transparente. Isso explica minha confiança no presidente Bolsonaro e a dele em mim”, completou.
Ainda assim, Guedes não deixou de criticar os parlamentares. “Tem muita coisa parada no Congresso. Os políticos não deixaram andar a privatização dos Correios, da Eletrobrás e do Porto de Santos. Dizem que havia boatos de acordo de Maia com partidos de esquerda para evitar privatizações. Acordos políticos são legítimos. Também soltaram boatos de que nós na economia não tínhamos proposta de reforma tributária, e temos”, disse.
Guedes também criticou tentativas dentro do próprio governo de se aumentar gastos, sem citar nominalmente desta vez o ministro Marinho. “Dei um R$ 1 trilhão para a Saúde, mas não vou dar R$ 1 trilhão para alguém que quer ficar famoso de forma rápida. Temos um programa liberal muito claro, que é o caminho da prosperidade. A economia está alinhada com o programa liberal e conservador do presidente Bolsonaro, mas tem sempre alguém querendo puxar para outro caminho, da miséria, que a Venezuela seguiu e a Argentina está seguindo.”

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By valeon