Educação pública
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Gabriel Sestrem – Gazeta do Povo
O presidente Jair Bolsonaro durante o lançamento do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, em 2019| Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil; Antonio Cruz/Agência Brasil
O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, iniciativa do Ministério da Educação em parceria com o Ministério da Defesa, que desde 2020 implementou o modelo em 127 escolas estaduais ou municipais do país durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), está na mira do Partido dos Trabalhadores (PT), e sua revogação pode constar no plano de governo petista para as eleições deste ano. Em declarações recentes dadas à imprensa, a coordenadora do Setorial de Educação do PT Nacional, Teresa Leitão, disse que “o projeto das escolas cívico-militares fracassou”.
Ela, que contribui com a temática da educação junto à alta cúpula do partido para definir as diretrizes do plano de governo petista para as eleições, declarou também que o PT é contra o programa e que não irá bancá-lo. De acordo com as portarias referentes ao programa, parte dos recursos que o financiam vem do governo federal, enquanto estados e municípios complementam com verbas adicionais.
A implementação de escolas cívico-militares é uma aposta do governo Bolsonaro, que tem como objetivo trazer aspectos da gestão escolar dos colégios militares, regidos por leis estaduais, e aplicá-los em um programa nacional. Sua aplicação consiste em alocar oficiais e praças das polícias militares e dos corpos de bombeiros e membros inativos das Forças Armadas nas instituições de ensino a fim de atuarem como suporte à comunidade escolar, sob a liderança da diretoria da instituição de ensino. Os militares recebem treinamentos específicos em gestão escolar antes de assumirem os postos.
Diferentemente dos colégios propriamente militares, nas escolas cívico-militares tanto a direção quanto o corpo docente permanecem os mesmos, compostos por civis e não por profissionais de segurança pública. As corporações não assumem as escolas, que permanecem sendo geridas pelas secretarias estaduais ou municipais de educação. As escolas também não são obrigadas a aderir a um uniforme militar e não há exames de seleção para ingresso nessas instituições.
A estimativa do governo federal é encerrar 2022 com 216 instituições de ensino em que o modelo esteja em vigor. Até o momento, 25 estados mais o Distrito Federal já possuem escolas cívico-militares – apenas no estado de Sergipe não foi implementada nenhuma escola até o momento.
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Funcionamento do modelo cívico-militar
As principais demandas das comunidades em que as escolas cívico-militares têm sido implementadas são a melhoria do ambiente de ensino e da segurança no entorno dos colégios. De acordo com pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgada em 2019, os professores brasileiros gastam, em média, um terço do tempo em sala de aula para manter a ordem na classe e para se dedicar a tarefas administrativas, como a lista de presença. A indisciplina nas escolas é, aliás, um dos principais componentes que colocam o Brasil nas últimas posições quando o assunto é educação.
Nesse cenário, os militares atuam como apoio no acolhimento e preparo dos alunos na entrada dos turnos, no intervalo de aulas e nos períodos de encerramento; e também nos projetos educativos extraclasses e na busca ativa dos alunos. Antes da implementação do modelo, pais dos alunos, professores e funcionários das instituições são ouvidos em uma consulta pública e somente após a aprovação são efetivados os trâmites para a mudança.
Como critérios para que a escola seja escolhida para receber o programa, a instituição deve obrigatoriamente ter baixo Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica; indicador que mede a qualidade do ensino nas escolas públicas) e ter alunos em vulnerabilidade social.
De acordo com Pedro Caldeira, professor na Universidade Federal do Triângulo Mineiro, pesquisador na área de educação e diretor do núcleo de educação do grupo Docentes Pela Liberdade (DPL), o formato é positivo especialmente pelo foco dado ao respeito aos professores, às regras da escola e aos símbolos nacionais e pela centralização nas aprendizagens dos conteúdos. Para Caldeira, o modelo tende a contribuir para superar problemas típicos em muitas redes de ensino, como comportamentos inadequados de parte dos alunos nos contextos escolares, desinteresse de parte dos estudantes e suas famílias pelas aprendizagens e, em casos extremos, a presença e o consumo de drogas dentro ou no entorno das escolas.
Um ponto negativo que ele cita, não diretamente vinculado ao programa, é pensar que esse é o único modelo alternativo ao formato das atuais escolas das redes públicas. “Mesmo o engessamento legal e normativo a que as escolas brasileiras estão sujeitas permite que outros modelos possam ser pensados, concebidos e implantados. As próprias escolas cívico-militares são o melhor exemplo, mas poderiam ser pensados outros modelos”, diz o pesquisador.
Como exemplo, ele cita o modelo de escola tradicional com base no Trivium (baseado na Gramática, Lógica e Retórica – bem escrever, bem pensar e bem falar); escola de artes visuais, dramáticas e musicais; e de instituições em que os estudantes assumem a total responsabilidade por suas aprendizagens. “Ou mesmo o modelo finlandês ou estoniano, em que a gestão da escola tem total responsabilidade pelos resultados das aprendizagens de seus alunos e liberdade para contratar e dispensar professores, por exemplo”, prossegue.
Por outro lado, para Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), o formato das escolas cívico-militares é insustentável como política pública. Ele cita que não há viabilidade material para que o modelo se replique no conjunto das escolas brasileiras e que, do ponto de vista pedagógico, os militares não teriam a preparação para estarem no ambiente escolar.
“Essa proposta me parece inadequada, porque os militares, quaisquer que sejam os níveis de sua atuação, têm como processo de formação objetivos muito distintos do processo educacional”, diz Alavarse. “Eles são formados com uma visão de obediência e hierarquia. Sem negar a importância da disciplina, a escola não pode estar baseada nesse tipo de hierarquização que o meio militar se encontra. O ambiente educacional não pode estar baseado nessas premissas, tem que ter o espaço do debate”.
As escolas cívico-militares são instituições não militarizadas, mas com uma equipe de militares no papel de tutores (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil) | Marcelo Camargo/Agência Brasil
Panorama das escolas cívico-militares no Brasil
Dentre as 127 instituições em que o modelo já foi implementado, a região Norte do país é a que mais possui escolas cívico-militares, com um total de 29. Em segundo lugar estão empatadas as regiões Sul e Sudeste, com 27 instituições cada. Já o Nordeste soma 23 escolas, e o Centro-Oeste, 21.
Ao final deste ano, no entanto, caso o governo consiga atingir as metas estabelecidas, a ordem de regiões com maior número de escolas cívico-militares será: Sudeste (55), Sul (52), Norte (44), Nordeste (36) e Centro-Oeste (29).
Já entre os estados, aqueles que devem receber mais implementações até o fim desta primeira etapa do programa são Rio Grande do Sul (22 escolas previstas, hoje soma 12); São Paulo (20 previstas, atualmente com nove) e Santa Catarina, que possui nove, mas pode chegar a 19 escolas no modelo. Há, atualmente, uma lista de espera de aproximadamente 300 municípios que aguardam receber escolas cívico-militares, segundo dados do MEC.
É possível mensurar o programa?
O programa das escolas cívico-militares começou a ser implementado no primeiro semestre de 2020, época de início da pandemia da Covid-19 e, consequentemente, do longo período de escolas fechadas. Como consequência, é impossível ter uma mensuração técnica a respeito tanto de seus efeitos positivos quanto do seu “fracasso”, como alegado pela coordenadora do Setorial de Educação do PT.
Na avaliação de Caldeira, resultados obtidos em projetos educacionais podem ser obtidos ao final de um ano de efetiva aplicação. “Tratando-se do ano 2020, no qual foram tomadas decisões que levaram ao fechamento das escolas e sem que escolas, professores, famílias e alunos estivessem preparados para substituir o ensino presencial pelo ensino remoto, os resultados atingidos nesses anos não são representativos da ‘mais-valia’ das escolas cívico-militares”, explica o professor. Para ele, uma avaliação plena só poderá ser efetuada no final de 2022, após um ano letivo totalmente presencial.
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Para diretor do MEC, mesmo com impactos da pandemia, programa apresenta resultados positivos
Na avaliação do diretor de políticas para escolas cívico-militares do MEC, Gilson Passos de Oliveira, apesar de os impactos da suspensão das aulas presenciais em decorrência da pandemia terem impedido uma mensuração mais apurada dos resultados do programa, o período foi utilizado para estruturar o modelo e expandi-lo para outras escolas, para aproximar os militares do corpo docente e até mesmo para melhorar a infraestrutura de algumas instituições de ensino.
Quanto aos resultados do programa, Oliveira cita que o retorno positivo, principalmente por parte das famílias, o rápido esgotamento das vagas nas escolas em que o formato tem sido implantado – em uma escola de Cuiabá, todas as 600 vagas abertas pela internet se esgotaram em menos de cinco minutos – e conquistas pontuais em algumas instituições apontam para um desempenho positivo.
“Em uma das escolas de Curitiba, havia a possibilidade de seu fechamento pelo desinteresse da comunidade em razão de diversos problemas que a unidade apresentava. Essa escola, hoje, tem em torno de mil alunos nos dois turnos e uma fila de espera de mais de 300 alunos”, diz o diretor do programa.
“Em alguns aspectos, para nossa surpresa, temos tido resultados expressivos que achávamos que só iriam acontecer mais para frente. A escola de Palhoça (SC), por exemplo, conseguiu recentemente três medalhas na Olimpíada Brasileira de Astronomia. Já uma das escolas de Curitiba atingiu no ano passado, pela primeira vez na sua história, o índice do Ideb”, declara Oliveira.
Segundo ele, a evasão escolar – apontada em relatório em relatório da OCDE como uma das principais consequências do longo período de aulas presenciais suspensas – tem sido bastante reduzida nas instituições em que o programa vigora. “Em várias unidades temos uma redução muito significativa, e em algumas o índice chega a zero, como é o caso de escolas em Cuiabá e João Pessoa”.
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