Editorial
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Gazeta do Povo

TSE tenta contato com representantes do Telegram há mais de um mês, sem sucesso.| Foto: Divulgação Telegram


Um novo capítulo do apagão da liberdade de expressão no Brasil pode começar a ser desenhado em breve, a depender dos humores dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral – aqueles mesmos que, recentemente, absolveram a chapa vencedora da eleição de 2018 por falta de provas, mas disseram “saber o que ocorreu” e prometeram “não permitir que isso ocorra” novamente, prendendo e cassando candidatos em 2022 (as provas, supõe-se, serão mero detalhe desnecessário). Desta vez, a proposta é a de simplesmente banir do Brasil um aplicativo de mensagens, o russo Telegram.

O atual presidente da corte eleitoral, o também ministro do STF Luís Roberto Barroso, vem tentando entrar em contato com o diretor-executivo do Telegram, sem sucesso. Seu objetivo é fazer com o aplicativo a mesma parceria para “combate à disseminação de fake news” já estabelecida com WhatsApp, Facebook, Instagram e Twitter. As Big Techs não precisaram de muito esforço de convencimento por parte do TSE para aderir ao pacto, já que também elas vêm demonstrando certo pendor para uma censura unilateral de conteúdos, atingindo sempre o mesmo lado do espectro ideológico, assim como têm feito os tribunais superiores brasileiros. Todos eles usam o mesmo critério subjetivo: fake news são apenas aquilo que desejam classificar como tais – inclusive a mera manifestação de opinião, que nada tem a ver com a disseminação de informações factualmente inverídicas. Um Judiciário que pretende ser “editor da sociedade” e aplicativos que atuam como publishers, ou editores, sem se assumirem como tais formam, evidentemente, um par perfeito.

Para os tribunais superiores e as Big Techs, fake news são apenas aquilo que desejam classificar como tais – inclusive a mera manifestação de opinião, que nada tem a ver com a disseminação de informações factualmente inverídicas

O Telegram, no entanto, tem se recusado a jogar esse jogo, e por isso tem atraído o interesse de personalidades e influenciadores mais à direita, para quem o aplicativo é o local onde eles podem defender suas posições sem correr risco de terem publicações arbitrariamente apagadas ou seu perfil excluído. “A esquerda pode tudo. Tem o ditador da Venezuela falando o que quer no Twitter, tem o cara que defende o Stalin falando o que quer, e do outro lado muita coisa é excluída. A gente defende a liberdade de expressão. Nem sempre concordamos com o que a direita mais bolsonarista fala, por exemplo, mas nem por isso a pessoa tem que ser perseguida”, disse à Gazeta do Povo Marcelo Faria, editor do perfil Caneta Desesquerdizadora. Dependendo dos termos de uma eventual parceria com o TSE, a liberdade dos usuários do Telegram ficaria sob risco.

E, coerentes com seu histórico recente, os ministros já ventilam abertamente a hipótese de banir o Telegram do Brasil, com a ajuda do Congresso Nacional (ou mesmo sem ela – a possibilidade ainda não foi mencionada, mas quem haveria de ignorá-la?). Em outras palavras, os aplicativos não teriam escolha a não ser curvar-se ao TSE e à sua definição peculiar de fake news. Um eventual banimento colocaria o Brasil em uma incômoda lista de países que proíbem completamente determinados aplicativos ou mídias sociais – todos eles autocráticos. “Apenas governos totalitários banem linearmente o acesso a meios de comunicação”, afirmou à Gazeta Thiago Sorrentino, professor de Direito do Ibmec-DF e ex-assessor de ministros do Supremo.

Como lembrou o especialista, o fato de determinado meio ser usado para se cometer crimes não justifica uma proibição generalizada. “A circunstância de uma quadrilha utilizar celulares para combinar um sequestro justificaria sua proibição ampla, geral e irrestrita? Também justificaria uma quebra arbitrária do sigilo das comunicações de todos os seus usuários? Evidentemente que não”, afirma Sorrentino. E aplicativos como o Telegram são justamente isso, meios – até aqueles que na prática atuam como editores fazem questão de se definir como meros intermediários. Proibir o Telegram de funcionar no Brasil seria tão desproporcional quanto decisões judiciais do passado que derrubaram o WhatsApp em todo o país; ela só faria sentido no caso de uma plataforma criada especificamente para o cometimento de crimes – Sorrentino citou o caso de um site criado para intermediar a venda de drogas nos Estados Unidos.


O argumento, usado por Barroso, de que o Telegram não tem escritório no Brasil também não se sustenta; levado às últimas consequências, significaria que todo e qualquer desenvolvedor de aplicativo seria forçado a abrir uma representação no país para poder oferecer seus produtos ao internauta nacional. No entanto, essa exigência não existe no ordenamento jurídico brasileiro. O professor do Ibmec afirma que, em certos casos, há, sim, necessidade de haver escritório ou representante no Brasil, mas os aplicativos não se encaixam nessa situação. E, sendo assim, vale a liberdade de qualquer cidadão contratar serviços de empresas estrangeiras, tenham filial brasileira ou não.

O mandato de Barroso no TSE termina em 28 de fevereiro; ele será substituído por Edson Fachin até 17 de agosto, mas quem comandará a corte durante a campanha eleitoral propriamente dita é outro ministro liberticida, Alexandre de Moraes. Ainda que uma eventual decisão de banir o Telegram, colocando o Brasil no mesmo patamar de China, Irã e Coreia do Norte, caiba a algum dos futuros presidentes, Barroso entrará para a história como o autor da ideia; o ministro, que tanto gosto tem em se declarar um “iluminista”, mostra assim que seu iluminismo não é tanto aquele da tolerância e do respeito às liberdades, mas aquele que inspirou o movimento que terminou em Terror e guilhotina.


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