Comissão revisora

Por
Thaméa Danelon – Gazeta do Povo

Ricardo Lewandowski (ao centro), em 2016, durante julgamento do impeachment de Dilma Rousseff no Senado: ministro do STF preside comissão revisora instalada pelo Senado| Foto: Pedro França/Agência Senado

A Lei 1.079, de 1950, trata do processo de impeachment de diversas autoridades de uma República, e também indica quais são os crimes de responsabilidades que, caso praticados, podem resultar em um afastamento da função pública. Importante dizer que os crimes de responsabilidade na verdade não se tratam de crimes propriamente ditos, pois não há a previsão de uma pena de prisão ou outra de caráter penal à autoridade que venha a cometer esse ilícito. O crime de responsabilidade tem a natureza jurídica de uma infração político administrativa, embora seja denominado como “crime”.

Pois bem, de acordo com essa lei, podem ser alvo de processo de impeachment diversas autoridades públicas e não apenas o presidente da República ou membros do STF, o Supremo Tribunal Federal. Tais como o vice-presidente da República, ministros de Estado, o procurador-geral da República, governadores e secretários.

Na nossa história recente, testemunhamos o afastamento de dois presidentes – Fernando Collor de Melo e Dilma Rousseff – e, segundo a lei, esse processo envolve a participação das duas casas legislativas, primeiramente a Câmara dos Deputados – que analisa a possibilidade de abertura de um processo de impeachment (viabilidade da acusação) – e, posteriormente, o Senado Federal, que irá julgar o pedido, sendo esse julgamento presidido pelo ministro presidente do STF.

Em relação aos ministros do STF nunca houve início de qualquer processo de impeachment, e o rito processual a ser aplicado é diferente do previsto para os crimes de responsabilidade do presidente da República, pois caberá exclusivamente ao Senado Federal analisar o pedido de abertura do processo de afastamento contra um ministro do Supremo e também a realizar o julgamento.

Neste mês de março, o Senado instalou uma comissão composta por diversos juristas, sendo um deles o ministro Ricardo Lewandowski, ex-presidente do STF, para propor mudanças na Lei do Impeachment. Segundo o ministro, alguns pontos deveriam ser analisados por essa comissão, tais como:

a) A decisão de abertura ou não de um processo de impeachment contra o chefe do Executivo não poderia caber exclusivamente ao presidente da Câmara;
b) Deveria haver um prazo pré estabelecido para essa análise;
c) A falta de ampla defesa ao presidente após a apresentação da denúncia e antes da decisão do presidente da Câmara de aceitá-la ou rejeitá-la;
d) A facilidade de apresentação de uma denúncia de impeachment sem maiores consequências para o “acusador” em caso de arquivamento desse pedido; dentre outros.
De fato, a Lei do Impeachment é antiga, e penso que discussões sobre o aprimoramento de legislação são muito bem vindas quando o intuito é simplificá-las e torná-las mais claras e efetivas. É claro que ainda não foram apresentados quais os pontos específicos que se pretende mudar, vez que a comissão acabou de ser instalada, mas, até o momento, não foram levantadas questões referentes a pedidos de impeachment contra ministros do STF.

Penso, de fato, haver sim a necessidade de ser estabelecido um prazo para análise de pedidos de impeachment apresentados; tanto os oferecidos contra presidentes da República como em relação aos ministros do STF, pois não é razoável que dezenas de pedidos dormitem nas mesas do presidente da Câmara e do Senado referentes, respectivamente, a pedidos de impeachment do presidente da República e ministros do Supremo.

Recapitulando, já foram oferecidos mais de 140 pedidos de impeachment contra o atual presidente, sendo que muitos deles não foram analisados. Por outro lado, em dezembro de 2020 havia 36 pedidos de impeachment contra ministros do STF, sendo a grande maioria oferecidos contra Alexandre de Moraes, mas os demais integrantes do Supremo também tiveram pedidos de impeachment contra si instaurados, e, nos últimos dias de seu mandato como presidente do Senado, Davi Alcolumbre, rejeitou liminarmente esses 36 pedidos.

Agora realizando uma breve análise do processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma: embora muitas vozes de apoiadores aleguem a ocorrência de um “golpe”, as provas que embasaram esse pedido e as demais colhidas ao longo do processo apontaram de forma contundente a prática de crimes de responsabilidade, quais sejam: 1) expedição de decretos orçamentários sem autorização do Congresso Nacional; e 2) pedaladas fiscais.

A primeira infração dizia respeito à edição de uma série de decretos em 2014 e 2015 que resultaram na abertura de créditos suplementares no valor de R$ 18,4 bilhões sem qualquer autorização do Poder Legislativo. As pedaladas restaram configuradas por conta de manobras contábeis com intuito de demonstrar – ainda que de uma forma artificial – que o governo arrecadava mais do que gastava.

Entretanto, a situação real era completamente diversa da contabilizada,  pois os gastos federais eram infinitamente superiores aos valores arrecadados através dos impostos, fato que tornava a União devedora de bancos púbicos, sendo essa situação vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Assim, diante da comprovação documentada de crimes de responsabilidade, a ex-presidente Dilma foi condenada em seu processo de impeachment.

Entretanto, o então presidente do STF, ministro Lewandowiski, que presidiu o referido processo, descumpriu a Constituição e não aplicou contra a ex-presidente as duas penalidades previstas claramente no texto constitucional, quais sejam: a perda da função púbica e a inabilitação por 8 anos para o exercício de função pública (artigo 52, parágrafo único da Constituição Federal).

Assim, aguardemos as propostas efetivas que serão elaboradas pela comissão de alteração da Lei do Impeachment, e, como eu citei anteriormente, mudanças que aprimorem as nossas normas jurídicas são válidas e pertinentes, mas cumprir as leis em vigor e principalmente a Constituição é medida que se impõe.


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