Editorial
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Gazeta do Povo

O deputado Fábio Trad, relator da PEC 199, sobre prisão em segunda instância.| Foto: Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados

Meses atrás, mesmo defensores da PEC 199/19, que prevê o início do cumprimento da pena de prisão após condenação em segunda instância, afirmavam que o momento político não era bom para levar o tema a votação na comissão especial da Câmara dos Deputados que trata do assunto. O país assistia a conflitos abertos entre poderes, a CPI da Covid no Senado monopolizava atenções e outros temas como a PEC do Voto Impresso polarizavam a opinião pública. Todos esses empecilhos, no entanto, ficaram para trás e a comissão está pronta para votar o relatório do deputado Fábio Trad (PSD-MS).

Havia várias alternativas possíveis para se restaurar a prisão após condenação em segunda instância, derrubada pelo STF em 2019 depois de ter vigorado por décadas no país, à exceção de um intervalo entre 2009 e 2016. A mais óbvia e direta era uma mudança no artigo 5.º, LVII da Constituição (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), mas esta porta foi fechada por vários ministros do Supremo, para quem qualquer alteração no artigo 5.º seria inaceitável. Foi preciso achar outras saídas, e a escolha foi por uma sugestão feita em 2011 por Cezar Peluso, ex-integrante do STF: mudar os artigos 102 e 105 da Constituição para encerrar as ações penais na segunda instância, e transformar os recursos ao STJ e ao STF em ações autônomas, chamadas “revisionais”. Com isso, o trânsito em julgado se daria na segunda instância, permitindo o início do cumprimento da pena – o que tem sua lógica, já que é ali que se encerra a análise da culpa do réu; os tribunais superiores apenas analisam possíveis irregularidades no processo, e nem mesmo podem inocentar réus; no máximo, determinam a anulação de processos, que precisam ser refeitos.

O modelo atual ajuda os criminosos capazes de navegar o labirinto processual brasileiro, tornando muito distante a perspectiva de parar atrás das grades

Ao longo da tramitação, algumas mudanças foram feitas. A primeira delas foi aplicar a nova regra a todos os tipos de ações, e não apenas nas ações penais. Outra, no entanto, foi mais significativa: a ideia inicial extinguia os recursos especial (apresentado ao STJ) e extraordinário (apresentado ao STF), transformando-os nas “ações revisionais”, mas posteriormente Trad optou por restaurar os recursos; no entanto, a PEC insere nos mesmos artigos 102 e 105 parágrafos segundo os quais a interposição desses recursos “não obsta o trânsito em julgado da decisão recorrida” – ou seja, o trânsito em julgado continuaria ocorrendo na segunda instância. A sugestão, mais uma vez, partiu do próprio Peluso, ouvido em audiência pública sobre a PEC 199.

No entanto, uma outra controvérsia que não tem relação alguma com a prisão em segunda instância pode emperrar a tramitação ou até prejudicar o apoio à PEC 199: na alteração mais recente ao seu parecer, Trad aplicou o mesmo mecanismo previsto para STJ e STF ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), prevendo mudanças também nos artigos 111 e 121 da Constituição. O caso específico do TST já motivou dois votos em separado dos deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP), que estão em lados opostos do espectro ideológico.


O STF, a prisão após condenação em segunda instância e o papel do Congresso (editorial de 8 de novembro de 2019)
Este tipo de discordância precisa ser resolvido de forma que não coloque em perigo a aprovação do principal, que é a possibilidade de que os criminosos condenados possam iniciar o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância, respeitando o duplo grau de jurisdição, o devido processo legal e o direito à ampla defesa, mas eliminando essa jabuticaba tipicamente brasileira que é a “prisão em quarta instância”, algo que nenhuma outra democracia sólida do Ocidente pratica. O modelo atual ajuda os criminosos capazes de navegar o labirinto processual brasileiro, tornando muito distante a perspectiva de parar atrás das grades, o que jamais foi a intenção do constituinte de 1988 ao redigir o inciso LVII do artigo 5.º.

Quando, em 2019, Dias Toffoli deu o voto decisivo para derrubar a prisão em segunda instância no STF, deixou claro que, se o Congresso assim decidisse, essa possibilidade seria restaurada. Isso está mais perto de ocorrer: depois de dois adiamentos, a sessão em que Trad fará a leitura de seu parecer está marcada para esta quarta-feira, dia 8, e a votação também não deve demorar; que seja finalmente a ocasião em que os deputados cumpram seu papel e colaborem com o bom combate à corrupção.


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