Editorial
Por
Gazeta do Povo

Ministros Ricardo Lewandowski e Edson Fachin, em 2015, recebendo homenagem do governo do Paraná. Junto de Alexandre de Moraes, eles são os representantes do STF na nova composição do TSE.| Foto: Brunno Covelo/Gazeta do Povo

O ministro Ricardo Lewandowski tomou posse nesta terça-feira (8) como membro efetivo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além do empossado, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Edson Fachin, também integram a Corte eleitoral, composta por sete ministros – três do STF, dois do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dois advogados com notório saber jurídico.

Em um período normal, o novo time de ministros não despertaria atenção na sociedade. O problema é que o país está longe de viver um tempo de normalidade. As eleições prometem clima de polarização acirrado e a tensão política pode se tornar, ela mesma, ameaça à ordem estabelecida. Num momento assim, espera-se uma atuação do Poder Judiciário pautada pela legalidade, pela imparcialidade e pela celeridade. Ele deve ser o garantidor da ordem e sua fonte de legitimidade mais evidente. No entanto, o histórico recente de atuação do TSE dificulta bastante a confiança da população numa desejável condução serena do processo eleitoral.

Lewandowiski ocupará o lugar deixado por Luís Roberto Barroso, que encerrou o mandato de quatro anos no TSE. O ministro que ora se afasta ganhou notoriedade por uma atuação no mínimo imprudente na crise institucional que desaguou nas manifestações do 7 de setembro de 2021. Naquele momento, o debate público estava agitado pelo tema do voto impresso, uma pauta que, independentemente do mérito, estava carregado de evidente caráter político, podendo resultar em judicialização quando as eleições chegassem. A turbulência exigia total cautela por parte da presidência do tribunal, mas Barroso atuou como um lobista em prol de uma das posições.  Além disso, envolveu-se demais na disputa retórica, ao ponto de divulgar informações imprecisas a respeito do modelo que se propunha, como se ele permitisse aos cidadãos levar para casa um comprovante de votação que poderia se tornar instrumento de corrupção eleitoral.

No entanto, o histórico recente de atuação do TSE dificulta bastante a confiança da população numa desejável condução serena do processo eleitoral

Naquele momento, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu muito para elevar a tensão institucional a um nível próximo do paroxismo, mas não se pode dizer que o TSE tenha se posicionado de maneira positiva na esfera pública. Especialmente preocupante se tornou a atuação da corte, se consideramos decisões polêmicas, quando não completamente eivadas de erro e parcialidade, tomadas pelo tribunal poucos meses antes, como a ordem para que várias mídias sociais, como YouTube, Facebook, Twitter, Instagram e Twitch.TV, suspendessem a monetização de canais e páginas que estariam promovendo a “desinformação” sobre o processo eleitoral – todos eles com viés de direita ou conservador -, uma decisão absurda que analisamos com profundidade em outra ocasião.

Nos últimos meses, o ministro Barroso vinha demonstrando empenho para forçar a direção-executiva do Telegram a aderir à mesma parceria para “combater a disseminação de fake news” já estabelecida com WhatsApp, Facebook, Instagram e Twitter, sem importar-se com a lógica parcial e juridicamente inaceitável que o STF tem adotado sobre o assunto, confundindo opinião com a difusão proposital de informação objetivamente falsa. Para muitos de seus usuários, a rede social tem ganho a reputação de refúgio da livre circulação de informações. Diante das dificuldades em forçar uma submissão do aplicativo de mensagens, Barroso chegou a falar em público por mais de uma vez sobre o seu banimento do país por ordem judicial.

A posição infelizmente tem sido ecoada por outros integrantes da corte eleitoral, reforçando uma verdadeira doutrina segundo a qual o Poder Judiciário se coloca como “editor” da sociedade, para repetir a expressão infeliz do ex-presidente do STF, Dias Toffoli. Em uma recente demonstração desse espírito, o atual presidente da corte, ministro Alexandre de Moraes, fez declarações descabidas durante o julgamento que inocentou a chapa vencedora das eleições de 2018 por supostos disparos em massa no Whatsapp. Ainda que tenha votado contra a cassação da chapa, Moraes utilizou da tribuna para fazer ameaças aos pleiteantes desse ano. “Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado. E as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as eleições e a democracia no Brasil”. Com base numa afirmação dessas, só podemos concluir que, se naquela eleição houve algo ilícito e o ministro não fez nada, mesmo tendo ciência, então prevaricou. Mas se nada aconteceu, então a frase simplesmente não faz sentido. É evidente, contudo, que se ocorrerem verdadeiros atentados contra a eleição e a democracia, deve haver condenação.

É importante lembrar que Alexandre de Moraes esteve à frente da repressão policial em inquéritos amplamente reputados como ilegais conduzidos pelo STF, que resultaram na prisão e censura de várias pessoas, sendo a maioria de apoiadores do Presidente da República. Até o presente momento, nenhuma dessas peças jurídicas chegou a qualquer conclusão, permanecendo como um dispositivo de exceção que pode ser acionado a qualquer momento, mas com uma mira apontada somente para um lado do espectro político nacional.


Um iluminista censor
Também não se pode dizer que a chegada de Edson Fachin à Corte, nomeado presidente em fevereiro deste ano, traz pacificação. Recentemente, o ministro ganhou os holofotes da opinião pública ao dar declarações sobre suposto risco de ataques de hackers russos ao TSE, justamente quando o Presidente da República Jair Bolsonaro visitava oficialmente a Rússia, poucos dias antes do início dos conflitos no Leste Europeu. Por mais reprovável que se possa considerar aquela viagem, a observação de Fachin foi contraproducente, extemporânea e desnecessária. Em seguida, reforçou publicamente a visão de que o Congresso Nacional precisaria “resolver” a questão das mídias sociais, particularmente o Telegram, alegando que o STF poderia tomar à frente da regulamentação e eventual banimento de não-alinhados, caso o Poder Legislativo não tomasse decisão nesse sentido.

Com exceção do ex-ministro Marco Aurélio Mello, e dos recém-empossados André Mendonça e Kássio Nunes, o STF tem demonstrado um nível de coesão interna pouco usual no seu empenho “editorial” para “civilizar” o processo democrático. O atual nível de engajamento das cortes tem gerado mais insegurança jurídica e apreensão em relação ao futuro mesmo da democracia brasileira do que os males que ela alega combater. Por isso, infelizmente, não se pode dizer que a chegada de Lewandowski seja um raio de esperança em torno da volta da prudência às altas esferas da justiça eleitoral.

Outubro se avizinha e os atuais integrantes do TSE não demonstram a correta percepção dos problemas que a sociedade deve se defrontar no seu processo democrático. É preciso que os ministros ouçam os apelos da razão e mudem essa trajetória de decisões monocráticas e interferências descabidas. A polarização política já é um problema demasiado grande para qualquer democracia na atualidade. Sem a serenidade e imparcialidade dos juízes, ela pode se tornar verdadeiramente ingovernável antes do resultado final do pleito.


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