Campanhas põem foco nos canais digitais, plataformas em que pré-candidatos têm muito tempo e são pouco contestados
Levy Teles e Gustavo Côrtes, O Estado de S.Paulo
Em meio a uma atribulada agenda de pré-candidato à Presidência, Sérgio Moro (Podemos) separou um dia de março para participar do podcast Inteligência Ltda., apresentado pelo humorista Rogério Vilela. Com pressa de crescer nas pesquisas e se firmar como alternativa à polarização Lula/Bolsonaro na disputa pelo Planalto, Moro tem cumprido também o script tradicional de uma campanha que, conforme o jargão, “já está na rua”: viagens, encontro com líderes políticos e entrevistas a veículos de comunicação.
Se o ex-juiz da Lava Jato tenta conciliar seu roteiro, outras pré-candidaturas, como a de Ciro Gomes (PDT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dedicam-se mais às “ruas digitais” neste momento do ano eleitoral. Além da oportunidade de falar com “nichos” de enorme audiência, esta via costuma ser um “ambiente seguro” para os pré-candidatos. Diferente de formatos jornalísticos, que têm tempo delimitado e os entrevistados são confrontados, os podcasts e vodcasts – transmitidos em áudio e vídeo ao vivo na internet – se estendem por horas, dando tempo aos participantes para desenvolver teses com mais conforto.
Programas completos e os chamados “cortes” – trechos selecionados que depois também são usados nos perfis dos futuros candidatos nas redes sociais – atingem milhões de pessoas. Novíssimos modelos desta comunicação também já inspiram pré-campanhas. Sem intermediação, como já acontecia, por exemplo, em 2018, quando o então candidato Jair Bolsonaro privilegiou as redes sociais como foco da campanha – aposta que será dobrada neste ano, como mostrou o Estadão.
No último dia 24, Moro esteve no podcast Flow, e conversou por cinco horas com os youtubers Monark e Igor 3k. Na conversa, sem ser contestado, defendeu sua atuação como magistrado da Lava Jato e fez ataques a adversários. Em clima informal, Monark perguntou a Moro o que ele acha de cogumelo. “Cogumelo plantinha?”, questionou o ex-juiz ao responder. “Cogumelo que deixa doidão”, treplicou o apresentador. O diálogo abriu um debate de cerca de 9 minutos sobre legalização das drogas. Monark defende a liberação da maconha e costuma acender “baseados” durante o programa.
AMBIENTE. “O estilo que eu faço é bom para político e para o público, porque é um ambiente mais ou menos seguro”, disse Rogério Vilela, que faz as gravações no porão da casa onde vive com a mulher e o filho em um condomínio fechado no Morumbi. “Se ele for em um jornal ou em uma revista, vão ter muito mais vontade de pegar ele de calça curta.”https://www.youtube.com/embed/790Q5CNCynQ
Enquanto Vilela recebia o Estadão, as assessorias do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e do deputado federal Felipe Rigoni (PSL-ES) entraram em contato com sua produção. Ambos estavam interessados em uma participação. “Antes a gente tinha que ir atrás. Agora, as assessorias é que querem que eles venham”, disse Vilela, que pretende receber todos os presidenciáveis e garante ter negociações avançadas com a equipe de Lula.
O petista, que lidera as pesquisas de intenção de voto, compareceu ao Podpah, apresentado pelos youtubers Mitico e Igão, em dezembro. Durante duas horas e meia, defendeu seus governos sem tocar em temas polêmicos. O vídeo, que foi transmitido ao vivo, acumula mais de 8,6 milhões de visualizações. Além do Podpah, Lula deu entrevista ao Mano a Mano, podcast do rapper Mano Brown. O episódio foi o mais ouvido do Spotify no ano passado.
O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) também falou ao Flow. O vídeo já teve mais de 2,7 milhões de visualizações. Três meses depois da participação no Flow, Ciro acatou a sugestão de um dos apresentadores e criou o Ciro Games, live divulgada semanalmente nas redes sociais do candidato.
No programa, Ciro faz “gameplays” – transmissões de uma pessoa jogando videogame – entrevistas e “reacts” – formato em que uma pessoa assiste a vídeos e opina sobre o que viu – onde Moro é o principal alvo. No último “react”, o alvo foi Bolsonaro. Dário disse que participou de uma reunião com a equipe de comunicação do pré-candidato, que teve a participação do marqueteiro João Santana e outros 90 influenciadores.
Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP, aponta que nos podcasts há um “esvaziamento do lugar social do jornalista”. Para ele, a figura do jornalista se torna “desnecessária, indesejável e obsoleta” nesta tendência. Para Maria Carolina Lopes, estrategista política e pesquisadora em comunicação digital, a ideia de buscar novas plataformas faz parte da tentativa de agregar públicos, principalmente os mais jovens, à campanha.
Sidônio Palmeira, da Leiaute Propaganda, que coordenou candidaturas do PT na Bahia, avalia que no ambiente digital é fundamental que o pré-candidato se esforce para passar naturalidade. “O marketing é a arte da síntese. O que se quer nas redes sociais é ter alguém falando de forma mais simples”, afirmou.
Para Daniel Braga, coordenador da comunicação digital de João Doria, presidenciável do PSDB, o trunfo dos canais na internet é que eles têm a “capacidade de atrair alguma coisa mais íntima dos candidatos”. Em uma entrevista ao Inteligência Ltda, Doria aproveitou para reforçar a tática de neutralizar a provocação de Bolsonaro e de sua rede mais fiel. Logo no começo do programa, o tucano deu ao apresentador uma calça “apertada”. “Adotei”, afirmou.