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Bruna Frascolla – Gaqzeta do Povo
Camisetas à venda com a imagem de Jair Bolsonaro, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.| Foto: EFE / Fernando Bizerra Jr
Bolsonaro é antissistema, sempre foi antissistema e continua antissistema. De admirar, portanto, é que tenha conseguido ganhar uma eleição majoritária. Desorientada, a esquerda pensa que foi o Golpe do Zap-Zap: Bolsonaro botou um feitiço no aplicativo que fez as pessoas acreditarem em fake news. Só assim para explicar como ele fez tudo isso sem contratar nenhum mago do marketing político. Depois de a esquerda passar anos roubando da Petrobras para bancar campanhas caríssimas, eis que surge um deputado folclórico fazendo campanha pela internet e ganha a eleição.
Não é difícil entender por que o PT perdeu a eleição em 2018. A questão mais interessante é por que um determinado parlamentar folclórico sem TV nem dinheiro ganhou. Foi Bolsonaro. Folclórico por folclórico, poderia ter sido o Cabo Daciolo – que disputou o pleito e ficou à frente de Marina Silva, Guilherme Boulos, Henrique Meirelles e Álvaro Dias, todos cheios de grana e de profissionais para suas campanhas. As eleições de 2018 foram mesmo muito atípicas.
Se tudo seguisse como dantes, o segundo turno seria entre PT e PSDB. Geraldo Alckmin era a bola da vez e, portanto, seu caminho natural era rumo ao segundo turno. Teve apenas 5.096.350 votos, ou 4,76% dos votos válidos. O folclórico Cabo Daciolo, a seu turno, teve 1.348.323, ou 1,26% dos votos válidos. Esqueçamos Bolsonaro: quem poderia imaginar que a zebrona do Daciolo teria mais que um quarto dos votos de Alckmin? Com isso aprendemos que a conduta do eleitorado brasileiro mudou muito entre 2014 e 2018.
De que a internet tenha desempenhado um papel importante nisso, ninguém duvida – nem os petistas. Mas por que, dentre um milhão de esquisitões, Bolsonaro conseguiu granjear notoriedade e carisma suficientes para um partido aceitar a sua candidatura à presidência?
Explicação olavete
Aqui os olavetes irão dizer que tudo se deu por obra e graça do Mestre Olavo. Por que Olavo enxergou Bolsonaro e reconheceu nele uma opção de direita, os olavetes não explicam. Olavo sempre detestou os militares; Bolsonaro era praticamente um sindicalista militar e um defensor da “Revolução de 31 de março de 1964”. Entre o anticomunismo de Bolsonaro e o de Olavo há um abismo.
Os olavetes dizem que Olavo é responsável pelo despertar da direita brasileira. Reconheço que Olavo criou um ambiente cultural de direita muito importante para a política brasileira. Olavo é um culturalista. Ele próprio sempre manteve a crença de que tomar a cultura é mais importante do que tomar o poder político institucional. Assim, é até de estranhar que Olavo reivindique a eleição de Bolsonaro como obra exclusivamente sua. Só podemos entender essa conduta levando em conta uma desculpável vaidade que leva Olavo a reivindicar a liderança inconteste de tudo o que houver de relevante na direita. Essa vaidade o levou a esculachar qualquer anticomunista que se destacasse fora da sua sombra. Vide os anos que passou implicando com o “Cocô Instantâneo”. Constantino é um anticomunista de longa data que não tinha nada a ver com o olavismo, então precisava ser esculachado.
Não é verdade que Olavo tenha sido o único polo no vetor cultural antiesquerda. É verdade, porém, que ele foi um grande polo. Dada a importância cultural de Olavo, é de se presumir que vários políticos folclóricos tenham tentado se aproximar dele. Então repito a pergunta: por que Bolsonaro em específico ganhou relevância suficiente para aparecer aos seus olhos?
É verdade que Bolsonaro contou com engajamento espontâneo nas redes sociais. A este respeito, vejam-se os extras do “Nem tudo se desfaz”, de Josias Teófilo. Lá vemos os meninotes da periferia de Fortaleza que se deram ao trabalho de criar páginas satíricas cheias de memes em prol do deputado do Rio de Janeiro. Por que os meninotes da periferia de Fortaleza foram cativados por Jair Bolsonaro em particular?
Esse tipo de questão tem que ser levantada. Bolsonaro saiu do nada para a presidência. Por que foi ele e não um outro?
Meu palpite
Eu creio que Bolsonaro tenha sido escolhido primeiro por uma série de cidadãos comuns, fora do nicho militar e dos apoiadores da Repressão, porque o governo do PT “mexeu com criança”, e a defesa das crianças é o elemento mais basilar da coesão social.
Digo mais: os petistas devem ter pago a alguém para explicar isso a eles e devem ter se recusado a entender. Aquela história de “Bolsonaro mandou mamadeira de piroca pelo WhatsApp e o povo acreditou” deve ser o resumo porco deles dessa situação. (Os petistas têm estudos sociais bem pé no chão, como aquele da Fundação Perseu Abramo que mostrou que os pobres de São Paulo querem enriquecer pelo trabalho e não odeiam o patrão.)
O PT passou 2018 inteiro dizendo que o Kit Gay era fake news. As agências de checagem (que agora se voltam a defender vacinação experimental e passaporte vacinal) foram na onda e tacharam o Kit Gay de fake news sob a alegação de que o kit jamais fora implementado pelo MEC. O TSE deu seu carimbão de Ministério da Verdade e declarou: “É […] notório o fato de que o projeto ‘Escola sem Homofobia’ [conhecido como Kit Gay] não chegou a ser executado pelo Ministério da Educação, do que se conclui que não ensejou, de fato, a distribuição do material didático a ele relacionado. Assim, a difusão da informação equivocada de que o livro em questão teria sido distribuído pelo MEC gera desinformação no período eleitoral, com prejuízo ao debate político, o que recomenda a remoção dos conteúdos com tal teor.”
Ora bolas, o relevante para o debate em 2018 não era se o ex-Ministro da Educação Haddad de fato implementou o Kit Gay, mas sim se o candidato à presidência Fernando Haddad era ou não favorável ao tal kit. Foi por causa da militância estridente de Bolsonaro e da bancada evangélica que o kit não avançou. No frigir dos ovos, Bolsonaro foi impedido pelo TSE de se gabar do êxito de sua atuação na Câmara e de prometer continuidade da sua conduta na presidência.
Outra coisa que contribuiu para a acusação de fake news foi a afirmação, no Jornal Nacional, de que o livro infantil da Companhia das Letras intitulado Aparelho Sexual e Cia era distribuído em escolas públicas. Tal livro é diferente do material que ficou conhecido como Kit Gay. No entanto, as checagens de fato não demonstraram o mesmo afinco em saber se o livro foi comprado pelas escolas públicas ou não. Em matéria de 2016, porém, vemos que o livro foi comprado pelo Ministério da Cultura e de fato distribuído em escolas públicas.
Nos idos dos anos 10, o PT tentou calar os críticos do Kit Gay acusando-os de homofobia. Não colou. Em 2018, o assunto ainda rendia, e o PT pediu penico: chamou tudo de fake news. Dois eventos jogaram o folclórico Deputado Bolsonaro sob os olhares do grande público: o kit gay e a Comissão da Verdade. Só o primeiro destes é de interesse do cidadão comum.
Creio, portanto, que tenha sido a militância conservadora na educação infantil o fator chave para alçar o estridente deputado à estima pública. Se eu estiver correta, o pessoal do passaporte vacinal infantil tem muito a temer.
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