Veja o que dizem especialistas
Apesar da alta cobertura vacinal no País, efeitos de uma nova variante em momento de flexibilização ainda são incertos e causam preocupação
João Ker, O Estado de S.Paulo
O diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus, afirmou na última quarta-feira, 16, que o aumento global de casos da covid pode ser apenas “a ponta do iceberg”. Na Europa e na Ásia, alguns países têm visto o número de testes positivos aumentar a ponto de fazer o órgão internacional declarar um aumento mundial desses índices pela primeira vez desde janeiro. Diante desse cenário, especialistas apontam que dificilmente o Brasil vai escapar de uma possível nova onda, mas ponderam qual poderá ser o seu efeito real por aqui.
Países como China, Alemanha e Reino Unido, onde o número de casos tem aumentado no último mês, paralelamente implementam também medidas menos restritivas de combate à pandemia. No Brasil, um movimento similar começa a tomar forma à medida em que Estados e capitais liberam a obrigatoriedade do uso de máscara facial e as restrições de lotação em ambientes e eventos fechados.
“Os países europeus têm condições multifatoriais de enfrentamento à doença e conseguem fazer restrições nos locais com surtos, assim como o incentivo fiscal e apoio financeiro às regiões específicas”, observa Rodrigo Stabeli, pesquisador e diretor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em São Paulo. “No Brasil, temos a flexibilização de medidas preventivas, mas nunca tivemos políticas que garantam o emprego e renda das pessoas com o retorno de altas infecções”, complementa.
Hoje, mais de 79% da população brasileira vacinável (com 5 anos ou mais) já tomou duas doses da vacina contra a covid, enquanto o índice para as três doses entre esse público é 35,36%. Entretanto, apesar de prevenirem contra internações, quadros graves e óbitos da doença, os imunizantes que temos até hoje não impedem completamente a transmissão do vírus.
Há também o alto percentual de quem não compareceu para a 3ª dose e, ainda nesta semana, o Estado de São Paulo anunciou a 4ª aplicação para idosos acima dos 80 anos, como uma forma de aumentar a imunidade em um dos grupos populacionais mais frágeis em relação à pandemia.
“O que a gente ainda não pode falar é como essas ondas vão se comportar na Europa, se vão ser grandes ou não, se duram muito ou não. Não temos bola de cristal e o vírus faz o que quer, mas podemos falar com um pouco mais de certeza que certamente vai atingir o Brasil”, explica a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacina.
Alguns estudos apontam que a BA.2 pode ser até 30% mais transmissível que sua cepa original, a Ômicron, responsável por um surto no início deste ano, que deixou hospitais e postos de saúde abarrotados de pacientes.
“Aqui, as vacinas funcionaram muito bem contra a variante Delta, nem tanto contra a Ômicron. Mas não vejo o Brasil com risco de uma nova onda significativa da pandemia, nem em termos de mortes, nem de casos”, avalia Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza, infectologista e epidemiologista da Unesp. Apesar de se definir como um “otimista moderado”, ele também acredita que a flexibilização no uso de máscaras anunciada em São Paulo e já adotada por outras seis capitais brasileiras é precoce.
Nesta quinta-feira, 17, o Brasil registrou 484 novas mortes pela covid e outros quase 50 mil casos. A média móvel de óbitos está 334, muito abaixo dos picos já registrados no País, mas também acima do que é considerado “estável” ou das baixas já registradas no fim do ano passado. “Não estamos falando de lockdown, mas sim do comportamento das pessoas de não se aglomerarem ainda. Ainda temos cerca de 300 mortes diárias, é como se caísse um boeing todo dia no Brasil. A gente ‘rotinizou’ a doença e esse talvez seja o maior problema de enfrentamento à covid que ainda temos”, alerta Stabeli.