Editorial
Por
Gazeta do Povo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.| Foto: Ricardo Stuckert/Fotos Públicas

Depois de ter a denúncia rejeitada pela primeira instância da Justiça Federal em Brasília no caso do sítio de Atibaia, o ex-presidente, ex-presidiário e ex-condenado Lula também não poderá mais ser punido pelo caso do tríplex do Guarujá. O Ministério Público Federal reconheceu que, com os prazos prescricionais reduzidos pela metade, já que Lula tem mais de 70 anos, os crimes dos quais ele é acusado – lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva – já estariam prescritos quando (e se) um novo julgamento ocorresse. Por isso, o MPF solicitou o arquivamento do processo.

Normalmente, em casos de prescrição, costuma-se dizer que “a Justiça falha porque tarda”. Mas não foi o que ocorreu no caso de Lula – ao menos não durante boa parte do tempo. Afinal, a força-tarefa da Lava Jato no MPF não demorou para reunir um conjunto probatório robustíssimo (não apenas neste caso, aliás), e que o Judiciário também não hesitou em avaliar com celeridade e critério: em julho de 2017, Sergio Moro condenou Lula a 9 anos e 6 meses de prisão; seis meses depois, a 8.ª Turma do TRF4 manteve a condenação por unanimidade, elevando a pena para 12 anos e 1 mês; por fim, em abril de 2019, a 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), também de forma unânime, confirmou a decisão das instâncias inferiores, apenas reduzindo a pena.

Processos podem ser anulados e crimes podem prescrever, mas a verdade dos fatos sobre o que Lula fez não se anula nem prescreve

Ou seja, todos os quatro magistrados a quem cabia analisar a culpabilidade do réu, na primeira e segunda instâncias, consideraram que havia evidência suficiente para considerar Lula culpado; e os quatro ministros do STJ que analisaram o caso não viram nenhuma irregularidade processual ou qualquer indício de motivações políticas no trabalho feito pelo MPF, por Moro e pelos desembargadores do TRF4. Não faz e nunca fez o menor sentido, portanto, apelar para a tese de uma “conspiração judicial” para prender Lula e retirá-lo da eleição de 2018, como afirmou o próprio ex-presidente pouco antes de ir para a carceragem da Polícia Federal em Curitiba, três anos e meio atrás, e como fazem agora os advogados Cristiano Zanin e Valeska Martins em comunicado no qual falam de um caso “construído artificialmente a partir do conluio” entre Moro e Deltan Dallagnol, ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato.

A Justiça, portanto, não tardou – mas falhou, e muito, a partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal entrou no jogo. Se o plenário negou um habeas corpus que teria impedido a prisão de Lula em 2018, foi apenas porque a ministra Rosa Weber respeitou o entendimento adotado pela corte em 2016 e que restaurava a possibilidade de início do cumprimento da pena após condenação em segunda instância; mas, a partir daí, todas as decisões representaram a desconstrução total do trabalho diligente realizado pelo MPF e pelas três outras instâncias do Judiciário. Primeiro, veio a reversão, no fim de 2019, do entendimento sobre a prisão em segunda instância, tirando Lula (e muitos outros) da cadeia. Depois, veio aquele março de 2021 que entrará para a história do Supremo como um dos meses mais absurdos já vistos naquela corte, começando com a inexplicável decisão de Edson Fachin ao anular todos os processos contra Lula em Curitiba e terminando com a igualmente inexplicável mudança de voto de Cármen Lúcia na Segunda Turma, para declarar a suspeição de Moro e, com isso, anular todos os atos do então magistrado no processo do tríplex.


A prescrição, portanto, é consequência direta das decisões do STF que desfizeram todo um trabalho cuidadosamente – e heroicamente, é preciso dizer – construído desde a coleta de evidências pelo MPF até a análise do conjunto probatório e a redação das sentenças pelos magistrados de primeira e segunda instâncias, tudo referendado pelo STJ. Sem a anulação dos processos por Fachin (depois confirmada pelo plenário do Supremo) e a suspeição de Moro na Segunda Turma (também confirmada pelo plenário do STF), Lula até poderia estar nas ruas, mas seguiria sendo condenado e ficha-suja. Mas que o petista não se anime: como temos insistentemente repetido, as provas, mesmo inúteis em um tribunal, continuam aí para quem quiser vê-las e tiver a honestidade intelectual necessária para extrair delas as conclusões a respeito das ações de Lula. A verdade dos fatos não se anula nem prescreve.


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