Indústria de defesa

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Luis Kawaguti – Gazeta do Povo

Caças Super Tucano estão entre os principais produtos de defesa que fizeram o Brasil bater em 2021 recorde de exportações no setor| Foto: Divulgação/Embraer

Aviões de transporte KC-390, caças Super Tucano, radares, lançadores de foguetes Astros, softwares de uso militar e munição não letal. Esses são alguns dos principais produtos de defesa que fizeram o Brasil bater em 2021 um recorde de exportações: US$ 1,65 bilhão (R$ 9,4 bilhões). O foco das negociações nos próximos anos serão países do sudeste asiático, Golfo Pérsico e África.

Segundo um levantamento do Ministério da Defesa, as exportações de armamentos e produtos de defesa cresceram mais de 150% nos últimos dez anos.

Uma boa parte desse montante se explica pela comercialização de produtos de alto valor agregado, como o KC-390, a maior aeronave militar já produzida no país. Trata-se de um avião a jato, de médio porte, usado para transporte de tropas e equipamentos e reabastecimento de caças. A ideia é que ele substitua o americano Hércules C-130 no mercado global.

Já foi vendido para países como Portugal e Hungria. E negociações de novas aeronaves estão em andamento com Holanda, Emirados Árabes, Egito, Catar e Arábia Saudita. O Brasil também usa o KC-390 internamente, mas a Aeronáutica recentemente reduziu de 28 para 11 seu pedido de compra para essas aeronaves.

Outra “joia da coroa” é o caça leve A-29 Super Tucano – o avião conhecido pelos brasileiros por ser usado pela Esquadrilha da Fumaça. Mas ele não é uma aeronave só de exibição. É hoje usado ou está em fase de aquisição por forças aéreas de 15 países. Entre suas funções, estão atacar forças em terra com mísseis, bombas, metralhadoras e canhões e interceptar aeronaves de baixa velocidade (o Super Tucano voa a 590 km/h).

Sua autonomia de mais de oito horas de voo também o habilita a missões de patrulhamento e reconhecimento. Já foi comprado pelos Estados Unidos para combates no Afeganistão e usado pela Colômbia em ataques na época dos conflitos com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Uma das vendas mais recentes, de seis unidades, foi feita para as Filipinas – que estuda dobrar o pedido.

Também se destaca nas exportações o sistema de foguetes de saturação de área Astros II, da empresa Avibras. Ele é uma arma de artilharia capaz de disparar diversos foguetes ao mesmo tempo, para atacar simultaneamente uma grande área. Também pode ser adaptado para disparar mísseis de cruzeiro.

Ele já foi vendido para oito países e usado em conflitos no Golfo Pérsico e em Angola. Atualmente, vendas estão sendo negociadas com o Catar, com a Arábia Saudita e com países da Otan (aliança militar ocidental).

Mas as exportações de produtos de defesa não são compostas apenas de armas e aeronaves de guerra. Menos de 2% das mais de 1,1 mil empresas envolvidas na indústria de defesa brasileira fabricam armas de fogo e munições, segundo o Ministério da Defesa.

Uma área que se destaca é a venda de sistemas de radares. Estima-se que a maior parte dos sistemas de defesa e controle de tráfego aéreo civil usados na África subsaariana foi fornecida pelo Brasil.

Muitos desses equipamentos são desenvolvidos em parceria com as Forças Armadas do Brasil. O caso mais recente é o radar Saber M200 Vigilante, um sistema móvel capaz de monitorar 200 alvos simultaneamente a uma distância de 450 quilômetros e 6 quilômetros de altura. Desenvolvido pela Embraer e pelo Exército, ele é usado para guiar sistemas de defesa antiaérea, mas também pode ter uso civil para monitoramento de tráfego aéreo, se adaptado.

Esse aparelho torna completo o sistema de radares antiaéreos brasileiro. O foco agora é trabalhar em radares “antibateria”, capaz de localizar artilharia inimiga escondida no terreno.

O país também exporta softwares usados para conter ataques cibernéticos e em sistemas de aviônica – a estrutura eletrônica usada para operar aeronaves. Uma área de destaque são sistemas que evitam que pilotos de aviões militares disparem contra aliados em outras aeronaves ao confundi-los com inimigos.

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São exportados ainda pelo Brasil sistemas eletrônicos usados no monitoramento de fronteiras e na criptografia de comunicações, além de armamento não letal para controle de distúrbios urbanos.

“Se hoje em dia nós temos produtos como internet, relógios de pulso ou teflon, é porque em algum momento foram feitos investimentos em produtos de emprego militar. Essa tecnologia transborda para o mundo civil. Não é só uma questão de fazer armas e munições”, disse à coluna Marcos Degaut, secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa.

A indústria de defesa é responsável por aproximadamente 2,9 milhões de empregos (1,6 milhão diretos e 1,3 milhão indiretos) no Brasil.

Segundo o Ministério da Defesa, em 2020, o setor movimentou 4,78% do PIB brasileiro, quantia equivalente a cerca de R$ 360 bilhões.

Dados levantados pela pasta também dão a entender que entre os anos de 2019 e 2020 o segmento de defesa cresceu mais que setores tradicionais da economia, como agricultura, petróleo e construção civil.

O período de crescimento coincide no cenário internacional com a escalada da guerra econômica entre Estados Unidos e China. E também com uma corrida armamentista em escala global envolvendo principalmente Pequim, Washington e Moscou.

E como acontecem as exportações brasileiras de defesa?
Elas começam geralmente com exibição de produtos em feiras internacionais e depois com a elaboração de protocolos de intenção entre governos durante visitas diplomáticas (onde diversos tipos de acordos comerciais são negociados, não só na área de defesa).

Um exemplo disso foi a viagem do presidente Jair Bolsonaro, em novembro, aos Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Catar. O próximo destino deve ser a Rússia, no início de 2022, onde o governo quer firmar parcerias na área científica. Eles podem envolver o desenvolvimento de tecnologia militar.

Mas, diferente da Embraer ou da Avibras, a maioria das empresas de defesa não têm recursos, conexões e a estrutura necessária para vender internacionalmente. Para ajudar essas empresas menores a conquistar fatias do mercado estrangeiro, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) tem disponíveis para investimentos recursos da ordem de R$ 20 milhões.

A ideia é exibir produtos para possíveis clientes, criar estandes em feiras e aproximar compradores. Já estão em vista feiras de produtos de defesa que ocorrerão no ano que vem no Chile e na Malásia.

Depois que ocorre a exibição dos produtos, a diplomacia entra em cena. Acordos de intenções são assinados entre o Brasil e o país interessado. É aí que a negociação de venda realmente deslancha.

Em gestões de governos anteriores, o BNDES era colocado na negociação como um atrativo, oferecendo linhas de financiamento para os países interessados em obter recursos para as compras. Mas isso nem sempre se concretizava.

Hoje, no setor de defesa, o banco é mais voltado para financiamentos dentro do Brasil para o desenvolvimento dos produtos de defesa.

Além disso, as vendas desse tipo de produto não são feitas de forma direta e independente entre empresas brasileiras e governos estrangeiros. O Ministério da Defesa faz primeiro uma avaliação estratégica do comprador.

Um exemplo simplificado: se o Brasil desenvolver um míssil de cruzeiro, possivelmente não o venderia para nações próximas, que, em teoria, poderiam usá-lo para atingir o próprio Brasil no futuro.

Já o Itamaraty entra com a análise do cenário diplomático e dos interesses mais amplos do Brasil. Nesse campo, o que se pode observar hoje é uma posição mais pragmática do Planalto.

No início do governo, a proximidade da família Bolsonaro com o ex-presidente americano Donald Trump criou um alinhamento entre interesses geopolíticos brasileiros e americanos. Mas, com o fim do governo Trump e a queda do chanceler Ernesto Araújo (da chamada ala ideológica do governo), o Brasil ampliou o diálogo com países não alinhados com Washington.

A estratégia de exportações envolvendo a indústria de defesa agora deve ter alguns países em foco.

Alguns deles devem ser Malásia, Filipinas e Indonésia, no sudeste asiático. A região vive um clima de forte tensão com a expansão militar promovida por Pequim na região marítima ao sul da China. Outro foco de interesse é o norte da África, especialmente a Tunísia.

A iniciativa aparentemente não tem motivação estratégica de apoiar países específicos no jogo geopolítico. Mas sim ganhar fatias do mercado global de defesa, majoritariamente dominado por países como Estados Unidos, Rússia, China, França e Alemanha. Esse mercado movimentou US$ 531 bilhões (R$ 3 trilhões) em 2020, no sexto ano consecutivo de alta, segundo o Sipri (sigla do Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo).

Em paralelo, o Brasil quer desenvolver uma rede integrada de indústrias de defesa que possa ser mobilizada rapidamente em caso de catástrofe ou conflito. Durante pandemias como a da Covid-19, essas empresas poderiam ser acionadas mais rapidamente que outros setores para produzir insumos, como por exemplo, máscaras, respiradores e equipamentos de proteção individual. Em caso de conflito, o Brasil não dependeria tanto das grandes potências para comprar equipamentos de defesa.

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