STF forma maioria por prisão de líder do PCC e acena com mudança interna para coibir individualismo
Afonso Benites
O Supremo Tribunal Federal formou maioria para manter a ordem de prisão do traficante e líder da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) André de Oliveira Macedo, o André do Rap. Ele está foragido desde sábado, quando foi libertado por uma decisão monocrática e liminar proferida pelo ministro Marco Aurélio Mello, decano do tribunal. Ao todo, seis ministros votaram a favor da decisão do presidente da Corte, Luiz Fux, que havia derrubado um habeas corpus proferido pelo decano. O julgamento desta quarta-feira foi encerrado com o placar de seis a zero. Como a vaga de Celso de Mello, que se aposentou na terça-feira, ainda não foi preenchida, restam quatro ministros para votar, o que deve ocorrer nesta quinta-feira.
© Rosinei Coutinho/SCO/STF (EL PAÍS) O presidente do STF, Luiz Fux, durante julgamento de caso do traficante André do Rap.
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Para além de decidir se Macedo deveria ou não regressar à prisão, os ministros sinalizaram que deverá ocorrer uma mudança no regimento interno do Supremo para que a maioria das decisões monocráticas passem a ser analisadas de forma célere pelo colegiado formado pelos onze ministros, que poderiam referendá-las ou não. Uma das saídas é colocar a revisão de despachos individuais pelo plenário virtual de maneira automática e obrigatória. O plenário virtual é um sistema interno em que os ministros votam sem participarem presencialmente das sessões. Apenas lançam seus votos e, ao final, é feita a contabilidade e divulgado como cada um votou.
Se aprovada, a medida tiraria poder dos relatores dos processos para privilegiar as decisões do plenário. “Devemos falar sempre a uma só voz, sem que ninguém possa individualmente personificar o tribunal. Importa em perda de poder do relator, mas ao meu ver, é compensado pelo fortalecimento o tribunal”, manifestou-se o ministro Luís Roberto Barroso em seu voto a favor da prisão do chefe do PCC.
Foi uma solução para o constrangimento de ver Fux deixando sem efeito a decisão de um colega. Ainda não há uma data para que essa possível mudança no regimento seja analisada pelos ministros. Entre advogados, ela é vista como positiva, mas difícil de ser implementada, por se tratar de uma decisão mais política do que técnica. “No contexto geral é uma mudança benéfica. Mas ainda não está claro se tomarão uma decisão definitiva quanto a isso. Será que o presidente da Corte estaria disposto a perder poder, inclusive de rever a decisão de um colega?”, disse o advogado criminalista Lucas Fernando Serafim Alves.
Coordenador-adjunto do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o advogado Thiago Turbay avaliou que uma eventual mudança acaba esvaziando o trabalho das duas Turmas da Corte. “Ela incorpora alas ideológicas em decisões que precisam ser técnicas”, afirmou.
Entre ministros da Corte, também deverá haver resistência. É comum um desses magistrados conceder uma liminar e segurar o processo por meses em seus gabinetes antes que seja tomada uma decisão em definitivo. É uma espécie de poder sobre a pauta de julgamento. A nova regra interna criaria uma espécie de fast track e o processo não dependeria tanto do relator.
Uma solução pontual para um problema mais complexo
O que estava em julgamento nesta quarta-feira era uma suspensão de liminar decidida por Fux que determinou o retorno de André do Rap para a prisão. No sábado de manhã, ele foi libertado da penitenciária de Presidente Venceslau (SP) por uma decisão de Marco Aurélio. O magistrado argumentou que havia excesso de prazo para a prisão preventiva e atendeu o pedido da defesa do traficante. Os advogados de Macedo citaram que sua detenção violava o artigo 316 do Código de Processo Penal, que estabelece que as prisões preventivas devem ser revisadas a cada 90 dias, sob pena de tornar a detenção ilegal, uma nova normativa que passou a valer em janeiro. O pedido de renovação de prisão não ocorreu, e o ministro entendeu que o réu deveria ser solto. Assim que ele saiu da prisão, ele não foi para um dos endereços que declarou onde poderia ser encontrado. Conforme a polícia, ele fugiu do Brasil. “Debochou da Justiça”, reclamou Fux em seu voto.
O caso não é o primeiro, mas provocou comoção porque André do Rap é um dos principais líderes do PCC e porque a questão toca em pilares muito mais sensíveis do funcionamento do Judiciário e sua relação com a classe política. Tem duas condenações criminais por tráfico de drogas que totalizam 25 anos de prisão. Ficou cinco anos foragido da Justiça e foi preso em setembro do ano passado em uma mansão a beira-mar em Angra dos Reis. Os bens apreendidos com ele somavam 28 milhões de reais ―entre eles estavam dois helicópteros e uma lancha. Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes disse que Macedo é um criminoso de “altíssima periculosidade”. “Não é uma mera prisão preventiva. Ele tem dupla condenação em segundo grau.” Disse ainda que sua soltura era um “total escárnio à Justiça e à polícia”.
Durante o julgamento desta quarta-feira, os ministros ainda ressaltaram a possibilidade de haver um efeito cascata nas decisões. “Não se pode desconsiderar o efeito multiplicador que as decisões do Supremo Tribunal Federal irradiam por todo o Poder Judiciário”, disse Fux. “A soltura automática [do preso] poderia significar colocar na rua os mais perigosos facínoras sem o controle judicial”, completou Barroso.
O processo envolvendo André do Rap acaba levantando o debate sobre a constitucionalidade do artigo 316 do Código de Processo Penal, que acaba de ser modificado pela nova redação do chamado pacote anticrime, aprovado pelo Congresso e sancionado por Jair Bolsonaro ―contrariando seu então ministro da Justiça, Sergio Moro. A nova normativa visava coibir o abuso das chamadas prisões preventivas, um recurso bastante usado na Operação Lava Jato, mas não só. Um grupo grande de advogados e juristas defendem a norma como instrumento para reduzir o encarceramento em massa no país. O problema não é André do Rap, com dinheiro e influência para ter advogados à disposição, mas milhares de presos que passam anos presos preventivamente sob justificativas frouxas e sem direito a julgamento.
Por isso, o advogado Turbay critica a maioria formada no STF e entende que o julgamento que está em vias de ser concluído acabou beneficiando magistrados, promotores e policiais que não fizeram os seus trabalhos, que era checar se ainda estavam presentes os requisitos para se manter a prisão preventiva. “O agente público do Ministério Público, da magistratura e da polícia que tiveram preguiça de fazer o seu trabalho serão beneficiados. O leniente é um servidor impune.”
Mas os contrários ao artigo tal como está tem aliados poderosos. A Associação dos Magistrados Brasileiros protocolou um pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade para restringir a interpretação da norma. Na ação, a entidade afirma que esse artigo tem prejudicado “o funcionamento do Judiciário e sua credibilidade como Poder que deve preservar a paz social”.
Para o advogado Alves, o julgamento de hoje demonstra que o Supremo transformará o artigo 316 do CPP em uma “norma inócua”, já que vai na contramão do que previu o legislador quando aprovou o pacote anticrime no ano passado. O caso ainda não foi encerrado. Deverá ser nesta quinta-feira, quando votarão os ministros Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandovski e Marco Aurélio.