Pelo presidente
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Thaméa Danelon – Gazeta do Povo
O deputado Daniel Silveira e o presidente Jair Bolsonaro| Foto: Reprodução/Twitter
O presidente da República concedeu o indulto individual, também conhecido como graça, ao deputado federal no dia 21 de abril e 2022. Esse decreto foi emitido um dia após a condenação do parlamentar à elevada pena de prisão de 8 anos e 9 meses. De acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), Daniel Silveira teria cometido crimes previstos na Lei de Segurança Nacional e também o crime de coação no curso do processo. Além da pena privativa de liberdade também foi fixada uma pena de multa no valor de R$ 192 mil.
Possivelmente o decreto de graça, ou seja, esse perdão concedido pelo presidente, tenha como fundamento as irregularidades processuais e constitucionais que estiveram presentes desde a prisão do parlamentar, que foi injustamente preso.
Por mais que não concordemos com o teor da fala do deputado constante em um vídeo, quando, de fato, ele se excedeu, e foi extremamente descortês com os ministros do STF, Daniel Silveira não poderia ter sido preso, pois os crimes de ameaça e contra a honra cometidos estão abarcados pela imunidade parlamentar prevista no artigo 53 da Constituição. Essa inviolabilidade impede a prisão, o processo e a condenação de deputados e senadores pela prática de crimes através da palavra.
Evidente que não se concorda com o teor do que foi dito pelo deputado, pois ele utilizou palavras grosseiras e indevidas, mas havendo excesso nessas palavras, excessos esses de fato ocorridos, ele somente poderia ser penalizado por quebra de decoro parlamentar, em processo na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, o que de fato ocorreu, contudo não foi aplicada a pena de cassação de mandato.
Um outro ponto que não foi observado pelo STF é o seguinte: parlamentares só podem ser presos se estiverem em flagrante delito de crime inafiançável, e Daniel Silveira não estava em flagrante, pois o fato do vídeo ofensivo ainda estar no ar não transforma as infrações em flagrante delito.
Ademais, os crimes não são inafiançáveis, pois o próprio STF posteriormente concedeu uma fiança de R$ 100 mil a ele. Assim, se o crime cometido era afiançável, ou seja, se fosse possível a concessão de uma fiança para que o preso fosse solto, o parlamentar não poderia ter sido preso, pois a Constituição determina em seu artigo 83 a possibilidade de prisão de parlamentares apenas por crimes inafiançáveis, sendo estes crimes graves e passíveis de prisão preventiva.
Nessa linha de raciocínio, já que deputados não podem ser presos preventivamente – de acordo com o próprio texto constitucional –, eles também não poderiam ser submetidos à colocação de tornozeleira eletrônica, pois essa seria uma medida cautelar diversa da prisão (conforme consta no Código de Processo Penal).
Explicando: a colocação dessa monitoração em um réu é uma alternativa à própria prisão preventiva (que é uma espécie de prisão diferente da prisão em flagrante) assim, como não é admitida constitucionalmente a prisão preventiva de parlamentares, logo, a colocação de uma tornozeleira também não é autorizada por nosso Direito.
Daniel Silveira também ficou impedido de utilizar suas redes sociais e conceder entrevistas, entretanto, essa medida viola a garantia constitucional da liberdade de expressão, principalmente por se referir a um parlamentar, cuja função precípua é “parlar”.
Outra inconsistência do processo é a fixação de uma multa diária de R$ 15 mil caso o deputado não aceitasse a colocação de tornozeleira eletrônica. Contudo, na lei processual penal não há essa previsão de multa diária. Além disso, Daniel Silveira foi impedido de acompanhar presencialmente seu julgamento, algo que viola frontalmente o princípio da ampla defesa, pois não se pode impedir que um réu acompanhe presencialmente seu próprio julgamento.
Por fim, a irregularidade que reputo a mais grave é o fato do relator do processo ser a vítima do crime em questão, pois jamais um juiz que é a vítima poderá julgar seu suposto agressor, vez que esse juiz estaria impedido de proferir julgamento nesse caso, ocorrendo, no presente caso, a violação do sistema acusatório adotado por nossa Constituição.
Em relação à graça concedida pelo presidente da República, entendo que é plenamente constitucional, pois a concessão desse perdão ou clemência é uma prerrogativa do chefe do Poder Executivo prevista no artigo 84, inciso XII da Constituição. Além disso, o presidente não precisaria aguardar o denominado trânsito em julgado para editar um decreto de graça, pois como a decisão condenatória foi proferida pelo STF, que é a última instância judicial no Brasil, essa condenação não poderia ser revista, logo, o parlamentar não teria mais a oportunidade de obter absolvição pela Suprema Corte.
Em relação aos efeitos dessa graça, entendo que, além de extinguir a possibilidade de cumprimento da pena principal, pois o deputado não poderia ser preso e nem compelido a pagar a pena de multa, essa clemência também abrangeria os efeitos secundários da sentença condenatória, ou seja, Daniel Silveira não perderia o seu mandato, permanecendo como deputado federal.
Penso também que ele estaria completamente elegível, podendo concorrer nas próximas eleições, pois não haveria lógica alguma a concessão de uma graça para um condenado em um processo injusto e com diversas falhas legais e constitucionais e ainda assim o parlamentar ser indevidamente punido com a perda de seu mandato e se tornando inelegível.
Por fim, chegamos à seguinte conclusão: não é a graça concedida pelo presidente da República que é inconstitucional, mas o próprio processo que resultou na exorbitante condenação de quase nove anos de prisão.
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