A maior estranheza das concepções do Paraíso para jovens urbanos de 2022 é a ‘falta do que fazer lá’
Leandro Karnal, O Estado de S.Paulo
Muita gente imaginou o lugar da perfeição absoluta e da plena felicidade. O historiador Jean Delumeau (1923-2020) fez uma série de livros sobre a História do Paraíso (O Jardim das Delícias, Mil Anos de Felicidade, O Que Sobrou do Paraíso?).
Paulo de Tarso advertiu (I Cor 2,9) que os olhos e ouvidos humanos não poderiam imaginar aquilo que Deus preparou para aqueles que foram amados pelo Todo-Poderoso. Os olhos não podem ver, todavia, conseguem imaginar…
Como seria o Céu? A imagem mais conhecida está no Museu do Prado: O Jardim das Delícias, de Bosch. O mundo paradisíaco do pintor flamengo é uma viagem surreal que influenciaria Dalí e Magritte no século 20. Tintoretto, tempos depois, decidiu que o Paraíso precisaria de mais espaço e cobriu uma enorme parede da Sala do Palácio Ducal, em Veneza.
No século 12, surgiu uma narrativa que se tornou bastante popular: a Visio Tnugdali (Visão de Túndalo). Na obra, o Paraíso possui três muros. No Muro de Prata, estavam os casados que não tinham cometido adultério. O de Ouro é reservado aos que construíram a Igreja Católica, mártires em particular. Por fim, no melhor lugar, o Muro de Pedras Preciosas, encontramos o coro dos anjos e alguns santos irlandeses, como São Patrício.
A visão do monge celta serviu para inspirar Dante na Divina Comédia, que foi além e criou Nove Esferas especializadas (teólogos, contemplativos, guerreiros, etc.) e um Primum Mobile final com o próprio Deus conferindo movimento a tudo. Os últimos versos do florentino reconhecem sua incapacidade de descrever exatamente o que viu lá, apenas um vislumbre do Amor que move o Sol e as outras estrelas (L’amor che move il sole e l’altre stelle).
A maior estranheza das concepções do Paraíso para nossos jovens urbanos de 2022 é a “falta do que fazer lá”. Um mundo de contemplação, sem celulares, tempo contínuo uniforme, isento de demandas e de alterações. Foi fácil atrair místicos medievais para o que foi chamado de “suborno” cristão (em oposição à grande ameaça, o Inferno). Como explicar a alguém de 16 anos que deve levar uma vida de entrega a valores religiosos para, depois de morto, viver por toda a eternidade contemplando Deus? Como seria explicar a eternidade do Inferno ou do Céu para um jovem? Como você retrataria o Paraíso para um jovem de hoje? O que seduziria alguém a ponto de modificar todo o seu comportamento para buscar a suprema recompensa do Céu? Eu não sei e desconfio, com certa esperança, que predomina a terceira idade no além.