Medidas aprovadas por deputados e senadores, incluindo a obrigação de contratação de térmicas a gás e carvão mineral, fazem subir o custo da energia em R$ 27 bilhões; agora, parlamentares falam em criar um teto do ICMS para minimizar a alta de preços
Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – O Congresso aumentou o custo da conta de luz em 10% para os próximos anos após aprovar leis que exigem contratações de energia de fontes específicas e dão subsídios ao setor elétrico.
Os cálculos, obtidos pelo Estadão, são do professor Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Ele mapeou o custo das leis aprovadas recentemente e calculou o que chama de “custo Congresso” na conta de luz. Toda essa despesa adicional acaba sendo paga pelos consumidores, seja por meio do preço da energia ou pelo aumento dos encargos.
Com a escalada tarifária, agora o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), com apoio do governo, quer baratear a conta de luz a todo custo com a aprovação de um projeto que fixa um teto de 17% da alíquota do ICMS, imposto estadual, e de um decreto que suspende os reajustes já aprovados nos Estados.
Em ano de eleições e com os políticos sendo cobrados pelo preço da energia, esses dois projetos tramitam com urgência na Câmara e ganharam prioridade para aliviar a conta de luz. Apesar da pressão dos governadores, o projeto do ICMS pode ser aprovado nesta terça, 24, pela Câmara.
O mapeamento do impacto na conta de luz mostra que foram os próprios parlamentares que contribuíram para a explosão no preço da energia, com exigências de contratações de térmicas a gás, a carvão mineral, energia nuclear de Angra 3 e energia renovável pelo dobro do preço de mercado.
Essas contratações têm um custo médio de R$ 464,29 por megawatt-hora (MWh), enquanto que o custo tradicional da expansão do parque de energia, calculado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), empresa vinculada ao Ministério de Minas e Energia, é de R$ 157,44.
O resultado final é um custo adicional total de R$ 27 bilhões por ano, considerando o prazo de cada contratação obrigatória de energia prevista nas medidas aprovadas pelo Congresso. Esse valor representará um impacto de aproximadamente 10% na tarifa do consumidor brasileiro de energia elétrica nos próximos anos, com um acréscimo médio de R$ 54,79 por MWh na conta de energia.
A conta média envolve custos com prazos e financiadores distintos. Segundo Santana, muitas das contratações compulsórias serão rateadas por prazos de 15 a 20 anos por todos os consumidores, livres ou cativos, mas podendo chegar a 50 anos, como é o caso da energia proveniente da usina nuclear Angra 3.
O Congresso aprovou também todas as leis que compõem cada linha da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo do setor elétrico para custear políticas determinadas por deputados e senadores. Os valores são calculados anualmente pela Aneel e arrecadados por meio das tarifas de energia. Essa conta banca a compra de combustível fóssil para geração de energia nos sistemas isolados do Norte do País, subsídios para consumidores e geradores de fontes renováveis, descontos para consumidores de baixa renda e até para setores de irrigação, aquicultura e saneamento básico, além de gastos com o programa de universalização do acesso ao serviço de energia elétrica; entre outras iniciativas.
Em 2022, foi aprovado um orçamento recorde para a CDE: R$ 32,1 bilhões. Esse montante representa um aumento de 34,2% em relação ao orçamento da CDE em 2021, de R$ R$ 23,9 bilhões. No total, custear as políticas públicas financiadas por essa conta significam 13,3% na tarifa de energia elétrica do consumidor brasileiro.
“O setor elétrico chegou ao fundo de poço em termos de regulação. O Congresso assumiu ao mesmo tempo de planejador, determina o que entra de energia, quando, onde, qual o combustível e os custos e quer culpar o regulador, as distribuidoras e as geradoras pelos aumentos quando o grande culpado é ele”, diz Santana.
O ex-diretor da Aneel destaca que o problema não será resolvido reduzindo tributo ou jogando o aumento para frente. Se o problema não for reduzido, o impacto dessas medidas será engolido rapidamente. A solução, diz, é fazer um “reset”, zerando todo esse emaranhado de problemas.
Para Rodrigo Ferreira, presidente-executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), a solução de reforma estrutural para o setor elétrico é o projeto de lei 414, já aprovado no Senado. Neste projeto, há uma abertura do mercado de energia ao dar o direito, a quem quiser, de poder escolher o próprio fornecedor de energia elétrica – medida que é conhecida como portabilidade da conta de luz, uma alusão ao que já é possível fazer na telefonia e crédito imobiliário.
Segundo ele, há grande expectativa para a votação em junho do projeto e consenso no setor em torno do projeto. “O presidente Lira tem demonstrado preocupação com a explosão tarifária e já se manifestou favorável à modernização do modelo comercial do setor elétrico, que garantirá liberdade de escolha para o consumidor e acesso a energia mais barata”, avalia Ferreira.
Jabutis
O diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria, vê com muita preocupação o aumento dos custos da energia no País nos últimos anos de maneira geral, e a escalada desses custos por meio de “jabutis” nas contas de luz.
Ele destacou os “jabutis gigantes” pendurados na lei de privatização da Eletrobras. Faria alerta para a criação dos novos jabutis, já em gestação, na tramitação do projeto de lei 414 que ameaçam comprometer o processo de modernização do setor elétrico.
“Soa risível, se a situação não fosse trágica, a postura de diversos parlamentares em relação às tarifas de energia: enquanto contribuem para o repasse dos jabutis bilionários aos consumidores, ameaçam as regras e a própria sustentabilidade do setor elétrico com tentativas de interferir nos processos tarifários”, afirma.
Além dos jabutis, ele aponta outras medidas (leis ou resoluções) que pressionam os custos da energia de maneira significativa, mas não foram definidas por meio de jabutis. Entre elas, está a conta covid de R$ 15 bilhões e da crise hídrica do ano passado de R$ 12,5 bilhões.