RISCOS E OPORTUNIDADES DE 2022
Mundo tecnológico dará os primeiros passos com dispositivos e serviços da próxima geração
Bruno Romani
ESTADÃO
O mundo da tecnologia chega a 2022 na sala de espera para uma nova era de gadgets e plataformas. Isso significa que estamos em um momento de transição: talvez tenha chegado a hora de começar a dar “tchau” para formatos que definiram a última década, como os smartphones. Por outro lado, a próxima geração de dispositivos e serviços ainda não está pronta para o uso em massa.
“Vemos o avanço da interatividade e a diminuição de texto no mundo digital”, explica Berthier Ribeiro-Neto, diretor de engenharia do Google para a América Latina.
Ele não arrisca dizer de que maneira essa tendência se desenrolará, mas boa parte da indústria aposta no metaverso – conceito que trata do avanço do mundo real sobre o digital e vice-versa. Nele, você não acessa a internet, e sim entra na internet, como se fosse um espaço físico.
O assunto ganhou corpo depois que o Facebook anunciou a mudança de nome de sua holding para Meta, como forma de refletir o interesse no tema.
O universo imaginado por Mark Zuckerberg, porém, está distante de acontecer. Há obstáculos que vão desde a qualidade de conexões até os dispositivos necessários para tirar o projeto do papel. Mas o Facebook e outras gigantes do setor devem fazer avanços – o fundador da rede social anunciou que deve ter novidades sobre um novo óculos de realidade virtual já em 2022.
Outro nome de peso que deve impulsionar a tecnologia é a Apple. Ao contrário do que tradicionalmente ocorre, o dispositivo mais aguardado pelos fãs da marca neste ano não é um novo iPhone. Aqueles que seguem a empresa de perto garantem que finalmente a gigante vai apresentar seus óculos de realidade aumentada e realidade virtual – é um rumor que acompanha a Apple há alguns anos.
Enquanto os dispositivos não ficam prontos, startups e empresas tradicionais correram para garantir presença nos metaversos que já existem – em muitos casos, são mundos digitais que lembram ou derivam dos games. O Itaú, por exemplo, anunciou uma ação de marketing dentro de Cidade Alta, um dos maiores servidores do jogo GTA 5.
E O CELULAR?
Com a expectativa de óculos, luvas e sensores voltados para o metaverso, o smartphone está congelado em termos evolutivos. “Com a chegada do 5G, os celulares estão em compasso de espera. As redes da nova geração não foram criadas para tornar os celulares melhores. Elas foram desenvolvidas para o uso de vários outros dispositivos”, explica Renato Franzin, pesquisador da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).
Para ele, fabricantes ainda precisam entender as novas capacidades que esses aparelhos podem ganhar com as redes de quinta geração, que finalmente tiveram as frequências leiloadas e devem chegar comercialmente neste ano ao País.
Portanto, não espere grandes novidades do setor, que, além dos desafios conceituais, ainda enfrenta um problema bastante real: a crise dos chips.
Por outro lado, as novas redes de comunicação ajudam a implementar modelos de inteligência artificial mais sofisticados, que possam “racionalizar” suas decisões, como imaginava Judea Pearl, professor de ciências da computação da Universidade da Califórnia em Los Angeles.
ROBÔS
Até aqui parece um cenário pouco empolgante, mas um velho símbolo de futuro pode voltar a ganhar forças.
“À medida que o conceito de casa conectada avança, essa inteligência pode ser encapsulada em outros dispositivos. O resultado disso é que veremos o avanço de robôs domésticos”, diz Márcio Kanamaru, sócio-líder de tecnologia, mídia e telecomunicações da KPMG no Brasil.
Não é uma coincidência que a Amazon tenha apresentado em 2021 o Astro, um robô com inteligência gerada pela assistente virtual Alexa. Nos últimos dois anos, vimos a popularização de caixas de som inteligentes em um movimento impulsionado pela gigante.
Esses dispositivos poderiam ajudar com tarefas domésticas e atividades de saúde e bem-estar. Não será o futuro dos Jetsons, mas pode ser um passo nessa direção.
Seremos ainda mais virtuais em 2022
Carlos Affonso Souza
DIRETOR DO ITS-RIO
Nem sempre é fácil perceber que se está no meio de uma transição entre diferentes épocas, com grandes mudanças na forma de viver e de entender o mundo. Algumas mudanças surgem como rupturas bruscas, enquanto outras vão se assentando aos poucos, superando estranhamentos iniciais até se tornarem inevitáveis.
Foi assim com a internet, que de experimento militar e objeto de pesquisa acadêmica se transformou em uma verdadeira infraestrutura a sustentar as mais diversas atividades. Isso não aconteceu da noite para o dia, mas a pandemia da covid-19 acelerou esse processo.
O adjetivo “virtual” entrou em nossas vidas como oposição ao que é real ou verdadeiro. Realidade virtual, nesse sentido, deveria ser uma realidade de mentirinha. A plataforma Second Life, lançada em 2003, é frequentemente lembrada como uma experiência inicial de virtualização das relações sociais, colecionando adeptos na mesma velocidade em que foi deixada para trás.
Não estamos mais em 2003. Uma parcela relevante das pessoas precisou migrar para o virtual. Algumas fizeram isso progressivamente, enquanto outras foram catapultadas para esse universo em 2020 por conta da pandemia. Seus relacionamentos pessoais e profissionais, além dos momentos de informação e de entretenimento, viraram virtuais.
A virtualização de tudo não foi uma escolha, mas sim uma necessidade para que o mundo continuasse a girar enquanto o espaço físico ficava do lado de fora, com suas restrições ao deslocamento e risco de contágio. Ao mesmo tempo, uma série de transformações tecnológicas e culturais nos últimos anos transformou essa onda em um inevitável tsunami.
Os anos 2010 foram marcados pela ascensão da internet móvel e das redes sociais, além do aumento exponencial na capacidade de processamento de dados e de se retirar inteligência do seu tratamento em larga escala. O mundo todo se converteu em dados que poderiam ser coletados, armazenados e utilizados para os mais diferentes fins.
Os anos 2020 começaram com a explosão dos criptoativos, dos meios de pagamento eletrônico e da tokenização de tudo. Por trás dessas transformações está a mesma internet que foi pensada no século passado e que, acoplada às inovações tecnológicas das últimas décadas, proporcionou essa gigantesca, mas por vezes silenciosa, transformação. A virtualização parece inevitável.
A grande tendência tecnológica para 2022 não é a expansão do 5G ou a popularização de novas aplicações de inteligência artificial ou blockchain, mas sim a junção de todos esses elementos para pavimentar um caminho em direção ao virtual. Mas é importante lembrar que a exclusão digital e a qualidade do acesso à internet são pedras nesse caminho. Como lembra William Gibson: “O futuro já chegou, ele só não foi igualmente distribuído.”