Ex-presidente do BC

Por
Isabelle Barone – Gazeta do Povo

Comissão Mista da Medida Provisória (CMMPV) n° 893 de 2019, que transforma o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) na Unidade de Inteligência Financeira, realiza audiência pública interativa. Em pronunciamento, economista, Affonso Celso Pastore. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

O economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, conselheiro econômico de Sergio Moro.| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

O economista Affonso Celso Pastore, 82 anos, ex-presidente do Banco Central entre 1983 e 1985, foi anunciado pelo ex-ministro Sergio Moro (Podemos) como seu “conselheiro” para assuntos macroeconômicos na corrida presidencial em 2022. “É um dos melhores nomes do país”, disse o ex-juiz sobre Pastore em entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo. Recentemente, o economista lançou o livro “Erros do passado, soluções para o futuro – A herança das políticas econômicas brasileiras do século XX”.

Ao jornal Valor, Pastore contou que ainda está em fase inicial de conversa com Moro, e que não tem “visão clara” de como as coisas vão caminhar. Mas quer contribuir de alguma forma. “Vou transmitir a ele o que penso de economia”, disse.

Na mesma entrevista, o economista contou que aposta em três principais pilares para melhorar a economia brasileira: 1) um arcabouço macroeconômico capaz de garantir estabilidade; 2) avanço da agenda de reformas, especialmente a tributária, acompanhada de abertura comercial; e 3) distribuição de renda e combate à pobreza.

“O Brasil precisa de um arcabouço macro que permita estabilidade, um conjunto de regras fiscais que permita uma âncora fiscal junto com a independência do Banco Central, para, no fundo, haver obediência à restrição orçamentária, com toda a flexibilidade que isso possa ter, mas que permita uma economia previsível e estável”, disse ao Valor.

Affonso Pastore é crítico do trabalho do atual ministro da Economia, Paulo Guedes, a quem chegou a se referir como “cheerleader” (chefe de torcida) de Bolsonaro. “Não há política econômica, consequentemente não temos ministro da Economia. Ele no fundo é um propagandista do governo Bolsonaro. Está sendo uma peça no tabuleiro político do presidente Bolsonaro. Ele não é uma peça que está encaixada dentro do tabuleiro no qual se deve jogar um jogo e produzir reformas que aumentem a eficiência da economia brasileira”, afirmou o economista ao UOL.

Pastore é igualmente crítico da gestão de Bolsonaro na condução da pandemia e analisa o atual cenário político como “muito grave”. Segundo ele, o país conseguiu “superar” a pandemia apenas graças à suficiência do Sistema Único de Saúde (SUS) e às vacinas.

A carreira pública de Affonso Pastore

Doutor em economia pela Faculdade de Economia da USP (FEA-USP), em sua carreira pública, além de presidir o BC, Pastore integrou a equipe do ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo Antônio Delfim Netto, em 1966, e posteriormente foi secretário dos Negócios da Fazenda do mesmo estado. No ano seguinte, integrou a equipe de assessores de Delfim quando este se tornou ministro da Fazenda.

Ele também esteve à frente da FEA e desempenhou funções no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e no Instituto de Pesquisas Econômicas (Ipe), Fundo Monetário Internacional (FMI), no Comitê Interamericano da Aliança para o Progresso (Ciap), Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e outros.

Atualmente, o economista é sócio de uma empresa de consultoria de macroeconomia, um dos líderes do Centro de Debate de Política Públicas (CDPP) e mantém uma coluna no jornal O Estado de São Paulo.

A seguir, confira algumas opiniões de Pastore sobre a economia brasileira, publicadas em entrevistas recentes:

Inflação, taxa de juros, PIB
Na perspectiva de Pastore, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022 será “medíocre”, acompanhado de uma alta taxa de desemprego. Contra isso, ele afirma que o único caminho é subir a taxa de juros, como tem feito o Banco Central nos últimos meses.

“A subida de taxa de juros deverá desacelerar o crescimento, de forma que a perspectiva é um ano de 2022 com crescimento muito baixo, com taxa de desemprego alta”, disse ao Poder360.

Reformas e privatizações
Pastore é crítico da morosidade das reformas econômicas sob o governo Bolsonaro. O modelo de reforma tributária que tramita no Congresso, na medida em que tenta corrigir defeitos, gera outros ainda maiores e, portanto, a proposta não deveria ser aprovada, diz ele. A dificuldade da gestão de Guedes em fazer avançar as reformas também foi criticada por Moro. O ex-juiz disse que elas “nunca chegam” e, quando chegam, “são malfeitas”.

No âmbito tributário, o economista vê como imprescindível uma reforma de impostos sobre bens e serviços acompanhada de abertura da economia brasileira ao comércio internacional. “O Brasil continua sendo economia extremamente fechada, e isso inibe o crescimento de produtividade e inovações”, diz.

Para ele, uma das dificuldades em fazer avançar a agenda de reformas e privatizações decorre da gestão muito “centralizada” de Guedes, que, em sua opinião, fica apenas “em promessas”. “[O ministro da Economia] teve sucesso lá atrás, com a reforma da Previdência, aquilo foi muito importante. Foi aprovada reforma trabalhista [no governo Temer], que também é importante, mas a reforma administrativa não andou”

Pandemia e vacina
Em comparação com o Brasil, a comunidade internacional, de modo geral, teve reações muito melhores tanto do ponto de vista sanitário como da economia durante a pandemia de Covid-19, na opinião de Affonso Pastore.

Ele aponta duas principais questões que agravaram o cenário: os problemas já presentes no país e a interrupção da agenda de reformas durante a pandemia. “O Brasil está atrás, porque já tinha muitos problemas econômicos e, com a pandemia, perdeu-se. Interrompemos a agenda de reformas, que poderia ser um passo importante na economia”, disse.

“A Europa, por exemplo, se saiu melhor, ela respeitou a vida humana muito mais do que nós. Quando teve que induzir afastamento social, não hesitou. Poupar vidas é uma obrigação de governo. Foi assim nos Estados Unidos, Austrália, Coreia, Japão, China”, afirmou. O que permitiu ao Brasil “superar” a pandemia de coronavírus, em sua visão, foram o SUS e as vacinas.


Gestão de Bolsonaro e Guedes
O atual cenário político é visto como grave pelo economista que deve acompanhar Moro na corrida presidencial. Ele critica o perfil combativo de Bolsonaro e diz que o presidente da República “não demonstra apreço pela democracia”. Especialmente, Pastore cita a rixa entre o Executivo e o Supremo Tribunal Federal (STF).

“A forma como Bolsonaro governa é criar atritos dentro da sociedade. Tem criado atrito com instituições, como o STF, que teve uma gravidade extraordinária. Não fosse aquela carta de retratação, não sei onde teríamos ido. O presidente, em todas as manifestações públicas, mostra que não tem apreço pela democracia e instituições democráticas. O quadro político do Brasil é muito grave”, disse ele ao UOL.

“O governo, pra mim, é um ‘não governo’, essa é a melhor forma de defini-lo”, disse o economista quando questionado pelo Poder 360. “Não há dúvida de que há um efeito Bolsonaro na crise. Se tivesse um governo eficaz do ponto de vista econômico, e que tivesse feito coalização com partidos dentro do Congresso em nome de um programa, não em nome de uma função de bloquear processo de impeachment, que é o que aconteceu com o Centrão, não tenho dúvida de que o governo seria muito mais eficaz no combate à pandemia e no ajuste econômico. O custo que a sociedade estaria pagando seria muito menor”, afirmou ao veículo.

Pobreza, renda mínima e precatórios
Em referência indireta ao programa Auxílio Brasil, lançado pelo governo para substituir o Bolsa Família, Pastore disse que é possível realizá-lo sem descumprir o teto de gastos — principal âncora fiscal do país — e criticou o que vê como suposta motivação do Executivo com o programa, isso é, transferir recursos em troca de votos. O pagamento do benefício teve início no último dia 17 de novembro — cerca de 14,5 famílias foram contempladas, segundo o governo.

“Jamais vou combater um programa de auxílio a quem está na miséria. Um país democrático e sólido não pode conviver com essas diferenças, temos que fazer alguma coisa”, disse ao UOL. “Mas a motivação pela qual devesse ser criado o programa é assistir pessoas desassistidas. Meu grau de boa vontade com relação ao governo, porém, me diz que ele vai fazer isso porque cada cidadão desse tem um voto.”

Na mesma linha, o economista afirmou ao Poder 360 que o atual governo “não mostra tendência a atender esse tipo de objetivo”, se referindo ao auxílio socioeconômico aos vulneráveis. “Um programa de distribuição de renda seria extremamente bem-vindo, mas teria que ter foco de atingir pessoas menos favorecidas na sociedade, não foco de transferir recursos para quem tem votos”, disse.

Em declarações públicas recentes, Moro, mais conhecido por temas como combate à corrupção e segurança pública, deu ênfase à necessidade de acabar com a pobreza no país e, como Pastore, defendeu ser possível fazê-la sem furar o teto de gastos e ferir a responsabilidade fiscal.

Uma das primeiras ações a serem feitas por ele caso chegue à Presidência será a criação de uma “força-tarefa de erradicação da pobreza”. O ex-ministro acredita ser possível criar um mutirão para combater pobreza, utilizando servidores e especialistas das estruturas já existentes.

Quanto aos R$ 89,1 bilhões em precatórios — dívidas das quais não se pode mais recorrer — da União para 2022, Pastore diz que Guedes “não fez a lição de casa” e que “inventou” não saber do montante. O ministro da Economia, de fato, tem afirmado que os débitos caíram “curiosamente” e como um “meteoro” no colo da União. “Isso é erro do senhor Paulo Guedes”, disse.


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